Cerimónia no Palácio Presidencial marcou o lançamento do serviço de internet através do cabo de fibra ótica, inédito no país, e que em breve estará disponível para os cidadãos.
São 0,16 megabits de transferência e 0,14 de carregamento. Mensagem: “A velocidade da internet é muito lenta. A navegação na web deve funcionar, mas é possível que os vídeos carreguem lentamente”. Números frequentes, apesar de dados do Speedtest darem conta que a média de transferência em Timor-Leste é de 6,89 megabits contra os 264,15 megabits de Singapura ou 218,9 da Tailândia. Entre 182 nações, o país ocupa a 176.ª posição no que toca à velocidade da rede fixa. Só seis países do mundo têm internet mais lenta.
Tal é a lentidão que as redes sociais se enchem frequentemente de capturas de tela de testes de velocidade, queixas e mensagens de condolências pelo falecimento da internet: “Descansa em paz”. A SACOMTEL quer mudar este cenário e tornar-se na primeira empresa a trazer a fibra ótica para Timor-Leste. Os cabos já estão do outro lado da fronteira, em Batugadé. A expectativa é de que, a partir de janeiro de 2024, os utilizadores da Timor Telecom, inicialmente, já possam aceder a uma internet mais rápida.
Na passada segunda-feira (20.11), uma cerimónia no Palácio Presidencial marcou o lançamento da tecnologia em Timor-Leste.
Em 2020 e 2021, Abílio Araújo, o presidente da SACOMTEL, estava em Jacarta. A pandemia de covid-19 fechava as escolas e as aulas aconteciam à distância. “Telefonei a familiares em Timor-Leste e perguntei como era possível um país com internet tão lenta ter aulas online”, conta. Foi então que, depois de falar com a equipa, nasceu a SACOMTEL, com o objetivo de melhorar a internet no país.
A empresa indonésia PLN Icon Plus acabaria por se tornar parceira na ligação de fibra ótica a Timor Ocidental e a Singapura. A oficialização do trabalho conjunto aconteceu a 19 de junho deste ano, em cerimónia no Hotel Timor, que contou com a presença do Presidente da República, José Ramos-Horta, e do CEO da Icon Plus, Ari Rahmat Cahyadi.
O caminho foi longo. A SACOMTEL seguiu todos os procedimentos legais e normas da reguladora Autoridade Nacional de Comunicações (ANC). Obteve também o registo do provedor de serviços de internet (ISP, em inglês) e, posteriormente, viu aprovada a ligação do cabo de fibra ótica Cross-Border, da base operacional da SACOMTEL Batugadé International Gateway até Singapura. Além da ANC, a empresa possui licenças da Direção-Geral do Ambiente, um contrato de arrendamento do terreno com o Ministério da Justiça, assim como contratos com a Eletricidade de Timor-Leste de aluguer de alguns postes para colocação dos cabos de fibra ótica.
O investimento, entre os 25 e 30 milhões de dólares americanos, permitirá que a SACOMTEL receba a ligação à Indonésia e, numa segunda fase, possa estender o cabo a Díli, fornecendo internet às três operadoras de telecomunicações presentes em Timor-Leste (Telkomcel, Telemor e Timor Telecom – esta última já com um acordo em andamento com a empresa para distribuir o serviço aos utilizadores, tendo realizado um teste no Palácio Presidencial, aquando da cerimónia). Ainda se desconhecem os preços, mas Abílio Araújo garante que não será mais cara do que a internet atual e explica que os valores dependerão do mercado. “Se mais de 100 mil pessoas comprarem o nosso produto, o preço desce automaticamente”, explicou.
O que é e quais as vantagens da fibra ótica?
Abílio Araújo não tem dúvidas de que a fibra ótica é a melhor solução para Timor-Leste. Também o presidente José Ramos-Horta, agradecendo e dando os parabéns a Abílio Araújo, sublinhou, na cerimónia de lançamento do cabo: “No século XXI, não há outro caminho para modernizarmos e acelerarmos a conectividade de internet em Timor-Leste, se não pelo cabo submarino e cabo de fibra ótica”, observou o presidente.
“A internet é um instrumento extremamente importante, usada em todos os níveis: académico, empresarial, do Governo”
O economista e assessor da Presidência da República de Timor-Leste, João Gonçalves, destaca que a internet é essencial para dinamizar o desenvolvimento económico sustentável. “Vivemos atualmente numa era moderna em que a globalização tomou conta do mundo. A internet é um instrumento extremamente importante, usada em todos os níveis: académico, empresarial, do Governo, entre outros. Timor-Leste já deve pensar e preparar-se para uma economia digital.” Em relação ao lançamento do cabo fibra ótica que ocorreu no dia 20 no Palácio Presidencial, o economista considera este um passo importante para o país. “Como cidadão timorense, dou todo meu apoio às iniciativas da empresa SACOMTEL”, elogiou.
Mas em que consiste a internet de fibra ótica? Trata-se atualmente da tecnologia mais moderna do mercado, com capacidade para transmitir um volume grande de dados através de cabos preenchidos com fibras finas de plástico ou vidro. A conexão a Timor-Leste será por via terrestre, a partir da base em Batugadé, propiciada através de cabos que utilizam feixes pulsantes de luz, que permitem um sinal mais estável e com menor interferência.
No país, atualmente, é usada a internet por satélite, cuja transmissão de dados é feita através de um satélite no espaço, o que faz com que chegue a zonas remotas por não precisar de infraestruturas como cabos. No entanto, as vantagens da fibra ótica superam este tipo de internet.
Ao nível da navegação, e tendo em conta a transferência e o carregamento, a ligação via satélite tem uma latência maior, pelo que a receção e envio de conteúdo precisam de mais tempo.
Em relação à qualidade das conexões, via satélite, como os dados são transmitidos pelo ar, há maior instabilidade, pois chuvas ou ventos podem causar interferências no sinal. O mesmo não acontece na fibra ótica, que ganha também na segurança de dados e nos preços, já que, na internet por satélite, os custos com as infraestruturas, o processo de instalação e manutenção são mais elevados.
O que vem a internet de fibra ótica mudar em Timor-Leste?
Abílio Araújo lembrou, na cerimónia, que a internet é um bem de primeira necessidade: “A nossa nação precisa mesmo de entrar na era de digitalização para desenvolver a nossa economia digital. Hoje em dia, não podemos viver sem internet. Todos nós temos de nos ligar ao mundo”. Também Ramos-Horta destacou a era da inteligência artificial, que se faz já sentir em áreas como a medicina: “Com a conectividade, podem ligar-se áreas rurais aos principais centros hospitalares, centros de pesquisa ou aos médicos”.
No entanto, esta realidade ainda está muito distante num país em que grande parte da população não acede à internet. “Os benefícios da digitalização devem ser acessíveis a todos”, defende o Banco Mundial, no documento “Desenvolvimento digital”. A organização destaca ainda a importância das tecnologias e plataformas digitais para resposta aos desafios globais, criação de emprego e mercados, expansão do acesso a financiamento e melhoria da eficiência e transparência.
Para tal, sustenta o Banco Mundial, “as bases digitais, em especial a conectividade e os dispositivos de alta qualidade, fiáveis e a preços acessíveis; as infraestruturas públicas digitais abertas, interoperáveis e seguras; e as competências digitais tornaram-se imperativas e urgentes para um desenvolvimento , resiliente e sustentável na nova era digital”.
Porém, segundo dados do Banco Mundial, em 2021, só 39% dos timorenses acediam à internet. Em qualquer país da Associação de Países do Sudeste Asiático (ASEAN, em inglês), a percentagem de utilizadores de internet é superior.
Mais de 60% dos timorenses são infoexcluídos, mas os utilizadores não têm acesso a uma internet de qualidade e a preços acessíveis. Aquilo que já é considerado um bem essencial, em Timor-Leste ainda é um bem de luxo.
“[Uma internet de fibra ótica rápida] será um alívio e um meio de os timorenses pensarem em alternativas para continuarem os estudos à distância”
Em 2021, segundo o relatório do Gabinete Regional do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para a Ásia e Pacífico, 5 gigabytes de internet fixa de banda larga custavam a um timorense 49 dólares americanos, o equivalente a 32,1% do seu rendimento. Os números colocavam Timor-Leste no último lugar no ranking que avalia a acessibilidade da internet fixa na referida região, e a 161ª colocação na classificação global.
A internet móvel era mais acessível. Ainda assim, 1,5 gigabytes custavam aos timorenses 8 dólares, consumindo cerca de 5,3% do seu rendimento e fazendo a nação timorense ocupar a 145ª posição no ranking mundial de acesso ao serviço.
Cara e má. Para o chefe da redação do órgão de comunicação social online Hatutan.com, Francisco Belo Simões, a internet é um obstáculo ao trabalho dos jornalistas: “É difícil entramos no website para publicar as notícias. Aqui, usamos as três redes. Quando a Timor Telecom cai, recorremos à Telkomcel e mesmo a Telemor. A internet é muito lenta e cara”.
Também Yane Maia, estudante finalista da Universidade Oriental de Timor-Leste, lamenta a má qualidade da internet, problema que dificulta a pesquisa para concluir a monografia. “Tenho, às vezes, de esperar até à meia-noite para poder fazer consultas na internet. O acesso depende do dia ou mais das horas. Há horas em que a Internet está um pouco mais rápida e outras em que piora. Os problemas de internet desmotivam-me ao ponto de parar de trabalhar”, conta.
Segundo dados do Speedtest, no mundo, só seis países têm a rede fixa de internet mais lenta do que Timor-Leste.
Tanto o chefe de redação como a universitária olham com esperança para a nova internet de fibra ótica. “A iniciativa do Dr. Abílio Araújo pode ajudar-nos a pesquisar dados e facilitar o acesso dos leitores ao nosso site. Espero que ofereça internet a preços acessíveis e razoáveis para os cidadãos”, diz Francisco Simões. Para Yane Maia, será “um alívio e um meio de os timorenses pensarem em alternativas para continuarem os estudos à distância”.
Yane e Francisco têm razões para estarem otimistas. No teste do lançamento, com a internet de fibra ótica da SACOMTEL, descarregar um vídeo com 4 gigabytes demorou 10 minutos. Com a internet atual, muito provavelmente seriam necessárias 24 horas.
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