Passageiros, moradores e motoristas de Letefoho e Atsabe denunciam más condições da estrada

A estrada fica praticamente intransitável sempre que chove com alguma intensidade /Foto: Uche Qui (Uche)

Problemas persistem há mais de duas décadas. Autoridades estatais reconhecem a falta de medidas que deveriam ser tomadas para melhorar a via de forma definitiva.

Habitantes dos postos administrativos de Letefoho e de Atsabe denunciam as más condições da estrada que faz a ligação à cidade de Gleno, capital do município de Ermera. Na estação das chuvas (dezembro a maio), lama, grandes poças de água e deslizamentos de terra são comuns na via. Na época seca (entre junho e novembro), a lama seca dá lugar ao pó, e aparecem as pedras, sempre perigosas para furos e acidentes, além de imensos buracos. Não há um único momento em que a estrada a partir de Gleno esteja em boas condições.

Quem sai prejudicado? Motoristas e motociclistas, quem tiver de caminhar neste trajeto diariamente ou até quem vive perto da estrada.

Joaquim Salsinha, 60 anos, pai de 5 filhos, agricultor e habitante de Rai-Pusa, do suco de Haupu, do posto administrativo de Letefoho, conta que os problemas não são de agora. “Já lá vão mais de duas décadas de independência e continua assim. Às vezes a estrada vai estreitando, até ser quase impossível passar um carro. Tudo isto põe em perigo a saúde e o bem-estar da população”, queixa-se.

O agricultor lamenta que, nesta época de seca, as pessoas que, tal como ele, vivem perto da estrada sofram com o pó que anda no ar. “Por vivermos próximo da estrada, quando os carros passam, levantam grandes nuvens de poeira. A nossa casa fica coberta por partículas de pó vermelho. Todos os dias respiramos essas partículas, correndo o risco de desenvolver infeções respiratórias agudas”, observa.

O morador acrescenta ainda que os engenheiros da empresa Monte Veado, vencedora do projeto de reabilitação e manutenção da estrada de Gleno para Letefoho, não fizeram um estudo de viabilidade antes de iniciarem os trabalhos e confessa que a via só tem piorado. “Se eles tivessem estudado o terreno, durante as duas estações, acho que, por esta altura, a estrada já estaria pavimentada. O Governo deveria entregar o projeto a outra empresa”, opina.

A corroborar as declarações de Joaquim, Saturnina Soares, 47 anos, mãe de 11 filhos, constata que, em 2011, a companhia Monte Veado chegou a reabilitar o trajeto, mas, passados 12 anos, a estrada está cada vez pior. “A empresa só trabalha quando há estragos graves. Ignoram todos os problemas que podem causar danos nas viaturas e pôr em risco a segurança dos passageiros”.

Saturnina Soares explica que os problemas na estrada dificultam o transporte das mercadorias e dos bens de primeira necessidade de Díli para Letefoho. A comerciante relata que, “muitas vezes, o carro que leva os produtos para Letefoho avaria pelo caminho e temos de esperar por outro carro que venha de Letefoho para ajudar a levar as mercadorias para as podermos vender”.

Os constantes obstáculos na via de acesso também prejudicam a movimentação dos estudantes de Díli para a sua terra natal. Deonizia Peregrina, 24 anos, aluna da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), reclama, em razão das más condições, que chega sempre atrasada a casa quando vai visitar a família. “De Díli a Gleno são mais de 42Km e demoramos só uma hora, mas de Gleno a Letefoho demoramos quase 4 horas para fazer 30Km”, compara.

A estudante lembra uma viagem de Díli para Letefoho, no tempo de chuva, em dezembro do ano passado. Chegaram a uma parte de um caminho chamado Kailiti, em Letefoho, que estava cheio de lama. Metade da estrada tinha desabado. Quando o carro passou, devido ao desnível, começou a inclinar-se para o lado e quase capotou. “Tivemos de sair do veículo muito rapidamente, senão poderia mesmo cair pela ravina. Felizmente, o condutor acelerou a tempo e nada aconteceu, mas fiquei traumatizada”, recorda.

O mesmo aconteceu a Marta de Deus, Estudante da UNTL, que assistiu a um acidente de um autocarro que seguia em frente ao seu carro, numa viagem de Díli para Atsabe, no dia 19 de agosto deste ano. “O condutor perdeu o controlo e o autocarro capotou, enquanto estava a fazer uma curva. Muitas pessoas ficaram feridas. Quando penso na viagem de Díli para a minha terra, lembro-me sempre desta situação”, reflete.

Moradora de Díli, a funcionária pública Ana Soares, 27 anos, vai até Letefoho pelo menos duas vezes por mês para ver a família. Numa dessas viagens, no ano passado, voltando de Gleno para a capital, estava com a avó. A jovem chama a atenção para os perigos, principalmente para as mulheres grávidas e pessoas vulneráveis, quando viajam. “Durante a viagem, que leva uma eternidade, ela ficou muito indisposta e chegou a desmaiar, por causa da trepidação”, afirma.

Já o motorista de autocarro, Domingos Soares, 32 anos, diz que todos os meses tem de trocar as molas e outros equipamentos do veículo, devido aos problemas da estrada. As despesas de manutenção, diz, chegam a gastar metade do que ganha.

Há momentos em que o caminho é tão perigoso, que pedimos aos passageiros para sair da viatura, para conseguir passar em segurança ou sem danificar o autocarro. Peço ao Governo que melhore estrada, para a segurança dos passageiros e para facilitar o nosso trabalho, para que consigamos, os condutores, sustentar a vida”, apela.

Intervenções revelam um “buraco” cada vez maior

Em conversa com o Diligente, Natalino Belo, gestor da companhia Monte Veado, explica que a empresa venceu três concursos públicos para fazer a manutenção da estrada que liga Letefoho e Atsabe para Gleno. No entanto, em nenhum deles, a pavimentação da via estava prevista. “Só temos o pacote de reabilitação e manutenção (garantir a drenagem, refazer valetas e alargar a estrada). Isto faz com que, quando vem a chuva, a estrada fique quase detruída”, admite.

A companhia, de acordo com Natalino, ganhou os concursos públicos em 2011, recebendo 900 mil dólares; em 2017, com um montante de mais de 3 milhões de dólares e, por último, em 2019, num contrato de 450 mil dólares.

Na avaliação do presidente da Autoridade do Município de Ermera, Eusébio Salsinha, o que falta é uma ação do Governo, a médio e longo prazo, que seja capaz de resolver o problema de forma definitiva. “Há companhias que ganham projetos só para fazer alguns arranjos na estrada quando já está quase tudo destruído, a ponto de impedir a circulação. Até podem refazer partes da via, mas quando vem a chuva, volta ao ponto em que estava”, critica.

Por sua vez, o administrador do Posto Administrativo de Letefoho, António Soares, sublinha que os programas do Estado para a reabilitação de estradas, com as trocas de Governo, não têm continuidade.

“O programa da reabilitação das estradas teve início no VI Governo. Veio o VII Governo em 2017 e o projeto não chegou a avançar. O mesmo aconteceu durante o VIII Governo. No fim de contas, pouco ou nada se fez neste programa, que envolvia muitas obras”, observa.

O posto da polícia de Letefoho registou, de 2022 até este ano, 10 casos de acidentes rodoviários. Entre os sinistros estão casos de atropelamentos e de despistes de carros e motas. Conta-se uma vítima mortal e 28 feridos, entre todas as ocorrências.

Na semana passada o Parlamento Nacional aprovou o OGE Retificativo para 2023. Entre as alterações, estão a diminuição de 42 milhões de dólares para o Ministério das Obras Públicas e 25 milhões para o Fundo das Infraestruturas.

O Diligente tentou entrevistar o Ministro das Obras Publicas, Samuel Marçal, mas não obteve resposta até a publicação deste artigo.

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