COMÉRCIO

Negociantes nacionais dizem-se “prejudicados” por hegemonia de comércio estrangeiro e culpam Governo

Negociantes estrangeiros, maioritariamente de nacionalidade chinesa, dominam o comércio nas ruas de Díli/Foto: Diligente

Os negociantes de pequenas empresas em Timor-Leste mostram-se cada vez mais preocupados e céticos, relativamente ao aumento da presença de negociantes estrangeiros, sobretudo de nacionalidade chinesa, que segundo os comerciantes locais “estão a dominar as atividades comerciais na capital do país e até nos municípios”. A presença é considerada como uma “ameaça” para a vida das microempresas timorenses e, por isso, os negociantes timorenses exigem que o Governo limite as atividades de negócio das empresas estrangeiras, no sentido de evitar a falência e encerramento dos negócios mais pequenos e garantir a sobrevivência das empresas locais.

Quando nos deslocamos pela cidade de Díli, sobretudo em Audian, Bairro Pité, Becora, Comoro, Fatuhada e Hudi Laran, percebemos o aumento de atividades comerciais de cidadãos estrangeiros, comparativamente com o que se verificava há cerca de 10 anos. É evidente o crescente número de supermercados e pequenas lojas, cujos donos são, sobretudo, de nacionalidade chinesa e indiana.

O número de estabelecimentos estrangeiros em Hudi Laran é de tal forma elevado, que muitos timorenses já chamam a esta zona da capital “China Laran”.

Os pequenos empresários locais queixam-se da situação, por considerarem que está a “roubar-lhes” os clientes e pedem ao Governo que incentive os investidores estrangeiros a criarem indústrias e fábricas e não lojas iguais às que já existem.

Os negócios locais timorenses abrangem, maioritariamente, pequenos quiosques, negócio de subsistência para uma grande fatia da população timorense, que vende bens de primeira necessidade, de higiene e alimentares, saldo para telemóveis e, por vezes, roupas também. Espaços pequenos em que os clientes são, regra geral, atendidos do lado de fora.

Ao mesmo tempo e a curtas distâncias destes quiosques, às vezes, logo ali do outro lado da estrada, as ruas da capital e também dos municípios estão apinhadas de negociantes estrangeiros que vendem não só os mesmos produtos dos quiosques, como apresentam uma oferta incomensuravelmente maior.

Maria Soares, 39 anos, proprietária, há mais de cinco anos, de uma pequena loja em Taibessi, confessou ao Diligente que não se sente satisfeita com a presença alargada de comerciantes estrangeiros que hoje têm os seus negócios nos mesmos lugares onde já existiram lojas timorenses. “Estamos aqui a vender roupas e outros bens de primeira necessidade e os chineses também vendem as mesmas coisas, mas conseguem ter muito mais oferta do que nós”, lamentou.

Para a pequena empresária, trata-se de uma situação que gera “insegurança aos comerciantes timorenses, cuja sobrevivência depende dos seus negócios e não conseguem competir com os comerciantes estrangeiros”.

Ela e o marido têm de sustentar os quatro filhos com um rendimento diário bruto de 40 dólares, que serve maioritariamente para cobrir as despesas e resulta num lucro praticamente irrisório, insuficiente para suportar o sustento de uma família. “Não conseguimos lucrar mais, porque estamos rodeados de negociantes chineses, que oferecem uma grande variedade de produtos”. Nesse sentido, a proprietária defende que como as lojas maiores “têm uma quantidade muito maior de produtos do que os quiosques timorenses, que são mais familiares, conseguem fazer melhores preços”.

A negociante explicou ainda que os preços oferecidos na sua loja também são acessíveis e, muitas vezes, consegue até equipará-los aos preços praticados nas superfícies maiores, mas, mesmo assim, os compradores preferem as lojas dos investidores chineses. “Os produtos são comprados aos distribuidores e também vendemos a preços acessíveis, mas os compradores ignoram-nos, preferem as lojas chinesas”, afirmou indignada.

Os timorenses “habituaram-se a comprar nas lojas dos chineses, principalmente produtos tecnológicos”, acredita. As instalações “também são mais apelativas, as pessoas podem entrar, ver os produtos todos, escolher, enquanto nos quiosques timorenses, muitas vezes, só podem comprar a partir da rua”.

Já Aliça Marçal, 27 anos, dona de uma loja de necessidades básicas, em Hudi Laran, Díli, zona da capital onde se encontram várias lojas de comerciantes estrangeiros, revelou que o seu negócio tem tido problemas desde que o número dessas lojas aumentou. “Sinto-me preocupada com a presença dos negociantes estrangeiros, mas não podemos fazer nada, porque o nosso Governo autorizou e temos de competir com os investimentos internacionais, negócios que têm mais capital e nós sentimo-nos inferiores perante eles”.

A proprietária conta que para conseguir dinheiro suficiente para o mês tem, muitas vezes, de estender o horário de trabalho até à meia-noite. Normalmente, as lojas chinesas estão abertas entre as 8h e as 20h, então Aliça Marçal opta por manter a loja aberta até mais tarde. Mesmo assim, reconheceu que depois das 20h e até à meia-noite já não tem muitos compradores. “Estamos a tentar a nossa sorte na hora de descanso da maior parte das pessoas e lucramos muito menos”, confessou.

Ambas as negociantes dão a cara por todos os negociantes timorenses que querem que o Governo limite as permissões aos negócios estrangeiros, por considerarem que “o executivo tem a responsabilidade de garantir a sobrevivência das pequenas empresas timorenses e de controlar os estrangeiros que abrem negócios como os nossos e nos fazem concorrência. Caso contrário, não conseguiremos sobreviver”.

Negociantes locais sentem-se “desvalorizados”

Quiosque timorense em Bidau, Díli/Foto: Diligente

A questão dos comerciantes estrangeiros estarem a prejudicar os negócios nacionais é tema de conversa em todo o lado: na imprensa, nos debates públicos e no Parlamento Nacional. Em março, Josefa Alves, deputada da Fretilin, disse, no Parlamento, que “as empresas locais não têm criatividade e habilidade para o negócio”.

Segundo a mesma deputada “o Governo disponibiliza crédito para as empresas timorenses, mas os timorenses não pedem empréstimos para se capacitar financeiramente, o que torna mais fácil para as empresas estrangeiras abrir as suas atividades comerciais”.

Em resposta a estas declarações, a comerciante Aliça Marçal explica porque motivo não recorreu a empréstimos para criar o seu negócio: “Abri este negócio com quinhentos dólares americanos e não pedi dinheiro a ninguém”, porque apesar de saber que o Governo oferecia crédito a empreendedores, “não percebia bem como funcionava. Tive medo de que os juros fossem muito altos e quando não os conseguisse pagar, isso pudesse afetar o negócio”.

Para impedir situações como esta, o Instituto de Apoio ao Desenvolvimento Empresarial (IADE) disponibiliza cursos de formação para capacitação empresarial, que contemplam as fases mais iniciais como a construção de um plano de negócio. As formações de duas semanas são pagas, mas o valor máximo é de 50 dólares, no caso da frequência dos cursos de formação avançada. Existem ainda outros dois níveis, o básico e o intermédio. Esta é, no entanto, uma iniciativa que muitos dos aspirantes a empresários desconhecem, por falta de divulgação eficaz.

Relativamente às taxas de juros aplicadas nos empréstimos disponibilizados pelo Governo, não ultrapassam os 3% ao ano.

Os políticos “ao invés de procurarem medidas para resolver os problemas dos timorenses, culpam-nos por estarmos a tentar dar boas condições à nossa família. O Governo tem a responsabilidade de encorajar o nosso espírito de liderança e não de nos desmotivar”, sublinhou.

Já Maria Soares, no futuro, quer aumentar as vendas, mas não tem recursos financeiros para o fazer. Na sua perspetiva, o importante é que o Governo crie condições adequadas para os comerciantes timorenses, pois considera que se “o Governo não começar a dar importância aos comerciantes locais, a economia das famílias timorenses vai ressentir-se”, lamentou.

“Empresas estrangeiras utilizam identidades timorenses para conseguirem registar-se”

O presidente da Câmara do Comércio e Indústria de Timor-Leste (CCITL), Jorge Serrano, reconhece que o domínio dos negociantes estrangeiros no país é uma situação preocupante a que o Governo, através do Serviço de Registo e Verificação Empresarial (SERVE) tem de controlar.

“O SERVE precisa de controlar os comerciantes estrangeiros que abrem quiosques e lojas. A CCITL não quer, porém, fechar a porta às empresas estrangeiras que querem investir no país através de criação de indústria e fábricas para ajudar a economia.”

Segundo Jorge Serrano, “a CCITL também apurou que algumas empresas estrangeiras utilizam a identidade dos timorenses para conseguirem o registo no SERVE, quando, na realidade, os donos são estrangeiros. Esta situação acontece, porque os próprios timorenses, a troco de dinheiro, não se importam de ceder a sua identidade”.

O responsável avança ainda que “o número de estabelecimentos está a ultrapassar o número de consumidores e que o Governo deveria implementar medidas de distância obrigatória entre as lojas de, pelo menos, 10 metros”.

Apesar de Timor-Leste estar a implementar o mercado livre, o presidente da CCITL julga que o conceito não está a ser bem interpretado. “Temos de perceber o significado de mercado livre. Livre não significa que não existem regras”.

Serrano mostrou-se também preocupado com o alargamento da presença dos comerciantes estrangeiros aos municípios. “O Governo tem de controlar a proliferação dos estabelecimentos estrangeiros nos municípios para que não afetem os pequenos negócios nacionais. Todos os países têm as suas políticas de proteção e é preciso controlar estas empresas. Mesmo que sejamos vizinhos, amigos, quando convido alguém para a minha casa, senta-se na varanda ou na sala de visitas, não vai para o meu quarto”.

Por sua vez, o diretor executivo do Serviço de Registo e Verificação Empresarial (SERVE), Florêncio Sanches, acredita que o Governo de Timor-Leste, ao integrar a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), tem obrigação de respeitar o acordo do mercado livre. “A ASEAN não vai aceitar que limitemos a entrada de estrangeiros no mercado timorense. Foi feito um acordo e devemos cumpri-lo”.

Segundo Sanches, o principal problema das empresas locais tem a ver com a falta de capital para desenvolverem os seus negócios, o que faz com que, muitas vezes, os empresários timorenses sintam que não têm capacidade para competir com os estrangeiros. “O SERVE não pode colocar entraves aos empresários internacionais. Sugerimos que o Governo incentive os empresários locais, através de empréstimos”, destacou.

Relativamente às empresas chinesas espalhadas pelo país, o diretor do SERVE considera que deve existir uma “lei que defina os locais de atuação dos comerciantes estrangeiros, mas sem os limitar”.

Questionado sobre as empresas estrangeiros que usam a identidade de timorenses para procederem ao registo no SERVE, o diretor informou que a lei não proíbe os estrangeiros de terem uma sociedade com cidadãos nacionais. “A lei da atividade social e comercial no.10/2007 não impede que nenhuma pessoa possa assinar o ato de criação de uma empresa”.

“As empresas internacionais em Timor-Leste contribuem positivamente para a economia do país, porque arrendam os terrenos dos timorenses e pagam uma taxa de 10% do seu rendimento”, acrescentou.

De acordo com os dados a que o Diligente teve acesso, correspondentes ao período entre 2013 e 2023, o SERVE registou 124 empresas internacionais, em contraponto às 22600 empresas locais registadas em nome individual, número do qual fazem parte significativa, os quiosques e negócios similares.

Ver os comentários para o artigo

  1. Sera que esses negociantes chineses tem a “arvore das patacas”…?
    Facam o que eles fazem para conseguir o que eles conseguem. Sera necessario aprender chines ou mandarin? Acham que e mais facil do que o portugues?

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