Onda de violência juvenil segue elevada em Díli

A PNTL de Díli registou 41 confrontos em janeiro e 73 em fevereiro/Foto: Diligente

Confrontos entre jovens aumentaram 78% em fevereiro deste ano, em comparação com o mês anterior. Especialistas destacam fatores socioeconómicos e psicológicos como raízes do problema.

Nos dois primeiros meses deste ano, a Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) registou 114 conflitos em Díli envolvendo jovens. Em termos percentuais, a quantidade de disputas em fevereiro, 73, corresponde a um aumento de 78% em relação ao que foi contabilizado no mês anterior.

O último episódio de violência aconteceu na manhã da última segunda-feira (11.03), na estrada de Audian. Rapazes da respetiva aldeia e de Behedan, do suco de Santa Cruz, do Posto Administrativo Dom Aleixo, atacaram-se mutuamente com pedras e paus, para desespero da população que transitava pelo espaço público. As cenas do triste sucedido foram amplamente partilhadas nas redes sociais. Quatro pessoas chegaram a ser detidas pela PNTL.

O chefe de aldeia de Audian, Joaquino Mendes Amaral, argumentou que o confronto envolveu elementos de grupos de artes marciais rivais. “Encontraram-se à frente da Escola chinesa e apedrejaram-se até ao cruzamento de Audian, à frente da clínica Foho Osan Mean”, disse.

Para o comandante da PNTL do município de Díli, Orlando Gomes, casos do tipo estão diretamente relacionados com a falta de perspetivas dos jovens. O elevado desemprego e os problemas na formação educacional e emocional sustentam esse contexto, avalia o comandante. “À noite, encontram-se para beber e provocam-se uns aos outros, porque não têm de ir trabalhar no dia seguinte”, frisou.

Para tentar minimizar as consequências, o comandante da PNTL realçou que a instituição já identificou os lugares de riscos, para uma resposta mais ágil a eventuais conflitos.

A PNTL ainda realçou que organiza ações de socialização sobre leis junto dos estudantes nas escolas e nos sucos e pretendem reativar o Conselho de Policiamento Comunitário (CPC).

Para Nelson Belo, diretor-executivo da Fundação Mahein, Organização Não Governamental que incide sobre os assuntos de segurança, o ciclo de violência que se observa em Timor-Leste, sobretudo na capital, Díli, “nunca vai acabar se o Governo não investir seriamente na formação de recursos humanos”.

O Diretor considera que os sucessivos governos não têm desenvolvido políticas públicas inteligentes e eficazes para garantir uma cidadania mais saudável, em especial aos jovens – a maioria da população, segundo o censo de 2022. “As autoridades preocupam-se mais em utilizar o dinheiro do povo em estátuas, viagens, a enfeitar a cidade quando recebem visitas internacionais em vez de se concentrarem no que realmente importa”, resumiu.

Herança violenta

O psicólogo Ângelo Aparício avaliou que grande parte dos jovens em Timor-Leste ainda precisa aperfeiçoar as habilidades emocionais e sociais, competências, a seu ver, prejudicadas por uma educação familiar muitas vezes problemática – herança de um passado marcado pela violência.

“Vivemos a ocupação indonésia, que foi muito agressiva. É possível afirmar que certos traços desse tipo de comportamento acabaram por ser normalizados. Depois da restauração da independência e até aos dias de hoje, nenhuma política pública deu a devida importância à saúde mental da sociedade”, partilhou o psicólogo.

Neste contexto, observou Ângelo Aparício, os cidadãos interiorizaram o trauma coletivo da sociedade. Isto fez com que, segundo o profissional, muitos pais e mães eduquem os filhos com hostilidade, dando continuidade ao que aprenderam com os seus respetivos progenitores.

Ângelo Aparício acrescentou que a ausência de apoio e de orientação em casa pode levar os jovens a procurarem validação e sentimento de pertença em coletivos que, por sua vez, podem promover comportamentos agressivos. “Durante a ocupação indonésia, as pessoas agrupavam-se consoante o seu apoio à independência ou à integração. Depois da restauração da independência, os grupos de artes marciais, de certa forma, vieram substituir esses agregados”, partilhou.

Para o psicólogo, a maioria das escolas no país também falha em promover comportamentos positivos, uma vez que os próprios professores batem e intimidam os alunos para os controlar. “A falta de consultas de psicologia nas unidades de ensino é um dos fatores que contribui para a violência. Este apoio poderia ajudar os docentes a gerirem as suas emoções e acompanhar os alunos com comportamentos desequilibrados”, opinou Ângelo Aparício.

Na ótica do profissional, as instituições policiais também atuam, em maneira geral, com violência exagerada nas abordagens. “Qual é a diferença entre o que fazem agora com o que faziam os militares e polícias indonésios no tempo da invasão?”, questionou.

Ângelo Aparício considera que as autoridades em Timor-Leste ainda se focam muito em dar uma resposta à violência, em vez de encontrar maneiras de a neutralizar antecipadamente. “Prevenção da violência significa fazer algo antes que aconteça, como melhorar as condições das escolas e a qualidade dos professores, criar campo de trabalho, planear atividades extra para estudantes e estabelecer consultas gratuitas de psicologia na comunidade e unidades de ensino. É possível [fazer isso], basta interesse”, concluiu.

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  1. Uma escola tecnica onde eles possam estudar carpintaria, soldadura, pedreiro, canalizador, calceteiro, electricista, precisa-se ontem.
    Curso de vagabundo nao e necessario pois ja existem as toneladas e ate se pode exportar!

  2. Estes jovens deveriam-se profissionalizar em tele conferencias. Assim em vez de andarem a atirar pedras uns aos outros, punham os governantes e politicos em contacto com o mundo inteiro, sem sairem do local de trabalho.
    Poupava-se rios de dinheiro e os governantes e politicos deixavam de andar de cu tremido.
    Se calhar era uma maneira de muitos que continuam a arrastar as botas se reformarem..
    Uma vez com a qualidade desses profissionais do ramo telivisivo, podia-se concorrer a Eurovisao, festival da cancao. E o nosso entrante ate ia cantarolar em Portugues!

  3. Podia-se abrir uma fabrica de calcado com a ajuda de alguma fabrica de calcado do norte de Portugal. Estes jovens podem ser os pioneiros de calcado feito com pele de crocodilo, made in Timor Leste. Ja pensaram em ver os politicos com fatos de tais e sapatos de pele de croc?

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