Conforme o Relatório Mundial de Saúde Mental, publicado em 2022 pela Organização Mundial da Saúde, cerca de 8,8% da população mundial apresenta sintomas relacionados com o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH, sigla em português). Este transtorno pode afetar a qualidade de vida de crianças e adultos, comprometendo o seu desenvolvimento escolar e social. Por isso, é importante que pais e educadores entendam melhor o TDAH para que possam procurar ajuda profissional, fazer o diagnóstico precoce, evitar preconceitos e, desta forma, ajudar as crianças a terem uma melhor qualidade de vida.
Embora não existam estatísticas que forneçam uma visão ampla e compreensiva da incidência do TDAH em Timor-Leste, a prática clínica tem mostrado um desconhecimento generalizado deste transtorno, resultando frequentemente na estigmatização das crianças como malandras ou desrespeitosas. Para compreendermos melhor o TDAH, apresento a seguir algumas das principais dúvidas que surgem entre pais e educadores.
O que é o TDAH?
O TDAH é uma condição neurobiológica que costuma aparecer na infância (até aos 12 anos de idade) e pode durar toda a vida. Afeta a capacidade de concentração, o controlo dos impulsos e a regulação da atividade motora.
O TDAH é uma doença mental?
O TDAH não é considerado uma doença mental, mas sim um transtorno. Enquanto as doenças mentais envolvem alterações estruturais ou funcionais no cérebro que levam a sintomas específicos, os transtornos mentais como o TDAH são caracterizados por padrões de comportamento e funcionamento mental que causam dificuldades na vida diária, mas não necessariamente envolvem uma alteração estrutural do cérebro.
Qual a causa do TDAH?
Não há uma única causa, pelo que o TDAH é considerado um transtorno multifatorial. O TDAH está associado a fatores genéticos e hereditários; a um desequilíbrio químico onde os neurotransmissores (dopamina e noradrenalina) têm dificuldades para enviar mensagens entre os neurónios; problemas na região frontal do cérebro que controla os impulsos, a atenção, a memória, a capacidade de organização e o comportamento; acidentes e traumatismos no cérebro; alimentação inadequada e pobre em nutrientes como o ferro; exposição precoce durante a gravidez a substâncias tóxicas, ou ao fumo e ao álcool, por exemplo. O contexto social e familiar agressivo ou negligente, mesmo não sendo necessariamente uma causa para o TDAH, pode agravar os sintomas.
Quais são os sintomas do TDAH?
Os sintomas do TDAH podem variar de uma pessoa para outra, mas geralmente incluem dificuldade em prestar atenção, manter o foco, impulsividade e hiperatividade. As crianças com TDAH podem ter problemas para se concentrar na escola, seguir instruções e controlar o seu comportamento. Muitas vezes, as crianças com TDAH são estereotipadas como agitadas, não respeitam as regras, interrompem conversas dos outros, malandras, preguiçosas, pouco inteligentes, indisciplinadas, entre outras características.
Como é feito o diagnóstico do TDAH?
O diagnóstico é realizado por profissionais de saúde mental como psicólogos, psiquiatras e neurologistas com base na avaliação dos sintomas, observações comportamentais, testes psicológicos e histórico médico.
Quais os tipos de TDAH?
Dependendo da intensidade, das características e da frequência dos sintomas, o TDAH pode ser dividido em 3 tipos: TDAH com predomínio de sintomas de desatenção; TDAH com predomínio de sintomas de hiperatividade-impulsividade; ou TDAH com sintomas combinados. Estes podem apresentar sintomas em três níveis diferentes: leve, moderado ou grave.
Como é o tratamento para o TDAH?
O tratamento depende de cada caso, do tipo e da intensidade dos sintomas. Pode envolver uma combinação de métodos, incluindo medicação, terapia psicológica, suporte educacional, terapia ocupacional, modificação de hábitos, entre outros.
O TDAH afeta apenas crianças?
Não, o TDAH pode afetar pessoas de todas as idades. Na maioria das vezes, o TDAH é diagnosticado na infância, mas algumas pessoas podem continuar a ter sintomas durante a vida adulta.
As crianças com TDAH são irresponsáveis ou não têm disciplina?
O TDAH não é causado por fraqueza de carácter ou falta de disciplina, mas sim por diferenças no funcionamento do cérebro, especialmente em áreas que controlam a atenção, o comportamento impulsivo e a regulação da atividade motora. A criança não se comporta desta maneira (perda de foco, agitação motora, etc.) por desrespeito às regras, mas sim porque o seu cérebro apresenta características que a fazem agir de maneira impulsiva.
Os castigos funcionam para que a criança com TDAH se comporte adequadamente?
Não. Castigar a criança com TDAH pode agravar os sintomas. O castigo pode fazer com que ela se sinta inadequada, diferente da norma, incompetente, pouco inteligente, entre outros sentimentos autodepreciativos que afetam a sua autoestima e autoconfiança. O stress causado pelo castigo pode aumentar os sintomas, tornando mais difícil para a criança controlar o seu comportamento. Além disso, o castigo pode causar problemas emocionais como ansiedade e depressão, especialmente se ela se sentir constantemente rejeitada ou incompreendida. Em vez de ajudar, o castigo pode atrapalhar ainda mais o desempenho escolar da criança.
Envolver a criança em várias atividades, deixando-a ocupada e cansada, pode ajudar a diminuir a sua hiperatividade?
Não. Como o TDAH já afeta a capacidade da criança de se concentrar e de se organizar, adicionar muitas atividades pode aumentar o stress e a ansiedade, tornando ainda mais difícil para ela lidar com as suas responsabilidades. Isso pode levar a um aumento dos sintomas e prejudicar o seu desempenho escolar e social. Por isso, é importante encontrar um equilíbrio entre atividades que estimulem e desafiem a criança, sem sobrecarregá-la além da sua capacidade.
Os pais são responsáveis por não darem a adequada educação aos seus filhos?
É importante notar que o TDAH não é causado por falha dos pais na educação ou disciplina inadequada. É uma condição neurológica complexa que requer um entendimento cuidadoso e um tratamento individualizado.
Como a escola pode ajudar a identificar e proteger as crianças com TDAH?
Na escola, os professores podem estar atentos a sinais como dificuldade em prestar atenção, desorganização, impulsividade ou inquietação. Conversar com os pais para saber se este comportamento se repete em casa pode ajudar a entender melhor a situação. É importante observar se esses comportamentos persistem ao longo do tempo, não apenas em momentos isolados. Se a criança está a ter problemas consistentes em áreas como leitura, escrita e matemática, pode ser um sinal de TDAH. Trabalhar em equipa com psicólogos escolares e outros profissionais para identificar e lidar com o TDAH pode evitar interpretações equivocadas e preconceitos.
Se a criança é desatenta, agitada e tem baixo rendimento escolar, significa que ela tem TDAH?
Embora estes sintomas possam estar relacionados com o TDAH, não significa necessariamente que a criança que os apresente tenha esta condição. Estes sintomas podem ter outras causas, como dificuldades de aprendizagem, problemas emocionais ou até questões relacionadas com o ambiente escolar. Por isso, é importante procurar um profissional de saúde mental para realizar um diagnóstico preciso.
Quais são as estratégias para lidar com o TDAH?
Além do acompanhamento de um profissional da área da saúde, os pais podem adotar algumas estratégias como a criação de rotinas, o estabelecimento de metas realistas, o uso de ferramentas de organização, como agendas e lembretes, e a prática de técnicas de gestão do stress, como meditação e exercícios físicos regulares (mas sem exageros), acolhimento e delicadeza com a criança. Em vez de recorrer ao castigo, é importante que os pais usem estratégias de disciplina positivas e incentivem o desenvolvimento de habilidades de autorregulação e autocuidado. Isso inclui estabelecer expectativas claras, oferecer incentivos e recompensas pelo comportamento desejado e buscar apoio profissional quando necessário.
Alessandro Boarccaech, psicólogo com especialização em psicologia clínica e da saúde, psicoterapeuta e PhD em antropologia. Professor universitário, coordenador do Centro de Pesquisa em Cultura e Sociedade e editor da revista académica Diálogos da UNTL. Autor de diversos livros e artigos científicos entre os quais Os eleitos do cárcere; A diferença entre os iguais; Dicionário Hresuk-Português; Conhecimento local, curandeiros e Psicologia: causas, sintomas e tratamentos dos transtornos mentais em Timor-Leste.