O que é o bullying? Quando falo em bullying, estou a referir-me a comportamentos como insultos, intimidação, agressões físicas e ridicularização ou exclusão com o objetivo de prejudicar alguém em termos físicos e mentais, cor, vestuário, género e/ou estatuto económico.
Para mim, não é estranho que os timorenses tenham muitos nomes. Quando nascemos, os mais velhos dão-nos um nome tradicional (ou nome gentio). Como Timor-Leste é uma nação predominantemente católica, há uma grande probabilidade de que sejamos batizados na igreja nas primeiras semanas depois de nascermos. A Igreja Católica, em muitos casos, prefere que os nossos pais nos deem nomes de santos, razão pela qual temos nomes semelhantes aos dos portugueses ou europeus. Como outros timorenses, eu também tenho um nome tradicional, Kay Wai, que segue o nome do meu avô, um nome de batismo, Ângelo A. Menezes Guterres Aparício, e o meu nome estimado, que me chamam em casa, que é Alau. Cada um desses nomes tem a sua própria história. Eu prefiro que as pessoas me chamem de Alau. Vocês podem perguntar “porquê?”
Eu vivo numa comunidade onde se falam três línguas: Makasae, Naueti e Tétum. O meu nome, Alau, soa estranho quando comparado com muitos termos existentes nessas línguas, especialmente Makasae e Tétum. Vocês podem adivinhar a história que vou contar… o bullying começou aqui.
Alau – Eu realmente odiava este nome quando era criança
Quando era criança, pensava que havia algo de errado com o meu nome, que fazia com que muitas pessoas gostassem de me ridicularizar e excluir. Eu sempre fui um alvo fácil para as pessoas gozarem (por causa do meu nome e aparência). Em Makasae, Alau é pronunciado de maneira semelhante à palavra “Lau-kada”. Lau-kada é um gato selvagem que, à noite, rouba galinhas para comer. Em Tétum, o meu nome é pronunciado Lalau. Muitas crianças que falam Makasae chamam-me “Lau-kada, Lau-kada, Lau-kada…!” E as crianças que falam Tétum gozavam comigo quase todos os dias, dizendo “Alau-Lalau, Alau-Lalau, Alau-Lalau!”. Era muito difícil e magoava-me.
Naquela época, eu não entendia o que era bullying, saúde mental, ou porque as pessoas gostavam de gozar comigo ou excluir-me. Mas eu tinha a certeza de que as palavras que ouvia, os diversos apelidos que as pessoas usavam para me chamar, me magoavam. Essa experiência fez com que eu perdesse a confiança em mim mesmo e me sentisse desvalorizado. Um dia, o meu pai disse: “Vejo as crianças a gozarem contigo por causa do teu nome. Queres mudá-lo? Podemos chamar-te A-Tiga” – uma abreviatura de Ângelo Alcino M. G. Aparício. Eu respondi ao meu pai com orgulho: “Que nome é esse? Não é um bom nome. Eu gosto muito do nome Alau.” Naquela altura, eu tinha 7 anos. Foi um momento muito marcante e sei que o meu pai sentiu o que eu sentia constantemente. Imagine isso acontecer com o seu filho, mas sabe que não pode fazer nada, porque tem outras prioridades e pressões na sua vida. Hoje entendo que foi a maneira do meu pai de me apoiar emocionalmente.
Naquela época, eu não sabia o que fazer numa situação como esta. O que fazia era evitar brincar com essas crianças (sobretudo os meninos) que gozavam comigo. Preferia ficar em casa a brincar com os meus pais, irmãos e tios. Sentia-me emocionalmente seguro quando brincava sozinho.
O meu nome não era a única razão para gozarem comigo
Se vocês me conhecessem pessoalmente, saberiam que eu tenho grandes dificuldades em ganhar peso. Desde pequeno, sempre fui magro e, infelizmente, isso também fez com que fosse alvo de bullying. Quando cresci, as pessoas chamavam-me “rika-titi/rika-safa” (esqueleto) ou “mau-ruik/pa-datok e mate ruin (cadáver)”. Emocionalmente, sentia-me muito mal.
Ter um corpo magro, chamar-se Alau e viver numa sociedade como a timorense é algo que definitivamente não gostaria que acontecesse a outras pessoas. Quando cresci, todas as pessoas eram mais fortes do que eu. Quando íamos apanhar lenha no mato ou quando jogávamos à bola, todos corriam mais rápido do que eu. Eu não era apenas ridicularizado por causa do meu nome ou da minha aparência, mas também porque não tinha força como os outros meninos e era fraco a jogar à bola.
O bullying que enfrentava sozinho quase todos os dias fazia com que eu pensasse muito e ficasse muito frustrado. Eu preferia, na maioria das vezes, brincar sozinho. Procurava apoio emocional nos meus pais para me sentir normal como as outras crianças. A minha mãe era a minha proteção, tornei-me dependente emocionalmente dos meus pais. Era muito sensível e chorava facilmente quando gozavam comigo. Procurava sempre a minha mãe, quando estava numa situação desconfortável. Muitas pessoas chamavam-me “mantolun nakfera”, que significa “criança que chora rapidamente” – eu realmente detestava essa expressão, mas era melhor do que as outras que me chamavam.
Como o bullying me ajudou a formar a minha identidade
O bullying desempenhou um papel importante na formação da minha identidade. Quando era mais jovem, preferia evitar lugares frequentados por muitas pessoas, por pensar que não tinha valor, e esforçava-me muito para não fazer nada de errado. Só de imaginar que poderia cometer erros (especialmente na escola ou em outros encontros sociais), ficava muito ansioso. Depois de algum tempo, percebi que a ansiedade é um sintoma de um problema de saúde mental. Eu também não confiava em mim mesmo e, infelizmente, questionava o meu valor como pessoa. “Porque existo neste mundo?” – esta era uma das muitas perguntas que eu sempre me fazia, quando estava triste. Uma coisa boa é que sempre obtive bons resultados na escola. Tinha dificuldade em confiar em outras pessoas (além dos meus pais) para me ajudarem quando precisava. Gostava de fazer trabalhos sozinho, sentia-me seguro assim.
O bullying afetou-me profundamente e deixou uma marca no meu subconsciente. No entanto, isso também me ajudou a ver o mundo de uma perspetiva diferente. Consigo compreender quando alguém diz ter sido vítima de bullying. É muito fácil para mim sentir empatia por pessoas que passaram por situações que afetaram a sua saúde mental.
Compreendo que seja difícil para alguém expressar os seus sentimentos e emoções com base nas experiências traumáticas que tiveram que enfrentar na vida. Esta é uma das razões pelas quais me preocupo muito com a saúde mental. Sempre que possível, evito grandes eventos sociais. Fico contente com a solidão em casa. Estou feliz com apenas alguns amigos. Não sei até que ponto exatamente o bullying influenciou a minha vida, mas uma coisa que eu gostaria de dizer é que estou contente com a minha vida agora.
Infelizmente, o bullying que vivi – talvez como uma gravação de rádio constante – continua a tocar na minha mente. As palavras que usaram contra mim fizeram-me sentir frágil. Como se o nome Alau significasse uma coisa triste. No entanto, com o conhecimento que adquiri por meio da minha educação, tomei a decisão de me aceitar. Aprendi a fortalecer a minha autoestima – embora as cicatrizes dessas experiências ainda me acompanhem. Reconheci as minhas limitações, pois elas moldaram quem sou hoje. Entendi o meu próprio valor.
O meu nome (não) é Ângelo – chamem-me Alau
O meu nome (não) é Ângelo – chamem-me Alau. Escolhi este nome como uma confirmação de que não me rendo às pessoas que me intimidaram. Alau não é apenas um nome, é a minha identidade. Eu não tenho vergonha deste nome. Aceito minhas vulnerabilidades e continuo a trabalhar para alcançar coisas positivas na vida.
As pessoas que gozavam comigo, faziam piadas e me ridicularizavam no passado não sabiam que isso me motivou a esforçar-me a mudar a minha vida para melhor. Continuo a procurar aprender e espero tornar-me em alguém bom, não apenas para a minha própria satisfação, mas também para os outros.
A minha existência neste mundo é tão importante quanto a de qualquer outra pessoa. Acredito que todos nós desempenhamos um papel crucial e podemos fazer coisas boas no mundo. Todos temos um papel importante para melhorar os dias e o futuro.
Não guardo rancor. Eles não entendiam as suas próprias ações. As suas atitudes eram um produto da sociedade em que vivemos – uma sociedade que eu aprecio muito, apesar dos muitos aspetos negativos. O bullying teve um impacto sério na minha saúde mental, mas sou grato por ter uma família que sempre me apoiou e cuidou de mim. Tornei-me quem sou agora por causa deles – e pelos valores de vida que me ensinaram.
Comprometi-me pessoalmente a falar abertamente sobre saúde mental no nosso país. Não posso imaginar quantas pessoas já foram intimidadas devido a condições físicas e mentais. Quero que essas pessoas saibam que não estão sozinhas e que podem superar esse desafio.
Há sempre uma razão para os comportamentos. Juntos, podemos PARAR O BULLYING. Vamos esforçar-nos para sermos boas pessoas uns para os outros. É a minha mensagem para aqueles que foram vítimas de bullying – você é importante. É especial. Aqueles que praticam bullying é que têm um problema, não quem é vítima!
Sinto-me livre depois de partilhar a minha experiência através deste artigo. Foi como uma terapia para mim – ajudou-me muito a sentir-me seguro com a minha história! Espero sinceramente que este artigo possa inspirar-vos a serem boas pessoas umas para as outras.
Ângelo Alcino Menezes Guterres Aparício, ou Alau, é natural de Baucau. Licenciou-se em Psicologia e Sociologia na Universidade do Havaí e fez o mestrado em Psicologia Clínica Forense na Universidade de Montclair State University, Nova Jersey, Estados Unidos da América. Atualmente, trabalha como consultor independente.