Reclusos com doenças mentais partilham o espaço com outros detidos, presos não conhecem os advogados de defesa, reclusos mais jovens misturados com os adultos, falta de condições de higiene e escassez de medicamentos são apenas alguns dos principais problemas e desafios identificados no relatório de monitorização de 2022 e 2023, apresentado hoje pela Associação de Lei e Direitos Humanos (HAK, em indonésio), organização não governamental (ONG) a atuar nas áreas dos Direitos Humanos e Justiça, sediada no Farol, Díli.
Através da divulgação de casos de violação dos direitos humanos nas prisões, o estudo pretende alertar as instituições do Estado para que garantam os direitos e a dignidade dos presos. Tem também como objetivo incentivar o debate público sobre este assunto e, assim, contribuir para a tomada de decisões políticas e judiciárias que promovam os direitos dos reclusos.
O diretor da HAK, Feliciano da Costa, considera as prisões “lugares de reflexão e centros de reabilitação de carácter para que, aquando da reintegração na sociedade, os reclusos possam contribuir de modo positivo.” Atribui também às instituições do Estado “a responsabilidade de garantir condições que respeitem os direitos dos reclusos no acesso à justiça, à saúde e à higiene”.
“Os reclusos fazem parte de um grupo vulnerável. Alguns dormem em tapetes, o que pode causar várias doenças, inclusivamente tuberculose”, disse Feliciano da Costa, na sua apresentação.
O relatório anual sobre Direitos Humanos de 2022 do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América (EUA) refere, por sua vez, que, no ano passado, “os reclusos que testaram positivo à tuberculose partilhavam as celas com os presos sem tuberculose”.
A monitorização da HAK identificou que o acesso dos reclusos a defensores públicos é inadequado. “A lei prevê a representação legal em todas as fases do processo e existem disposições para a disponibilização de defensores públicos a todos os arguidos sem custos. No entanto, devido à falta de recursos humanos e de transportes, os defensores públicos nem sempre podem atender os seus clientes e, por vezes, apenas os conhecem na primeira audiência judicial”, corrobora o relatório do Departamento de Estado norte-americano sobre Direitos Humanos.
Perspetiva partilhada por Virgílio Guterres, Provedor dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ), que, no seu discurso durante a apresentação do relatório da HAK e a propósito da assistência legal, apontou o dedo aos defensores públicos por “preferirem casos mediáticos, que envolvam empresários ou ex-políticos, em que existe uma maior cobertura mediática e não tratam os mais carenciados da mesma forma”.
Deu o exemplo dos reclusos no estabelecimento prisional do Suai, que se queixam de “não terem visitas regulares e consultas suficientes, principalmente aqueles que se encontram em prisão preventiva ou os que querem recorrer da decisão do tribunal na primeira instância e que, perante estas dificuldades, acabam por desistir”.
Virgílio Guterres mostra-se também preocupado com as crianças que nascem em estabelecimentos prisionais e vivem no mesmo edifício dos reclusos, “representando alvos fáceis para eventuais abusos sexuais.” É igualmente uma preocupação para o provedor o facto de as “as reclusas e os reclusos viverem todos num só prédio, mesmo que separados por blocos, na prisão de Gleno”.
O provedor referiu ainda as alegadas agressões por parte de guardas prisionais a detidos e lembrou a morte de um jovem na esquadra da polícia de Caicoli, no ano passado. “É um alerta para que o Estado e o Governo adotem as recomendações da PDHJ e instalem câmaras de videovigilância nestes locais”.
Segundo o relatório da HAK, até março de 2023, as prisões de Becora, de Gleno e do Suai registaram 625 reclusos, 169 dos quais ainda estão em prisão preventiva e 456 condenados. O relatório dos EUA, por sua vez, sublinha a sobrelotação das prisões. “A prisão de Becora, em Díli, a maior do país, estava grosseiramente sobrelotada. Tinha uma capacidade estimada de 290 reclusos, mas em outubro prendeu 448 reclusos adultos e jovens, homens e mulheres, e reclusos em pré-julgamento”.
“Em muitos casos, a duração da prisão preventiva igualou ou excedeu a duração da pena após a condenação. As falhas administrativas envolvendo o juiz, a acusação ou a defesa levaram a atrasos prolongados nos julgamentos”, pode ler-se no relatório norte-americano.
De acordo com o estudo da HAK, o crime mais registado é a violação sexual, com um total de 245 casos, seguido de 219 homicídios, falsificação de documentos com 45 casos, dano com violência com 26 casos, 12 casos de furto agravado, violência doméstica com 10 e 7 casos reportados de outros tipos de crimes.
No entanto, os dados do Gabinete do Procurador-Geral de Timor-Leste, que constam do relatório do Departamento de Estado norte-americano sobre Direitos Humanos dos EUA, divulgam uma informação diferente. “O crime de violência doméstica é o segundo mais registado no sistema de justiça criminal, depois do crime de agressão simples”.
Neste contexto, o relatório norte-americano condena alguns procedimentos. “Os procuradores, contudo, acusavam rotineiramente casos que envolviam ferimentos agravados e utilização de armas que matam como agressões simples de baixo nível. Os observadores judiciais também notaram que os juízes foram indulgentes na sentença em casos de violência doméstica. Neste contexto, várias ONG criticaram a falta de ordens de proteção das vítimas e a confiança excessiva em penas suspensas, mesmo em casos que envolviam danos corporais significativos”.