Órfãos e crianças desfavorecidas encontram abrigo e educação em orfanatos timorenses

Trinta órfãs e duas formadoras vivem no orfanato dominicana de Bidau Mota-Klaran / Foto: Diligente

À falta de orfanatos do Estado, as entidades religiosas criam instituições para acolher as crianças que perdem progenitores. O Governo não tem planos para estabelecer orfanatos públicos e pretende apoiar os privados com estatuto de utilidade social.

Muitas crianças vivem em orfanatos, normalmente geridos por confissões religiosas, onde podem crescer com mais condições do que aquelas que os progenitores lhes podem oferecer. Para além destes, juntam-se os órfãos que efetivamente perderam um dos pais ou ambos.

Em 2021, registam-se no país 1174 órfãos, 442 meninos e 732 meninas, de acordo com os últimos dados da Direção Nacional da Inclusão e Reinserção Comunitária do Ministério do MSSI.

Segundo os dados do Banco Mundial de 2021, Timor-Leste tem o crescimento populacional mais elevado do Sudeste Asiático, situando-se nos 1,6% anuais, contribuindo para este valor a mais alta taxa de fertilidade da região: 3,1 filhos por mulher. Porém, os timorenses têm uma expetativa de vida menor, de 69,6 anos, conforme os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2020.

Note-se que o crescimento demográfico, de acordo com o Departamento das Nações Unidas para Assuntos Económicos e Sociais, dificulta o apoio ao aumento das despesas públicas per capita necessário para eliminar a pobreza, acabar com a fome e a subnutrição e garantir o acesso universal aos cuidados de saúde, à educação e a outros serviços essenciais.

Celestino Gusmão, investigador da Organização Não Governamental Lao Hamutuk, mostra-se preocupado com este crescimento demográfico, já que “implica mais necessidades da população e, consequentemente, mais investimento do Governo para garantir a sobrevivência do povo”. Não havendo políticas de controlo da natalidade, o investigador exige “políticas públicas que combatam a fome, má nutrição e a pobreza e que desenvolvam serviços de qualidade nas áreas da saúde e educação”.

Como funcionam os orfanatos?

Após 21 anos da restauração da independência, ainda não há orfanatos estatais que alberguem estas crianças. São as confissões religiosas que se responsabilizam pela gestão dos orfanatos do país, cujo objetivo é proteger as crianças mais vulneráveis, mas, em alguns casos, uma forma de amealhar devotos para as suas crenças, como é o caso do orfanato de An-Nur.

Riadah, responsável por este orfanato muçulmano, que alberga 30 órfãos, explicou ao Diligente que o objetivo do estabelecimento “é, para além de formar meninas, aumentar o número de muçulmanos em Timor-Leste.” Converter-se ao islamismo é condição sine qua non para que as crianças que ali são deixadas por pais que não as conseguem sustentar sejam aceites.

Por não haver um orfanato público, as crianças são obrigadas a recorrer ou ao instituto católico ou ao muçulmano, cada um com os seus requisitos. É crucial a existência de um orfanato gerido pelo Estado para garantir a liberdade de consciência, de religião e de culto, “encontrando-se as confissões religiosas separadas do Estado”, como refere a Constituição da República Democrática de Timor-Leste.

Siquina Mawadah Amaral, 17 anos, entrou para o orfanato muçulmano An-Nur quando tinha 8 anos e estava no terceiro ano do ensino primário em Baucau, em 2015. “Quando a minha mãe morreu, fui trazida para cá, porque os meus familiares acharam que aqui eu teria uma melhor educação. Estudo muito e aprendo a usar o meu tempo para fazer coisas úteis.”

A aluna, que passou agora para o 12.º ano, explicou que todos os dias têm um horário estabelecido para as atividades. “Descansamos, estudamos, fazemos limpeza e rezamos cinco vezes por dia. No orfanato, aprendemos a religião muçulmana, na escola, aprendemos ciências.”

Elvira Martins, 20 anos, de Lospalos, órfã no Orfanato das Irmãs Dominicanas, em Bidau Mota-Klaran, tal com Siquina, perdeu a mãe quando ainda era criança, mas não se recorda de quando entrou no orfanato. “Só me lembro da cara da minha irmã, quando me trouxe para aqui. Cresci aqui, recebi apoio e aprendi muitas coisas. Sinto-me em casa, porque recebo amor e carinho das madres e das minhas amigas.”

A estudante do Ensino Secundário 12 de novembro, em Becora, considera que aprendeu muita coisa no orfanato. “Foram as madres que me ensinaram a ler e a escrever. Todos os dias, vou à escola e também frequento uma formação aqui à tarde, aprendo a cozinhar, a coser e a tocar instrumentos. Falo português e inglês.” Elvira mostrou-se grata por poder descansar e estudar neste lugar, que considera seguro, e ter uma alimentação nutritiva.

Maria Soares Babo, responsável pelo orfanato dominicano, contou ao Diligente que a instituição, que existe desde 2004, recebe apenas meninas e tem uma rotina rigorosa.  “Acordam às 5h, tomam banho e às 6h vão à missa.” Depois da missa, as crianças e jovens tomam o pequeno-almoço e vão para a escola. Depois de almoço, descansam, estudam, limpam e, às 19h, jantam. No Ano Novo, podem ir de férias durante duas semanas.

No orfanato, também há atividades extra. A responsável explicou que, à tarde ou aos sábados, têm a oportunidade de aprender a cozinhar, a coser, a tocar instrumentos musicais e línguas.  À segunda-feira, recebem a visita de uma voluntária portuguesa que dá aulas de língua portuguesa. “As que já andam na universidade, ensinam as colegas. Ao domingo, há catequese para todas as crianças, mesmo as que não vivem aqui”, avançou.

Sobre as consequências da violação das regras estabelecidas pelas órfãs, a responsável disse que se for grave, serão expulsas. “Se uma órfã com mais de 10 anos, violar as regras, como usar o telemóvel, não rezar, não trabalhar em equipa, é chamada à atenção.” Se o comportamento se repetir, são expulsas. No caso de o aproveitamento escolar não ser satisfatório, durante um ano não podem ir de férias. Se, depois desse ano, não houver mudanças, também são afastadas.

Questionada sobre o porquê de as jovens não poderem ter acesso ao telemóvel, a madre explicou que receiam que elas acedem a vídeos pornográficos ou a outros conteúdos inúteis. Porém, as meninas que já frequentam o Ensino Superior têm telemóvel, “todas as outras se precisarem de contactar os seus familiares ou acederem à internet, nós emprestamos os nossos dispositivos”, esclareceu.

Quanto à educação das meninas com menos de 7 anos, a freira explicou que não há castigos físicos. “Falamos sempre com as crianças e explicamos a importância de seguirem as regras. Quando uma criança não quer estudar, contamos-lhe uma história e pedimos que estude ou então damos-lhe comida”, afirmou orgulhosa por nenhuma criança ter tido aproveitamento negativo na escola.

Desde o ano passado, o orfanato dominicano só recebe meninas com mais de 12 anos e no máximo duas por ano, por falta de espaço. Podem ficar na instituição até terminarem o ensino superior. Já o orfanato muçulmano de An-nur, onde as crianças podem permanecer até terminarem o ensino secundário, quer receber mais crianças.

Orfanato An-Nur abriga 30 órfãs e uma formadora /Foto: Diligente

Na fundação An-Nur, criada em 2005, as órfãs costumam acordar às 5h, fazem a limpeza, tomam o pequeno-almoço e vão para a escola. A responsável pelo orfanato relata ainda que as que frequentam o ensino básico, vão à escola às 8h e regressam às 12h. As meninas que estão no ensino secundário têm aulas das 14h às 17h, por isso, de manhã, fazem tarefas domésticas e preparam o almoço.

“Quando as meninas do ensino básico voltam, rezam, almoçam e descansam. Às 16h, rezam novamente e, das 17h às 20h, leem o Al Corão e fazem oração. Oram 5 vezes por dia. Às 21h, jantam e, depois, estudam durante uma hora. Às 22h, vão dormir”.

Quanto ao regulamento, a responsável disse que, quando alguma das órfãs o viola, é advertida, e que, se não houver mudanças, a sanção é limpar a casa de banho. Se continuar a desobedecer, será expulsa. “Aqui, as regras mais importantes são não usar o telemóvel e não poderem namorar. Além disso, não podem usar outra roupa, não podem abrir o hijabe, exceto na hora do descanso.” Quanto ao desempenho escolar, tal como no orfanato católico, todas as crianças têm sido bem-sucedidas.

Relativamente ao apoio estatal, o orfanato dominicano recebe ajuda do Ministério da Solidariedade Social e Inclusão (MSSI), uma vez por ano. “Recebemos quinze ou vinte sacas de arroz anualmente. Mas, às vezes, as pessoas com boas intenções oferecem-nos alimentos. O avô Xanana (atual Primeiro-Ministro) mensalmente dá-nos vegetais, carne e outros produtos. Os familiares das órfãs não pagam”. Para além disso, recebem apoio de doadores em Itália.

Já o orfanato de An-nur é financiado pela fundação Alor, que contribui com 200 dólares mensais. “Alimentos como arroz, azeite e massa são dados por pessoas de bom coração, a quem chamamos servos de Deus”, salientou a responsável.

O papel do Estado

João Coimbra, Diretor Nacional da Cooperação e Parceria, no MSSI, explicou que a partir de 2020, o Governo criou leis para apoiar as instituições que trabalham para ajudar as pessoas vulneráveis, incluindo mulheres e crianças, toxicodependentes e vítimas de abandono. “Para receber apoio, as instituições têm de preencher critérios como a antiguidade, estarem localizadas em Timor, estarem registadas como organização nos serviços de notariado no Ministério da Justiça. Depois disto, devem apresentar uma solicitação ao MSSI para terem o estatuto de utilidade social. Adquirido este estatuto, já são consideradas instituições de solidariedade social.”

Lê-se no artigo 5.º do decreto-Lei sobre Regime Jurídico das Instituições de Solidariedade Social que estas “têm direito de beneficiar de subsídios e comparticipações, bem como de apoios de qualquer natureza, seja em meios técnicos, materiais ou humanos, em função da disponibilidade orçamental do Estado, e das prioridades definidas anualmente pelo membro do Governo responsável pela Proteção Social.”

“Conseguimos registar 30 entidades, entre elas, 5 orfanatos, considerados como Instituições da solidariedade social”, afirmou João Coimbra.

De acordo com os dados do MSSI, registam-se 20 orfanatos em Timor-Leste. Amândio Amaral Freitas, Diretor Nacional da Inclusão e Reinserção Comunitária do MSSI, explica que 15 orfanatos em Timor-Leste ainda não preenchem os critérios, “outros preenchem, mas não fazem o pedido ao Ministério, porque já têm fundos de outros doadores.”

O Diretor acrescentou ainda que, atualmente, o Ministério apoia cinco orfanatos: Orfanato de Dom Bosco de Baucau-Quelecai;  Orfanato do Lar o Bom Samaritano, em Gleno, Ermera; Orfanato de São Paulo, em Lospalos, e Orfanato Kiak Servisu Kiak, em Bobonaro.

Questionado sobre a inexistência de orfanatos públicos, o Diretor avançou que o Governo ainda não tem plano para criar orfanatos estatais, “apenas nos focamos em apoiar os orfanatos e instituições privados”.

Para já, as crianças com necessidades de abrigo devem recorrer às organizações geridas pelos religiosos e submeterem-se a pré-requisitos de entrada e regras para não voltarem a viver em condições precárias.

Ver os comentários para o artigo

  1. A todos aqueles que fazem ou tentam fazer o bem, MUITO OBRIGADO! Felizmente quando fiquei orfao ja tinha uma idade capaz de lutar por mim mesmo. Que o SER no UNIVERSO vos abencoe e continue dar CORAGEM para tao ardua tarefa!

  2. Para 2024 desejo a todos os amigos e familiares, leitores do Diligente Online, tudo de bom comecado com a letra D!

    Diligente
    Deus
    Diligencia
    Diversidade
    Dignidade(tao necessaria aos politicos)
    Dimensidade
    Densidade (nao necesaria na populcao)
    Descentralizacao(Timor nao e so Dili)
    “Depois” do adeus (para cuidar das geracoes vindouras)

  3. Ontem a noite sonhei que o Cristiano Ronaldo veio passar um ano em TL, para ajudar os orfaos e as criancas de TL. Mandou as malvas os euros, dolares e petrodolares.
    Que decisao tao sublime, heroica e humana.

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