Na conversa com o Diligente, o pesquisador e autor do livro “Matadalan Jornalismo Inclusivo” fala da importância de uma cobertura jornalística que respeite a pluralidade e diferença, como forma de combater preconceitos e intolerâncias.
A sociedade timorense, tal como outras, é diversificada em termos de tradições, género, raça, orientação sexual, identidade de género, capacidades físicas e cognitivas, religião, entre outros aspetos. Porém, esta diversidade raramente é abordada pelos órgãos de comunicação social timorenses, como, por exemplo, os problemas da comunidade LGBTQIA+, das pessoas com deficiência e das mulheres em Timor-Leste. Nas raras vezes em que estas questões são abordadas, a terminologia é inapropriada, preconceituosa, insultuosa e até difamatória.
Esta conjuntura contribui para que grande parte da população desconheça e tenha dificuldade em aceitar a pluralidade.
Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade da Indonésia, responsável por redigir o relatório final da Comissão de Verdade e Amizade da Indonésia e Timor-Leste, consultor do Conselho de Imprensa, pesquisador e autor do livro “Matadalan Jornalismo Inclusivo”, Nugroho Katjasungkana enfatiza que os jornalistas têm um papel fundamental na consciencialização da sociedade para a aceitação da diferença, de modo a garantir igualdade e justiça para todos os cidadãos.
Na avaliação do profissional, a falta de preparação dos jornalistas nestas questões faz com que os textos não reflitam a heterogeneidade da população, deixando os grupos vulneráveis sub-representados.
Para tentar mudar este cenário, o Conselho de Imprensa (CI) de Timor-Leste, em parceria com a Australian Broadcasting Corporate International Development (ABCID), realizou, durante dois dias (22 e 23 de maio) em Ermera, uma atividade de sensibilização sobre a importância do jornalismo inclusivo, que contou com a participação de 25 jornalistas dos órgãos de comunicação social nacionais e locais. Nugroho Katjasungkana foi um dos palestrantes do evento.
Foi neste âmbito que o Diligente conversou com o pesquisador.
Quais são as razões que o levaram a elaborar “Matadalan Jornalismo Inclusivo” e qual a importância do livro para a sociedade timorense?
A classificação de Timor-Leste [atualmente em 20º lugar] no ranking da Liberdade de Imprensa é, muitas vezes, admirada por outros países, mas, em termos da qualidade dos produtos jornalísticos, ainda não há uma representação significativa e rigorosa. A maioria das informações é sobre Díli e não sabemos o que se passa com a população nos municípios, sobretudo com os grupos vulneráveis: pessoas com deficiência, as mulheres e a comunidade LGBTQIA+.
A nossa Constituição garante e protege a diversidade, por isso é importante falar sobre o assunto para promover a inclusão. A diversidade é uma riqueza, mas a cobertura dos media ainda não a reflete.
Antes de escrever o “Matadalan Jornalismo Inclusivo, realizámos uma pesquisa, no ano passado, sobre estes grupos mais desprotegidos da sociedade. Este programa foi financiado pelo Australian Broadcasting Corporate International Development, em parceria com o Conselho de Imprensa [de Timor-Leste]. Esperamos que este manual possa ajudar os jornalistas e editores a serem mais sensíveis relativamente a estes assuntos e comecem a promover a diversidade no país.
“Não escrevem sobre a vida diária das mulheres, dos LGBTQIA+ e das pessoas com deficiência. Não dão importância aos seus problemas diários, apenas escrevem quando há uma celebração”
Porque escolheu a frase “vamos reconhecer e celebrar a diversidade” como tópico do manual?
Temos diversidade na sociedade, por exemplo na parte da etnia/raça, a maneira de produzir Tais da comunidade de Fataluco (Lospalos) é diferente das dos povos Mambae (Ainaro, Ermera, Aileu e Liquiçá), Kemak (Maliana e Atsabe) e Atoni (Oe-cusse). Temos diferentes línguas, capacidades física e cognitiva e religiões, mas os jornalistas não abordam estas diferenças com rigor.
A sociedade timorense tem de olhar para a diversidade como um assunto importante, pois estamos a falar de direitos humanos. Este guia pretende ajudar os jornalistas a fazer cobertura sobre estes assuntos e, consequentemente, incentivarem a sociedade a respeitar e a celebrar a diversidade.
Quais são os principais temas abordados no “Matadalan Jornalismo Inclusivo”?
Abordamos cinco temas principais: a deficiência, LGBTQIA+, género, etnia/raça e religião. Em cada tema, estabelecemos a diferença entre factos e mitos, incluindo a terminologia que os jornalistas devem usar, quando escrevem artigos sobre estes assuntos. Também apresentámos os dados estatísticos e as diferentes maneiras de fazer cobertura.
Reconheço que este livro ainda tem limitações, não está completo. Os jornalistas devem esforçar-se, pesquisar e aprender através da sua prática diária.
Como avalia a abordagem dos jornalistas timorenses sobre assuntos relacionados com pessoas com deficiência, comunidade LGBTQIA+, igualdade de género, etnia/raça e diversidade religiosa?
A cobertura dos jornalistas sobre estes assuntos ainda é mínima, uma vez que se limitam a cobrir eventos. Quando a comunidade LGBTQIA+ ou as mulheres realizam uma atividade para comemorar os seus dias nacionais ou mundiais, os jornalistas fazem cobertura. Porém, não escrevem sobre a vida diária das mulheres, dos LGBTQIA+ e das pessoas com deficiência. Não dão importância aos seus problemas diários, apenas escrevem quando há uma celebração.
A maioria da cobertura foca-se nos eventos e em questões políticas, uma vez que é a política de muitas redações. Para mudar este cenário, os órgãos de comunicação social precisam de uma nova política de redação.
Os jornalistas ainda não veem o assunto da igualde de género com seriedade. Por exemplo, anualmente o Parlamento Nacional discute o Orçamento Geral do Estado, mas nunca vi notícias que falem sobre o orçamento alocado para a questão de género. Para além disso, temos mulheres na vida militar, na polícia, na agricultura e seria interessante saber como trabalham nestas instituições e os problemas que enfrentam, mas não sabemos, porque os jornalistas não escrevem sobre isso.
Outra questão tem a ver com as pessoas com deficiência. Embora o Ministério da Educação tenha uma direção de educação inclusiva, os cidadãos com necessidades especiais ainda têm dificuldade em aceder à educação, porque as infraestruturas e materiais escolares bem como o currículo não estão adaptados às suas necessidades.
Em relação à etnia/raça e religião, em Manatuto existe a comunidade de Ilimano que, muitas vezes, é vítima de preconceito. Os jornalistas deveriam pesquisar sobre estas pessoas e escrever para que todos saibam como vivem e, assim, acabar de uma vez com os mitos. Também ouvimos dizer que as pessoas de Lorosa’e são desagradáveis comparando com as de Loromono. É um estereótipo ofensivo e difamatório e os jornalistas têm a função de o esclarecer.
Infelizmente, a abordagem dos media sobre estes assuntos ainda é escassa. No entanto, nestas questões, o Diligente faz um bom jornalismo e os outros jornalistas reconhecem esse trabalho.
“Os preconceitos sociais relacionados com a orientação sexual e identidade de género fazem com que as pessoas não se sintam confiantes para partilhar as suas experiências com os jornalistas”
Quais são os principais obstáculos à inclusão de grupos vulneráveis na cobertura nos meios de comunicação social timorenses?
As atitudes da sociedade representam um obstáculo ao trabalho jornalístico. Os jornalistas querem fazer cobertura sobre LGBTQIA+, mas algumas pessoas desta comunidade não querem revelar as suas histórias, por medo de represálias por parte de familiares e da sociedade. Os preconceitos sociais relacionados com a orientação sexual e identidade de género fazem com que as pessoas não se sintam confiantes para partilhar as suas experiências com os jornalistas.
Por outro lado, os órgãos de comunicação social não garantem fundos para os jornalistas que querem fazer cobertura sobre estes assuntos nos municípios. Conheço muitos jornalistas que têm boas ideias, mas não têm apoio. Alguns media, com vontade própria, fizeram cobertura nas áreas rurais.
Pode dar exemplos de práticas de jornalismo inclusivo bem-sucedidas em Timor-Leste?
Os produtos de alguns órgãos de comunicação social são muito bons, mas não os posso identificar, uma vez que os outros podem questionar. Os media que praticam bom jornalismo devem ser enaltecidos por parte do Conselho de Imprensa.
Que políticas públicas ou iniciativas governamentais poderiam apoiar melhor o jornalismo inclusivo no país?
Ouvi dizer que a Secretaria de Estado da Comunicação Social tem a sua política sobre jornalismo inclusivo, mas ainda não sei se ou como está a ser implementada. A Secretaria de Estado de Igualdade e Inclusão também não tem uma política sobre a inclusão nos media. Quando trabalhava na Secretária de Estado de Promoção da Igualdade, tínhamos um programa de sensibilização para a violência de género, através dos media, e desenvolvemos manuais para os jornalistas, porém, o plano não foi concretizado.
Quais são as suas expectativas para o futuro do jornalismo inclusivo em Timor?
Espero que os jornalistas realizem coberturas que deem uma imagem positiva da diversidade, para que a população encare as diferenças como algo normal e as respeitem. Os media devem criar espaço para os grupos mais vulneráveis partilharem as suas experiências e perspetivas, garantindo a participação de todos os cidadãos.
Que conselho quer dar aos jornalistas timorenses para que possam fazer um jornalismo cada vez mais inclusivo?
É importante os jornalistas estarem conscientes de que a sua profissão é semelhante à dos professores: educar as pessoas. Os jornalistas, como intelectuais que são, precisam de aprender e ler muito para melhorar os seus conhecimentos. Devem também criar boas relações com todas as pessoas para que não enfrentem dificuldades com as fontes.