Em Timor-Leste, os gatos são muitas vezes associados a má sorte e doenças, mas evidências científicas demonstram que o contacto com estes animais está cheio de benefícios. No Dia Mundial do Gato, assinalado a 8 de agosto, o Diligente contraria a imagem negativa que este animal tem junto da maioria dos timorenses.
O ano de 2021 foi muito difícil para o jornalista Rohim Adya Putra. O pai morreu e ele sentia-se perdido, a viver “num mundo de escuridão durante esse período”. Foi graças a seis amigos que, pouco a pouco, saiu da tristeza e solidão: “A presença deles era a alegria da casa, numa fase difícil. Só traziam energias positivas”. Os seus amigos eram os seis gatos.
Estima-se que existam atualmente cerca de 600 milhões de gatos em todo o mundo e este seja o segundo animal de companhia preferido, atrás do cão. Há 10 mil anos, começaram a ser domesticados pelos humanos por protegerem as culturas e os cereais dos roedores. Foram venerados no Antigo Egipto, apreciados por povos muçulmanos, mas diabolizados por católicos. Gregório IX, Papa católico entre 1227 e 1241, declarou que os gatos encarnavam o “espírito do Diabo”, o que levou ao extermínio massivo de felinos e terá causado a Peste Negra, doença provocada por ratos, que matou entre 30 a 60% da população na Europa.
Ainda hoje os felinos arrastam da história preconceitos, mitos e paixões. Em Timor-Leste, não parecem ser animais apreciados. Acredita-se que lançam feitiços com os olhos e que, em algumas circunstâncias, provocam acidentes ou a morte. São também associados a doenças. Mas há quem fique alheio a estes mitos. São poucos, mas apaixonados por este animal.
É o caso de Rohim. Ajudaram-no num dos momentos mais tristes da vida. E foi esse amor pelos seus felinos que o levou também a tomar uma decisão difícil. Sem dinheiro para os alimentar, viu-se obrigado a dar os bichos a amigos. “Gosto muito deles, mas também não os queria com fome e a chorar”. Rohim garante que, quando tiver mais dinheiro, os amigos de quatro patas voltam para casa.
Já Noélia Câncio, de 29 anos, tem 10 gatos em casa. “Sinto-me mais confortável a conviver com gatos do que com cães. Os gatos são fofinhos, fazem companhia e considero-os os meus amigos. Quando me sinto stressada, rodeio-me deles, brincamos e o stress desaparece”, diz.
“Os donos dos gatos sentem-se mais felizes, confiantes e menos nervosos, mas também dormem melhor, focam-se mais e enfrentam de forma mais positiva os problemas da vida”
Se, segundo alguns, os olhos dos gatos são assustadores, para Imaculada Gonçalves, estudante, 25 anos, são “belos e singulares” e combinam com o pelo “fofo e colorido”. Os dois felinos da jovem são tratados como membros da família. Um dos gatos foi encontrado na casa da vizinha e o outro resgatado da rua.
Imaculada não tem dúvidas sobre os benefícios dos gatos. O primeiro é a higiene, porque os felinos controlam as pragas de ratos. O segundo é o sossego transmitido e os momentos de descontração.
O que Rohim, Noélia e Imaculada sentem é apoiado pela ciência. Um estudo australiano de 2015 dá conta que a saúde psicológica da população com gatos é melhor do que aquela sem animais de estimação. Os entrevistados sentiam-se mais felizes, confiantes e menos nervosos, mas também dormem melhor, focam-se mais e enfrentam de forma mais positiva os problemas da vida.
Exames ao cérebro demonstraram também que estar perto de gatos ativa o córtex pré-frontal dos donos e tem um efeito calmante. Os gatos podem dar um bom apoio emocional e aliviar estados de espírito negativos, o que faz com que se tornem companheiros parecidos com os humanos.
No entanto, os benefícios não são só psicológicos. De acordo com um estudo da Universidade norte-americana de Minnesota, os gatos podem ajudar a reduzir o risco de um ataque cardíaco em 30%, precisamente por acalmarem os donos e ajudarem a diminuir o stress.
Paulo Lopes, formador de Português, dono de seis gatos atribui mais características a estes bichos: “Divertidos, sobretudo quando novos, e inteligentes, definitivamente. A prova da inteligência de um gato, por exemplo comparada com a de um cão, é que este vai buscar e devolver um pau que se atira. O gato como que olha para nós e pensa: “Estás à espera de que eu o vá buscar? A sério?”. E dá o exemplo dos vídeos de gatos a “abrir portas, aceder ao interior de frigoríficos e até resolver pequenos desafios cognitivos”.
Os seis gatos de Paulo Lopes são quase todos irmãos. Diz que os adotou a todos por saber que ainda se “diabolizam os gatos” no país. “Quis protegê-los de eventuais maus-tratos decorrentes desta diabolização. Entristece-me que sejam maltratados por causa de crendices absurdas e cientificamente infundadas. A versão diabolizante desapareceu da Europa, mas permanece viva em Timor-Leste”.
De onde vem a paixão pelos gatos?
As fontes que o Diligente entrevistou têm duas características em comum: quando falam de gatos, comparam-nos com cães, defendendo com “unhas e dentes” que os felinos são melhores; e não ficaram satisfeitas só com um gato.
José Monteiro, formador português, não é exceção. Também tem seis gatos e ainda cuida de mais uma gatinha de uma colega. Com ele, vivem agora em Díli três. Os outros quatro já estão em Portugal. “Se me dissessem há quatro anos que ia ter seis gatos, ria-me. Eu achava que não gostava deste animal e que era um homem de cães”. Mas apareceu a primeira felina e apaixonou-se. Então, ela precisava de companhia e veio a segunda. Chegar aos seis foi fácil e rápido: “A minha mulher resgatava e acolhia gatos. Da rua passavam para casa e depois era difícil saírem”.
“Os gatos não são animais submissos. Gostam dos donos, mas também gostam deles próprios. Não se apagam só por gostarem de outros”
Além dos que tem em casa, José alimenta outros cá fora, porque o bairro onde vive “está cheio de gatinhos que precisam de ajuda”. Confessa que tem de se “controlar” para não adotar mais, mas “pior mesmo é conter a mulher, que ainda gosta mais de gatos”. Controla-se, porque, quando um animal entra em sua casa, passa a ser da família e terá de ir consigo para Portugal, processo moroso e burocrático.
Seis gatos dentro de casa não é muito? “Não. São animais que não precisam de ser treinados, muito limpos e independentes. Além disso, cada gato tem uma personalidade muito diferente e única. É difícil ficar só com um”, responde, entre risos.
Para José, a ideia de que os gatos só gostam deles próprios é errada. “O problema é as pessoas fazerem comparações com os cães. É preciso tempo para compreender um gato. São muito subtis a demonstrar afeto: ronronam, piscam os olhos, roçam-se, arranham sem parar, quando chegamos a casa, tal é a alegria. Pessoas só habituadas a lambidelas e caudas de cão a moverem-se não entendem à primeira”, diz ironicamente.
Porém, acrescenta: “Também gosto muito de cães, mas os gatos não são animais submissos. Gostam dos donos, mas também gostam deles próprios. Não se apagam só por gostarem de outros. Esse espírito felino agrada-me”.
“As respostas subtis e algo imprevisíveis dos gatos dão-nos a perceção de que somos escolhidos ou vistos como especiais”
Poderá ser esse “espírito felino” que apaixona as pessoas, segundo um estudo de Patricia Pendry da Universidade de Washington. A investigadora acredita que o comportamento dos gatos pode ser “irresistível” para os humanos.
“As respostas subtis e algo imprevisíveis dos gatos dão-nos a perceção de que somos escolhidos ou vistos como especiais. Também acredito que, como a resposta tende a levar um pouco mais de tempo a surgir, somos cativados pelo desejo de saber o que o gato vai fazer”.
José corrobora: “Temos uma gata que parece muito distraída e desligada, mas, sempre que estamos doentes ou tristes, ela surpreende-nos. Não sai de junto de nós. No início, pensávamos que era coincidência, mas não. Ali fica, deitada, a ronronar em cima de nós, às vezes, cheia de sono, mas sem fechar os olhos, como que a ver se estamos bem. Como um humano”.
Os gatos não têm defeitos? Depois de muito pensar, José menciona um: “Vivem poucos anos. O carinho e o amor, genuínos, sem dependência, sem críticas e julgamentos, não deviam ter prazo de validade. Só os animais de estimação conseguem oferecer isso. Há pessoas que vivem sem isso a vida toda”.
No dia mundial do gato!
Eu, rato
Animal de muito acato
No gato, nao bato
De Viqueque a Crato
De poesia estou farto
Mas neste mundo, sou grato
Embora seja sola de sapato
Vivendo esta vida de mato
Que tal se fosse pato?
Terra dia mundial meu nato?
Ze Gatao
Poeta dos bussas metan