Dia Mundial da Democracia

Os avanços e desafios de Timor-Leste após 21 anos de restauração da democracia

Manifestação da Aliança Nacional Maubere contra a lei da pensão vitalícia, à frente do Parlamento Nacional/Foto: DR

Na data em que se celebra o Dia Mundial da Democracia, 15 de setembro, o Diligente saiu à rua para ouvir as pessoas sobre o funcionamento do sistema democrático no país.

O Dia Internacional da Democracia celebra-se anualmente a 15 de setembro. A data foi instituída, em 2007, pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de chamar a atenção para a necessidade de defender os princípios da inclusão, liberdade, tratamento igualitário entre os indivíduos, paz e o desenvolvimento sustentável.

A democracia como um sistema de governo teve origem na Grécia Antiga, por volta do século V a.C. Etimologicamente, a palavra “democracia” é formada por duas palavras gregas: “demos”, que significa “povo”, e “kratos”, que significa “governo” ou “poder”. Em resumo, a democracia, na sua génese, expressa a ideia de que o poder emana do povo e de que os governos devem atuar para responder às necessidades da população.

É um sistema que precisa de aprimoramento constante, mas, por ser aquele que mais aproxima os cidadãos da tomada de decisões sobre os assuntos da vida pública, ao longo do século XX (sobretudo após a Segunda Guerra Mundial) consolidou-se como referência na procura por uma sociedade mais tolerante e igualitária.

Timor-Leste é um dos países do mundo com a democracia mais jovem: apenas 21 anos. O 20 de maio de 2002 representou o nascimento da República Democrática de Timor-Leste, após 24 anos em que o país foi ocupado, violentamente, por forças militares indonésias, e mais de 400 anos de colonização portuguesa.

Para saber a opinião das pessoas sobre o funcionamento do sistema em Timor-Leste, o Diligente saiu à rua. Enquanto alguns cidadãos se mostram orgulhosos por viver num país democrático, outros, céticos, desconfiam de que os interesses do povo estão a ser deixados de lado por representantes preocupados apenas com os próprios privilégios.

A democracia em Timor-Leste é muito bonita no papel, mas na prática é outra conversa”

João Madeira, vendedor de cigarros e pulsa em Caicoli/Foto: Diligente

“A democracia funciona como um sistema de governação que procura defender os direitos humanos, o tratamento igualitário e a liberdade dos cidadãos. Timor-Leste optou por este sistema, porque não queremos que a população viva em condições como as do período colonial e da ocupação indonésia.

Estou feliz por viver em Timor-Leste, pois os nossos direitos estão garantidos na Constituição, mas fico triste por perceber que, na realidade, o povo continua a não ter acesso ao desenvolvimento e vive em condições difíceis. O Governo muda a cada cinco anos, mas a nossa vida não. Durante a campanha, os partidos políticos prometem muito, mas depois de ganharem as eleições não cumprem as promessas.

Não temos postos de trabalho e o preço de bens de primeira necessidade aumentam cada vez mais. Como é que vamos sobreviver com estas condições? Como vendedor de cigarros e pulsa, tenho muitas dívidas.  O meu rendimento não me permite pagar a renda da casa, os estudos dos meus filhos, a alimentação e outras necessidades básicas.

Confiamos nos representantes no Parlamento Nacional para resolver os nossos problemas, mas, na verdade, os deputados usam o poder para criar leis que apenas os beneficiam e não se preocupam com as famílias carenciadas.

Por isso, digo que a democracia em Timor-Leste é muito bonita no papel, mas na prática é outra conversa, visto que não há benefícios para o povo”.

“A alocação do Orçamento Geral do Estado para a Educação e Saúde ainda é mínima, o que representa uma violação estrutural contra o direito básico do povo”

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Constantino de Jesus, estudante da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e (UNTL)/Foto: DR

“Em Timor-Leste, as pessoas só compreendem a democracia na teoria, que diz que o poder vem do povo, com o povo e para o povo. A democracia funciona apenas nas campanhas dos partidos políticos, eleições e discussões entre partidos no Parlamento Nacional.

Na verdade, a democracia é muito mais do que isto. A verdadeira democracia é quando houver uma discussão participativa entre o povo e os governantes. O poder público deve garantir espaço de participação da comunidade para que possa continuar a controlar as decisões que não são a favor do povo.

A alocação do Orçamento Geral do Estado para a Educação e Saúde ainda é mínima, o que representa uma violação estrutural contra o direito básico do povo. O pior é a lei da pensão vitalícia, que viola os princípios da democracia por não refletir o interesse do povo. Estas situações mostram que, na realidade, vivemos num regime autoritário.

Para mim, o que ainda falta em Timor-Leste para a promoção da democracia é força extraparlamentar. Não significa que seja necessário haver manifestações, mas queremos que a voz do povo seja ouvida. Se os representantes no Parlamento Nacional já não representam os interesses do povo, temos legitimidade de os criticar e avaliar.

Porém, isto não acontece. Não porque a sociedade não quer participar, mas porque o sistema de ensino não promove o espírito crítico dos cidadãos, perpetuando uma educação que promove a obediência”.

“Estou muito contente, porque os ministérios, as organizações locais e internacionais já incluem os assuntos da deficiência no seu programa e política”

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Abílio Camões, coordenador do Programa dos Assuntos das Pessoas com Deficiência em Díli/Foto: DR

“Pessoalmente, estou orgulhoso de viver na República Democrática de Timor-Leste, porque tenho liberdade de participar em qualquer atividade e os meus direitos estão garantidos nas leis. Considero que a democracia é um sistema muito bom para todos os países, já que se foca na vontade do povo.

Reconheço, no entanto, que em Timor-Leste muitas pessoas ainda não sentem os benefícios da democracia, principalmente a população que vive nas áreas rurais. A maioria ainda não tem acesso a estradas, água, educação e saúde. Os portadores de deficiência nos sucos e aldeias ainda sofrem com esta situação.

Enquanto portador de deficiência, considero que o Governo já fez todos os esforços para garantir os nossos direitos e participação, por exemplo, através da criação de um subsídio e melhorando a acessibilidade dos edifícios públicos para pessoas como eu.

Os ministérios, as organizações locais e internacionais já incluem os assuntos relacionados com as pessoas com deficiência nos seus programas e políticas. Espero que Timor-Leste continue a implementar os valores da inclusão social e a garantir o desenvolvimento sustentável e inclusivo, não deixando ninguém para trás”.

“A lei da pensão vitalícia só beneficia as minorias. Considero que é uma grande discriminação e injustiça contra o povo”

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Elfrida dos Reis, funcionária do Comité Orientador 25/Foto: Diligente

“A democracia defende a liberdade, o tratamento igualitário, a paz e o desenvolvimento sustentável para todos os cidadãos. Estou feliz de viver num país democrático, porque tenho liberdade de expressar as minhas opiniões, sou livre de me movimentar e participar em atividades.

Os cidadãos têm liberdade de fazer o que quiserem, mas, muitas vezes, os jovens usam a democracia para criar conflito nos bairros. Penso que este problema acontece, pois ainda não existem políticas públicas que respondam às necessidades dos jovens.

No tempo da campanha, muitos partidos políticos prometem que vão criar postos de trabalho, mas depois de serem eleitos não o fazem, o que faz com que os votos dos jovens e dos cidadãos não valham a pena.

As condições precárias das escolas nas áreas rurais, a falta de acesso a água e de medicamentos, infraestruturas básicas inexistentes ou degradadas são problemas comuns em Timor-Leste. O Governo troca periodicamente, mas passados 21 anos de restauração da independência, a população ainda continua a viver no limiar da pobreza.

Durante todos estes anos, os deputados criaram leis para os beneficiar. Por exemplo, a lei da pensão vitalícia.

Espero que o Governo atual tenha vontade política de mudar esta lei. Devemos cumprir o princípio democrático que defende que todas as políticas e programas devem basear-se no interesse comum”.

“É preciso saber conviver com a diferença e a diversidade. A democracia ensina-nos que temos de respeitar a liberdade e os direitos do outro”

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Júlio do Carmo Amaral, membro da Fundação CODIVA (Coligação para a Diversidade e a Ação) que está empenhada a lutar e defender os direitos das lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e intersexuais (LGBTI) contra o estigma e a discriminação nas comunidades/Foto: Diligente

“A maioria das pessoas em Timor-Leste usufrui da democracia, porque os seus direitos e liberdade são respeitados. Porém, os grupos vulneráveis, como é o caso da comunidade LGBTQIA+, ainda são discriminados.

A nossa Constituição garante que todos os cidadãos tenham direito e liberdade de expressar as suas opiniões, sentimentos e assegura que não deve haver discriminação baseada na raça, género, religião e orientação sexual.

No entanto, na prática, os membros da comunidade LGBTQIA+ são constantemente alvo de piadas e ofensas. Muitas pessoas consideram que não somos normais e que Deus nos castigou. Mais grave ainda são as instituições do Governo que também nos discriminam quando precisamos de tratar de algum documento.

Temos de combater todas as formas de estigma e de discriminação e lutar para garantir um tratamento igual para todos os cidadãos. Só assim poderemos consolidar a nossa democracia.

É preciso saber conviver com a diferença e a diversidade. Não gostar de alguém é normal, mas a democracia ensina-nos que temos de respeitar a liberdade e os direitos do outro”.

“É necessário desenvolver as áreas remotas, através de uma aproximação do Governo, que tem a obrigação de garantir o tratamento igual e justo para todos”

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Verónica Freitas, voluntária do grupo SEAReaders que se dedica a aumentar a capacidade dos educadores para reforçar o 4º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) na região marinha (SEA) /Foto: Diligente

“A democracia é um sistema de governação ideal na defesa dos direitos humanos, pois garante a liberdade e a dignidade de todas as pessoas. O povo é que escolhe os seus representantes no Parlamento Nacional para desenvolver políticas que garantam o bem-estar da população.

Em Timor-Leste, passados 21 anos de restauração da independência, a população ainda enfrenta problemas básicos, que o Governo não consegue resolver. Por exemplo, nas áreas rurais, não há estradas, água e eletricidade. Escolas com condições precárias, sem livros e sem mobiliário.

A democracia deveria colocar o interesse comum em primeiro lugar, mas aqui os interesses particulares são prioritários.

Para que possamos fortalecer a nossa democracia, é necessário que o Governo dê atenção às necessidades do povo e que não se concentre apenas na capital. É necessário desenvolver as áreas remotas, através de uma aproximação do Governo, que tem a obrigação de garantir o tratamento igual e justo para todos”.

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