Finanças Públicas

Parlamento aprova retificação do Orçamento de Estado: aumenta valores para Conselho de Ministros e reduz para Infraestruturas

Debate a respeito das alterações durou três dias. Propostas agora serão apreciadas pelo Presidente da República/Foto: Diligente

Com a retificação, OGE 2023 é reduzido e passa a ser de 1,77 milhões de dólares. Impostos sobre açúcar foram eliminados e taxa de consumo para o tabaco caiu para metade.

O Parlamento Nacional aprovou esta quinta-feira  a proposta do novo Governo de reduzir o Orçamento Geral do Estado (OGE) deste ano, de 2,15 para 1,77 mil milhões de dólares americanos.

Com a justificação de diminuir os gastos públicos, três leis foram alteradas: a do OGE 2023, a Lei do Enquadramento Orçamental (LEO) e a Lei Tributária. Da votação, contaram-se 41 votos a favor, nenhum contra e 23 abstenções.

A discussão de três dias girou em torno da legalidade, validade e constitucionalidade da proposta por conter três leis no mesmo diploma que envolvem a sustentabilidade do Governo para o resto do ano. Possíveis prejuízos causados pelos cortes no orçamento também foram avaliados.

Sobre a legalidade desta questão, o jurista Avelino Coelho considerou normal a alteração de três leis num só diploma. “Na verdade, é uma opção legislativa do Governo e do Parlamento. Apresentar alterações às três leis está na norma do processo legislativo. Não estamos perante nenhuma ilegalidade”, sublinhou.

Apesar de o Governo ter considerado a falta de investimento na água e saneamento como um dos fatores com influência na saúde pública, segurança alimentar e má nutrição (que afeta 47% da população timorense), o orçamento alocado para o abastecimento de água, incluído em Habitação e Infraestruturas Coletivas, baixou em 18%.

A redução do orçamento, alegou o Governo, deveu-se às alterações da estrutura orgânica e visa uma melhor gestão das contas públicas devido à insustentabilidade do Fundo Petrolífero.

A proposta de retificação surgiu na sequência da baixa execução orçamental que, com o ano fiscal já na segunda metade, atingiu apenas 40%, de acordo com o Portal de Transparência do Orçamento. As alterações são justificadas também com o propósito de dar uma maior transparência ao uso do dinheiro do povo.

Com a atual despesa – cerca de 867 milhões de dólares do OGE de 2023 (valor conferido a 24 de agosto, no Portal) – a percentagem da execução orçamental aumentará apenas 4,2%, depois da retificação.

Tiveram um corte no orçamento o Ministério das Obras Públicas, em 42 milhões de dólares, o Fundo das Infraestruturas, em 25 milhões, a Dotação Geral do Estado, em 24 milhões, e o Fundo Especial de Desenvolvimento de Ataúro, em 10 milhões.

O que mudou

A Agência Nacional de Planeamento, Monitorização e Avaliação (ANAPMA), Autoridade Nacional de Água e Saneamento (ANAS) e Autoridade Nacional Para Eletricidade (ANE) foram extintas.

Quanto aos ajustes orçamentais, a entidade que teve a maior injeção de capital foi a Presidência de Conselho de Ministros, com 8 milhões de dólares. A Comissão Nacional de Eleições (CNE) e Serviço Autónomo de Medicamentos e Equipamentos de Saúde (SAMES) tiveram um aumento de 6 milhões cada.

Relativamente às Despesas com Pessoal, houve um aumento de 5,7 milhões no orçamento. Para a compra de bens correntes, o aumento foi de 9 milhões.

Houve também um aumento ligeiro na percentagem de alocação de verbas para os setores-chave, como Educação e Saúde. Apesar de o Governo ter considerado a falta de investimento na água e saneamento como um dos fatores com influência na saúde pública, segurança alimentar e má nutrição (que afeta 47% da população timorense), o orçamento alocado para o abastecimento de água, incluído em Habitação e Infraestruturas Coletivas, baixou em 18%.

Durante o plenário, nenhum dos deputados questionou as alterações nos setores cruciais, mas focaram-se na continuidade dos projetos assinados, como a construção de casas para os vulneráveis, no controlo do contrabando, que afeta as receitas públicas e na constitucionalidade da referida proposta de alteração das leis.

Gráfico de despesas, baseado na tabela III do Orçamento Geral de Estado de 2023.

 Tiveram um corte no orçamento o Ministério das Obras Públicas, em 42 milhões de dólares, o Fundo das Infraestruturas, em 25 milhões, a Dotação Geral do Estado, em 24 milhões, e o Fundo Especial de Desenvolvimento de Ataúro, em 10 milhões.

Além disso, relativamente às Despesas com Pessoal, houve um aumento de 5,7 milhões no orçamento. Para a compra de bens correntes, o aumento foi de 9 milhões. “Na aquisição de bens correntes, as despesas em transportes, alojamento, alimentação, combustíveis e catering são elevadas. Isto mostra que não estamos a investir no desenvolvimento, mas sim a gastar em despesas correntes”, sublinhou Mariquita Soares, deputada da FRETILIN.

Foi também clarificada a apresentação do orçamento, por setores e subsetores, com a divisão nas cinco categorias – salários e vencimentos; bens e serviços; transferências públicas; capital menor; capital de desenvolvimento –, medida que recebeu elogios de alguns deputados por evitar possíveis “erros” na alocação de verbas.

Quanto aos Programas apresentados no OGE 2023, além da dificuldade sentida pela equipa do Diligente em perceber a numeração e a sua aplicabilidade, o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão pronunciou-se, antecipando o fim dos mesmos para o próximo OGE.

Também a deputada do CNRT Maria Barreto concordou com Xanana Gusmão. “O Programa da Igualdade de Género surge em quase todos os ministérios, secretarias de Estado e autoridades municipais, com um total de 259 milhões de dólares, mas sem grande impacto na sociedade”, observou.

Cessar os recentes projetos

O Governo atual propôs uma cessação dos projetos assinados no fim do mandato do  Executivo anterior por considerar que foram feitos sem concurso público. Com esta mudança, o Fundo das Infraestruturas diminuiu em 25 milhões. Perante esta questão, Mariquita Soares argumentou que houve também projetos sem aprovisionamento, mesmo antes do VIII Governo Constitucional.

Já Maria Rangel, deputada da FRETILIN, considerou que a decisão pode prejudicar o Estado. “Há a possibilidade de as empresas fazerem queixa contra o Estado por cessar os contratos assinados”, exemplificou. Corroborando a ideia da deputada, o representante do povo Dário Madeira, também da FRETILIN, acrescentou que alguns projetos já estão a ser executados.

Em resposta à questão levantada pelos dois deputados, o ministro do Planeamento e Investimento Estratégico, Gastão de Sousa, assegurou que o Governo “vai conseguir lidar com os possíveis impactos”.

Casas para vulneráveis

Dário Madeira lamenta a diminuição significativa das despesas com impacto direto no povo. “O Uma Naroman ba Povo (projeto de construção de casas para os mais necessitados) sofreu muitos cortes. Este projeto beneficia diretamente os cidadãos”, explicou.

O ministro da Administração Estatal, Tomás Cabral, respondeu que o projeto foi suspenso depois de a Câmara de Contas ter informado que iria fazer auditoria ao fornecimento de materiais para essa atividade. “O orçamento já foi alocado e as casas que já estão em construção não vão parar. O resto do projeto vai ser retomado assim que a auditoria terminar”, aclarou.

Segundo Nurima Alkatiri, deputada da FRETILIN, as falhas numa ou duas casas do projeto não representam a generalidade das habitações construídas. “O projeto ainda prevê a construção de 3.600 casas, que podem acolher mais ou menos 39.400 pessoas. Reduzir o orçamento para o projeto é excluir alguns beneficiários”, defendeu.

Reforçando a ideia de Nurima, Maria Rangel questionou “o ponto de situação do relatório do projeto Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (MDG, em inglês), com um montante de 48 milhões de dólares”. O projeto remete, em parte, para a construção de casas. Levado a cabo durante o Governo do CNRT, sabe-se que muitas habitações previstas no projeto se encontram abandonadas.

Receitas domésticas

Em relação às receitas domésticas, uma das medidas tomadas foi a diminuição da taxa de importação, passando de 5% para 2,5%. A redução para metade de uma taxa com impacto numa economia que depende de produtos importados provocou discussão. Facilitar a importação de produtos pode ser um problema.

A situação, caso o país não aumente também as receitas com as exportações, pode agravar o défice da balança comercial. A medida faz parte das alterações na Lei Tributária.

O Executivo propôs, ao mesmo tempo, a eliminação do “imposto seletivo ao consumo de açúcar e comidas açucaradas”, que era parte do OGE 2023. A proposta foi aprovada. O Parlamento também aprovou a redução da taxa de importação de tabaco, de 100 dólares por quilograma para 50 dólares. A medida havia sido sugerida pelos membros do PLP e KHUNTO.

Maria Sarmento e Luís da Silva, deputados dos partidos, justificaram que a diminuição visa desmotivar o contrabando deste produto no país. “O mercado ilícito está a diminuir a receita do Estado, porque o imposto é pago no país de origem. No caso do tabaco que entra clandestinamente em Timor-Leste, não há qualquer contributo para os cofres do Estado”, afirmou Maria Sarmento.

A deputada considera que a má implementação  do Regime de Prevenção e Controlo do Tabagismo prejudica as empresas que importam o tabaco pela via legal. “Ao pagar uma taxa elevada, os empresários ficam em desvantagem, pois os consumidores procuram sempre os produtos mais baratos, mesmo que obtidos de forma ilegal”, ressaltou.

O Primeiro-Ministro realçou que a receita do tabaco tem aumentado nos anos anteriores, exceto neste ano, em que a taxa de importação duplicou. “Em 2017, foram 9 milhões de dólares de receita. Em 2018, 14 milhões. Em 2019, arrecadámos 15 milhões. Em 2020, a faturação foi de 16 milhões. Em 2021, 18 milhões e, em 2022, esse valor duplicou, chegando aos 36 milhões de dólares. Hoje, passados seis meses do ano corrente, a receita é de 4 milhões de dólares”, fundamentou.

Os deputados da bancada da oposição não concordaram com a proposta, considerando mais sensato investir no controlo das fronteiras para evitar o contrabando. “Diminuir a taxa de importação do tabaco não vai eliminar a ilegalidade nas fronteiras. É necessário um controlo por parte dos órgãos competentes”, lamentou Antoninho Bianco.

“O Governo quer aumentar a receita doméstica, mas está a limitar uma das suas fontes. Ainda estou curioso sobre a fórmula utilizada para conseguir compensar esta redução da taxa com um aumento da receita”, questionou Antoninho Bianco, deputado da FRETILIN.

Alteração da Lei do Enquadramento Orçamental

A retificação também prevê uma eliminação da Lei das Grandes Opções do Plano (GOP), incluída na Lei do Enquadramento Orçamental (LEO), sendo as GOP substituídas pelo Plano Anual de Investimento Estratégico. O Primeiro-Ministro alegou que a Lei das GOP “permite a inserção de iniciativas com interesse privado, mesmo depois da aprovação do orçamento”.

Por outro lado, a Organização Não-Governamental (ONG) La’o Hamutuk criticou a medida. Num comunicado, a ONG destacou que, ao eliminar a Lei das GOP, elimina-se também a oportunidade de discussão pública relativamente às prioridades dos programas. “As sugestões do povo podem ajudar o Governo na preparação da proposta do OGE”, relatou a ONG.

Perante a alteração da LEO, houve quem questionasse a sua legalidade ou constitucionalidade. “As matérias na Proposta de Lei não são paralelas. A LEO existe para orientar o OGE, não o contrário”, lamentou Joaquim dos Santos, deputado da FRETILIN.

Rejeitando a ideia de desproporcionalidade, Xanana explicou que a alteração à referida Lei tem como objetivo permitir o cumprimento de forma transparente do OGE Retificativo até ao fim do ano fiscal.

Todas as alterações aprovadas pelo Parlamento Nacional, nas três leis, serão agora apreciadas pelo Presidente da República, José Ramos-Horta, que deve comunicar o seu parecer em breve – dada a urgência da matéria.

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