O Diligente foi a Ataúro ouvir as dificuldades dos habitantes da ilha e saber o que pensam sobre a redução do Fundo Especial para o Desenvolvimento do município.
Ataúro, ilha situada entre duas ilhas da Indonésia, Alor e Wetar, e Timor-Leste, fica aproximadamente 25 km a norte de Díli. Atualmente, é o 14º município timorense criado pela Lei Nº 14/2021 e, de acordo com o censo de 2022, possui 10.295 habitantes. É um lugar de natureza exuberante, que reúne uma das mais incríveis biodiversidades marinhas do mundo, sendo ainda ponto de passagem para a migração de baleias.
Apesar da beleza e riquezas naturais que atraem todos os anos visitantes de vários países, Ataúro sofre com a falta de investimento. As estradas são péssimas, falta energia elétrica ou, quando há, é inconstante. Nas escolas e centros de saúde prevalece a precariedade. O abastecimento de água potável é escasso.
A ilha é uma zona especial de economia social de mercado, tal como Oe-Cusse, de acordo com a Lei N.º 3/ 2014. Por ser uma zona autónoma, no ano passado, o VIII Governo aprovou o Fundo Especial para o Desenvolvimento de Ataúro (FEDA), gerado pelo presidente do município. O Fundo visa financiar projetos e programas, anuais e plurianuais, de carácter socioeconómico e ambientalmente sustentáveis destinados a atender as necessidades da população local.
Em outubro de 2022, o Parlamento Nacional da legislação anterior, aprovou o orçamento para o FEDA, num montante de 13 milhões. Neste ano, o IX Governo alterou o estatuto administrativo da ilha, principalmente no que diz respeito à gestão do dinheiro, passando a depender do Governo central. E, no final de agosto, com a retificação do Orçamento Geral do Estado (OGE), cortou 10 milhões do FEDA.
Para ouvir o que os moradores de Ataúro têm a dizer a respeito disso, o Diligente foi ao município e conversou com algumas pessoas.
“O Governo devia aumentar o orçamento, criando condições básicas para o povo de Ataúro. (…) A ilha pode ter paisagens bonitas, mas se não houver condições, as pessoas não vêm visitar e contemplar a beleza do lugar”
“O atual Governo reduziu em 10 milhões de dólares o Fundo Especial de Desenvolvimento de Ataúro (FEDA). Com apenas 3 milhões, não é possível construir infraestruturas básicas para cinco anos. Esta medida revolta-me muito, porque vai impedir a vinda de turistas, uma vez que não temos condições para os receber. Não temos água potável, eletricidade, e boas estradas em todo o município, dificultando o desenvolvimento do turismo, o que diversificaria a economia e melhoraria as condições de vida da população.
O Governo devia aumentar o orçamento, criando condições básicas para o povo de Ataúro. Este investimento traria retorno para o Estado. A ilha pode ter paisagens bonitas, mas se não houver condições, as pessoas não vêm visitar e contemplar a beleza do lugar. A população não tem nada para oferecer aos turistas”.
“Há pouca oferta de produtos de necessidade básica, porque as empresas não investem aqui. Consequentemente, os pequenos comerciantes aumentam os preços. Por exemplo, aqui em Biqueli, uma saca de arroz custa cerca de 20 dólares”
“No ano passado, começaram as obras de melhoria das rodovias, mas este ano pararam, porque não há orçamento, visto que o Governo diminuiu os fundos para desenvolver Ataúro. É muito triste, porque não vão dar continuidade às obras que o Governo anterior começou e a população é que sofre.
Na segunda-feira passada (dia 11 deste setembro), acompanhei o meu pai, que estava com asma, de ambulância, de nossa casa, em Biqueli, até ao hospital de Ataúro. O caminho é muito difícil, porque há muitos buracos e pedras grandes, que causam trepidação e fazem com que o percurso demore muito tempo a percorrer. Isto é um perigo para as mulheres grávidas e dificulta também a movimentação das pessoas que querem ir à vila para fazer negócios e ir à escola. Quando chove, temos de ir de barco, porque há muita lama na estrada, mas se o mar estiver agitado, temos mesmo de caminhar, por vezes, durante duas horas.
Também há pouca oferta de produtos de necessidade básica, porque as empresas não investem aqui. Consequentemente, os pequenos comerciantes aumentam os preços. Por exemplo, aqui em Biqueli, uma saca de arroz custa cerca de 20 dólares. O Governo deveria alocar uma quantia maior para Ataúro, de forma a diversificar a economia e a melhorar a vida da população”.
“Todos os dias, desde 2012, caminho, durante duas horas, de Maquili até Ataúro Vila, pela beira-mar, para trabalhar”
“Fico triste por saber que o Governo não investe em Ataúro para que seja possível criar condições básicas para a população, principalmente a de Maquili, que ainda não tem acesso a transportes do suco para a vila. Todos os dias, desde 2012, caminho, durante duas horas, de Maquili até Ataúro Vila, pela beira-mar, para trabalhar. O meu marido não trabalha, então quer queira quer não, tenho de trabalhar para sustentar os meus nove filhos.
Se a maré estiver cheia, tenho de ir por outro caminho. Não há transportes para o suco. As angunas e os tum tums (tipo de mota com três rodas, assentos e teto) não chegam até Maquili, porque as condições da estrada que ligam o suco a Ataúro Vila são muito más. Só as camionetas é que conseguem circular, mas é muito raro. Muitas vezes, vimos comprar arroz e outras necessidades básicas, e carregamos as compras ao ombro até casa.
Precisamos de mais investimento do Governo para que seja possível construir estradas que facilitem a circulação da população do suco até à vila”.
“Muitos de nós ainda não temos acesso a água potável e saneamento básico e vivemos em condições precárias. As más condições das rodovias impedem os outros setores de se desenvolverem”
“É lamentável o Governo ter reduzido o orçamento para Ataúro para 3 milhões. Os governantes só defendem os seus interesses e não se preocupam com o povo. Depois de 21 anos de restauração da independência, o Governo não investe em Ataúro, um município que atrai tantos turistas. Muitos de nós ainda não temos acesso a água potável e saneamento básico e vivemos em condições precárias. As más condições das estradas impedem os outros setores de se desenvolverem. Cultivo muitos produtos e quero vendê-los no mercado, mas tenho de gastar muito dinheiro no transporte e não compensa. A única alternativa é carregar os produtos, que são muito pesados, ao ombro durante 4 horas até à vila.
Aqui, em Makadadi, é difícil construir casas em cimento, porque temos de pagar 150 dólares para transportar os materiais de construção. Para além disso, os materiais também são muito caros, um saco de cimento chega a custar 12 dólares. A nossa vida é muito difícil. Sou um veterano, lutei muito pela independência do país, mas agora os filhos das milícias é que usufruem.
“Os governantes só pensam nos seus interesses e não nos interesses do povo. Espero que este Governo deixe os interesses privados de lado e pense nas dificuldades e problemas que o povo enfrenta”
“Caminho com a minha filha de Ataúro Vila até Makili, durante quase duas horas, para visitar a minha família. Temos transporte, mas é muito arriscado por causa das más condições da estrada. Muitas vezes, os carros avariam. Só as camionetas é que conseguem circular.
Por isso, a única forma é caminhar pela beira-mar. O caminho é muito difícil, principalmente para mulheres e crianças. Andamos em cima de pedras e, muitas vezes, escorregamos, então temos de andar devagar e com cuidado.
Os governantes só pensam nos seus interesses e não nos interesses do povo. Espero que este Governo deixe os interesses privados de lado e pense nas dificuldades e problemas que o povo enfrenta”.