O caso de Arnolfo Teves Jr.: um teste para os sistemas político e judicial de Timor-Leste

Ex-deputado foi expulso da Câmara das Filipinas, em agosto do ano passado, por comportamento desordeiro e violação do código de conduta/Foto: Câmara dos Deputados das Filipinas

O político e empresário filipino é acusado de ser o mentor de nove assassinatos no seu país de origem. A viver em Timor-Leste desde o final de abril do ano passado, foi detido em março deste ano, a mando da Interpol, enquanto jogava golfe na Areia Branca. Preso em Becora, espera sentença sobre extradição.

O caso de Arnolfo Teves Jr., político e empresário filipino procurado por assassínio de um rival político e outras oito pessoas nas Filipinas, tem causado controvérsia em Timor-Leste. A chegada de Teves ao país no final de abril de 2023, seguida por uma série de manobras legais e diplomáticas, levantou questões importantes sobre a integridade dos sistemas político e de justiça criminal de Timor-Leste. Este artigo descreve o histórico e o desenvolvimento do caso, e destaca as preocupações da Fundasaun Mahein (FM) sobre as suas implicações políticas e de segurança mais amplas.

Depois da chegada de Teves ao aeroporto de Díli, em jato particular, a FM obteve informações de que foi recebido por um oficial de alta hierarquia do Estado e teve direito a escolta. Posteriormente, a família juntou-se a ele em Timor-Leste, e alugaram várias propriedades de luxo em Díli. Teves solicitou asilo político, pedido que foi rejeitado pelo Tribunal de Recurso, em maio de 2023, tendo sido notificado de que teria 5 dias para sair do país. No mesmo mês, a Interpol emitiu um Aviso Azul, um alerta internacional para indivíduos procurados por crimes graves.

Em agosto de 2023, Teves foi oficialmente acusado de assassinato nas Filipinas e, em setembro, foi emitido um mandado de prisão. Durante esses procedimentos legais, Teves permaneceu sob proteção de segurança privada em Timor-Leste. A Interpol emitiu um Aviso Vermelho, em fevereiro de 2024, equivalente a um mandado de prisão internacional, e a Polícia Científica e de Investigação Criminal (PCIC) prendeu Teves enquanto jogava golfe na Areia Branca, no passado dia 21 de março. Desde então, o suspeito está detido na prisão de Becora, onde aguarda novos procedimentos legais.

Desde então, surgiram alegações de que um membro das forças de segurança de Timor-Leste teria aceitado ou exigido um suborno de familiares de Teves em troca de segurança reforçada durante o seu tempo na prisão. Segundo relatos, o processo de investigação interno está em andamento. No entanto, pelo que a FM sabe, o caso de suborno ainda não foi encaminhado para a Procuradoria-Geral.

Os presidentes de Timor-Leste e das Filipinas terão discutido o caso, inclusive a melhor forma de garantir a sua transferência para as Filipinas para ser julgado. O presidente Ramos-Horta expressou publicamente o desejo de que o caso fosse resolvido “rapidamente”. No entanto, a ausência de um tratado de extradição entre os dois países complicou o processo. Uma delegação do Escritório Nacional de Investigação das Filipinas (NBI), liderada por Medardo de Lemos, viajou para Timor-Leste, em abril de 2024, na tentativa de garantir a extradição de Teves, mas não conseguiu fazê-lo. Comentários internacionais desde então levantaram dúvidas sobre a possibilidade de resolver o caso de forma rápida e fácil.

A FM espera uma ágil resolução deste grave caso criminal. No entanto, além das questões técnicas do processo legal, a FM está profundamente preocupada com as ações de alguns membros da classe política de Timor-Leste neste caso, que revelam sérias fragilidades nos sistemas político e de justiça criminal do nosso país.

Em primeiro lugar, a maneira como Teves foi inicialmente recebido em Timor-Leste levanta preocupações sobre possíveis conexões entre Teves e políticos timorenses, e, consequentemente, uma tendência entre os funcionários do Estado para fornecer apoio e proteção a indivíduos poderosos que enfrentam acusações criminais graves.

O fato de Teves ter sido pessoalmente recebido por um oficial de alto escalão no aeroporto e ter tido um escolta é extremamente perturbador. Informações públicas sobre as atividades passadas de Teves indicam que ele estabeleceu relações com líderes políticos e empresariais em Timor-Leste durante muitos anos, o que indica que as suas ligações de alto nível estão a dificultar a rápida resolução do caso.

A FM nota que há uma discrepância entre o tratamento que o Estado dá a suspeitos poderosos, como Teves, e o tratamento dado a violações legais cometidas por cidadãos comuns. Por exemplo, à medida que o caso Teves se desenrolava, o Governo estava a demolir agressivamente casas e edifícios comerciais “ilegais”, em Díli. As forças de segurança foram mobilizadas para ajudar a fazer cumprir os avisos de despejo e demolição, e as ações do Governo foram recebidas com protestos generalizados, pois os cidadãos estavam a perder as suas casas e meios de subsistência.

Por outro lado, Teves, um estrangeiro bem relacionado, rico e acusado de crimes graves, foi recebido no país por autoridades estaduais e provido com segurança e acesso a propriedades luxuosas. Foi preso com base em um mandado internacional, mesmo que já tivesse recebido ordem dos tribunais timorenses para deixar o país, quase um ano antes.

Apesar da comunicação direta entre os chefes de estado dos dois países, Timor-Leste continua a enfrentar “dificuldades” para deportar Teves. A imagem resultante é a de um Estado que aparenta estar disposto a mobilizar recursos e segurança para implementar de forma implacável leis que foram violadas por “pessoas comuns”, mas quando um indivíduo bem relacionado, como Teves, é procurado por crimes graves, torna-se complicado e difícil deportá-lo, apesar de um tribunal timorense já ter ordenado que ele deixasse o país.

Timor-Leste ainda está a desenvolver a sua reputação como um país democrático sob o Estado de Direito, mantendo boas relações com vizinhos e parceiros e tentando entrar na ASEAN. A FM, portanto, pergunta: que mensagem os políticos timorenses estão a enviar aos parceiros e observadores internacionais ao receber e dar segurança a um político estrangeiro procurado por um crime tão grave como o assassinato de um rival político? Além disso, que mensagem estão a enviar ao povo timorense, quando um suspeito poderoso recebeu tratamento especial do Estado, enquanto pessoas comuns são tratadas subitamente como criminosas por construirem casas “ilegais”, depois de as autoridades nada terem feito durante décadas para controlar essas ocupações informais?

Além dessas graves implicações políticas, a FM também está extremamente preocupada com a mensagem que este caso envia a criminosos e organizações criminosas que operam nesta região. Timor-Leste já é conhecido como um país com capacidade limitada para detetar e prevenir atividades criminosas organizadas. Por se tratar de uma figura de poder, o caso Teves tem sido amplamente divulgado, o que provavelmente atraiu a atenção de grupos criminosos.

Como resultado deste caso, as atividades de crime organizado podem aumentar no país. Além disso, o facto de um político suspeito de crimes graves e objeto de avisos da Interpol ter sido recebido por políticos timorenses envia uma mensagem perigosa para outros criminosos ricos, ou seja, se estiver em perigo de ser preso, com as ligações certas, pode comprar segurança em Timor-Leste. Pelo que sabemos, outros criminosos já estão no processo de comprar influência entre os funcionários do Estado timorense como “seguro” contra futuros casos que possam ser movidos contra eles.

A FM já escreveu muitas vezes sobre os perigos da “regra do acordo” que domina as tomadas de decisão no nosso país. Portanto, ficamos satisfeitos ao ver que o IX Governo se comprometeu a garantir o “Estado de Direito democrático”, algo que a FM defende há muitos anos. A FM também reconhece as ações dos tribunais de Timor-Leste, que rejeitaram o pedido de asilo político de Teves e da PCIC, que executou o Aviso Vermelho da Interpol. Infelizmente, as ações de alguns políticos relacionados com o caso Teves sugerem que o sistema de justiça de Timor-Leste não está a funcionar de acordo com o Estado de Direito e é influenciado pela riqueza e ligações políticas.

Assegurar que Timor-Leste seja um país democrático baseado no Estado de Direito significa que todos os criminosos devem ser responsabilizados, independentemente da sua origem ou estatuto. A FM repete que não combater a impunidade das elites não apenas mina a confiança no Estado, mas também coloca em risco a segurança nacional e mina a posição de Timor-Leste no cenário internacional. Proteger criminosos ricos também pode atrair grupos criminosos organizados para operar no nosso país, situação para a qual o nosso sistema de justiça criminal não está preparado.

Portanto, à medida que os responsáveis pela elaboração de políticas lidam com o caso Teves, a FM apela para que reflitam sobre o seu compromisso em defender os princípios da justiça e da responsabilidade, protegendo a integridade das instituições de Timor-Leste e aplicando o Estado de Direito. A justiça significa que a lei se aplica a todos igualmente, independentemente do estatuto, relações ou riqueza. A justiça deve ser feita no caso Teves para transmitir a mensagem de que o Estado não tolerará a presença de criminosos internacionais.

A Fundação Mahein é uma organização apartidária que procura, desde a sua fundação em 2009, fortalecer o processo democrático e criar soluções duradouras para os desafios no setor da segurança em Timor-Leste.

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