No âmbito do Dia Internacional da Mulher, o Diligente entrevistou Natércia Martins, a primeira mulher a desempenhar funções como comandante da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL). Depois de ter sido a primeira mulher no cargo nos municípios de Liquiçá e de Ermera, foi nomeada, em dezembro do ano passado, pelo Comandante-Geral, Faustino da Costa, desta vez para ser a primeira mulher a exercer estas funções, em Díli.
A comandante recorda o seu percurso desde que começou a atuar na área da segurança pública, aborda desafios presentes e futuros e destaca o sentimento de conquista por poder inspirar mais mulheres com o seu exemplo.
Qual é a sua área de formação?
De 2001 a 2010, estive no Centro de Formação da Polícia, em Comoro, onde me especializei em treinamento policial. Formei-me também na área de estratégia e defesa militar, na Austrália, em dezembro do ano passado.
Como e quando surgiu a vontade de ser polícia?
Surgiu no início do ano de 1999. Naquela altura, assistia a todo o tipo de abusos e atos desumanos por parte dos militares indonésios para com as mulheres e crianças timorenses. A minha prima foi morta por militares indonésios.
Eu era ativista e fazia parte do conselho da solidariedade para representar os estudantes. Quando a situação em Díli começou a piorar, fui para Ermera, onde trabalhei com a Missão das Nações Unidas em Timor-Leste (UNAMET, em inglês).
Em Ermera, no suco Riheu, eu e cerca de 20 amigos andámos, de casa em casa, a tentar explicar a presença da Organização das Nações Unidas (ONU) em Timor-Leste. Desta forma, pretendíamos que o povo estivesse consciente da situação na altura para poder escolher a independência ou a integração. Neste grupo, eu era a mais nova. Tinha 19 anos e os meus amigos já tinham 25, 30 e 40 anos.
Na altura, as pessoas pró-integração, comandadas por interesses indonésios, começaram a identificar-nos e a nossa segurança ficou ameaçada. A ONU trouxe-nos, então, para Díli. Cá, cheguei a ver mulheres e crianças a chorar depois de um atentado das milícias timorenses pró-Indonésia aos refugiados na Faculdade de Ciências Sociais da UNTL. Todos estes acontecimentos levaram-me a optar por seguir esta carreira. Quero defender a justiça e o povo. Quero que todos tenham liberdade de escolher e de se sentirem seguros no seu próprio país.
“Eu era uma jovem revoltada com a ocupação indonésia. Na altura, o que passava pela minha cabeça era organizar movimentos contra a ocupação e trabalhar para que todos vivessem em segurança”
Os seus familiares sempre apoiaram a sua vontade de seguir carreira na área de segurança pública?
O meu pai apoiou a minha decisão, pois ele também foi militar do exército português e motorista quando Timor-Leste era uma colónia portuguesa, antes de 1975. A minha mãe não gostou muito da minha decisão, talvez por ter a noção do perigo pelo qual o meu pai já tinha passado, mas, com o tempo, acabou por respeitar a minha escolha.
Já depois do Referendo para a autodeterminação (no final de 1999), foi anunciada uma vaga para polícias. Para nos candidatarmos, tínhamos de preencher um formulário disponibilizado no centro de candidatura, em Ermera. Na altura, fui buscar este documento sem conhecimento dos meus pais, porque tinha receio que o meu pai não me deixasse. Ele sempre deixou claro que queria que eu continuasse os estudos por ainda ser muito nova para trabalhar.
Tinha 19 anos. No entanto, era uma jovem revoltada com a ocupação indonésia e, na altura, o que passava pela minha cabeça era organizar movimentos contra a ocupação e trabalhar para que todos vivessem em segurança.
Esperei até à noite para falar com os meus pais sobre a vaga e, quando estávamos a jantar, disse-lhes que tinha um formulário para me candidatar à polícia. O meu pai respondeu logo: “Boa! Vais seguir o meu caminho”, resposta que não esperava. Depois do jantar, ajudou-me a preencher o formulário todo.
Quais eram as condições para entrar na PNTL?
Naquela altura, não havia muitas exigências. Apenas duas condições: a primeira era ter boa condição física para poder realizar as atividades; a segunda, comprometer-se a servir a nação e a garantir a segurança do país. Na época, deram prioridade às mulheres, mas muitas pessoas “não viram com bons olhos” mulheres a exercer o cargo de polícia. Sempre que uma mulher queria seguir esta carreira, comentavam que o faziam “porque já ficaram com os malaes .”
Em alguma altura pensou desistir?
Nunca. Eu gosto de desafios, mesmo que ponham em causa a minha vida.
“Acredito que esta nomeação seja também o primeiro passo para mudar a imagem da mulher na sociedade timorense”
Em todo o processo de entrada na PNTL, qual foi o momento mais difícil?
O que eu sinto, às vezes, é que é um pouco difícil lidar com a falta de consideração entre membros da PNTL. Sinto que criamos obstáculos entre nós e temos de nos esforçar muito para os ultrapassar, mas não posso falar muito sobre isso. O importante é que estou a fazer a minha parte. Cumpro ordens, faço o meu trabalho e o mais importante de tudo é mostrar às minhas colegas, irmãs, filhas e a todas as mulheres que, quando queremos fazer a diferença para o interesse comum. Nunca podemos ter medo nem ficar desmotivadas com ameaças e críticas. Quando fazemos boas ações, existe sempre caminho para nós. Nunca podemos sentir que, pelo facto de sermos mulheres, não vamos conseguir conquistar nada.
Há quanto tempo desempenha funções na PNTL?
Comecei a trabalhar na PNTL em 2000. Há 23 anos que desempenho funções na segurança pública.
Em dezembro de 2022, foi nomeada comandante da PNTL do Município de Díli, tornando-se na primeira mulher a assumir essa função na capital do país. Como reagiu a essa nomeação e o que significou para si?
Senti orgulho, porque encorajo todas as mulheres a acreditarem sempre em si próprias. Acredito que esta nomeação é também o primeiro passo para mudar a imagem da mulher na sociedade timorense. Nunca podemos subestimar a nossa existência por falta de autoestima. Temos de ter orgulho em sermos mulheres.
Encarei esta nomeação como um desafio e um voto de confiança por parte do Comandante-geral, Faustino da Costa, que acredita em mim para garantir a segurança das pessoas que vivem e trabalham na capital do país.
Não é primeira vez que assumo este cargo. Fui comandante pela primeira vez no período de 2010 a 2015, no município de Liquiçá. A segunda vez entre 2016 e 2020, em Ermera. Em dezembro do ano passado, fui nomeada pelo Comandante-Geral, Faustino da Costa, para desempenhar as mesmas funções, mas, desta vez, na capital.
Teoricamente, a maioria dos homens reconhece e apoia a luta das mulheres na participação da vida política e organizacional, mas, na prática, subestimam-nos.
Relativamente ao apelo do Presidente da República, José Ramos Horta, para que fossem feitas mais nomeações de mulheres para cargos de chefia, acredita que foi um impulso à sua nomeação?
Sim, foi também uma chamada de atenção a todas as instituições para prepararem os seus recursos humanos, sobretudo as mulheres, pois, a área de formação e desenvolvimento dos recursos humanos ainda é dominada pelos homens. Portanto, considero que o apelo do Presidente da República foi um alerta para o Comando-Geral para que, no futuro, a preparação dos recursos humanos não se destine apenas aos homens mas também às mulheres, para que todos estejam em pé de igualdade na hora de competirem pelo mesmo cargo. Na verdade, muitas mulheres, mesmo sem formação, já demonstram um bom desempenho. Uma instituição só vai ter sucesso quando existir equilíbrio entre mulheres e homens, igualdade nas condições de trabalho e acesso à formação profissional. Caso contrário, as pessoas vão sempre questionar a capacidade dos seus líderes.
E enquanto mulher, qual a importância desta função ser desempenhada por si num país em que os cargos de poder são maioritariamente ocupados por homens?
Teoricamente, a maioria dos homens reconhece e apoia a luta das mulheres na participação da vida política e organizacional, mas, na prática, subestimam-nos. Assumir esta função é um passo importante para atingir a igualdade de género, mas claro que não podemos colocar uma mulher em cargos de liderança sem preparação. Sem isso é como darmos uma cadeira a mulher se sentar e depois cortarmos os quatro pés. De certeza que ela vai cair e não queremos isso. Queremos que tanto homens como mulheres tenham acesso à mesma educação e à mesma formação profissional.
“O tipo de preconceito é sempre de género, porque estamos inseridos numa cultura e mentalidade em que a desigualdade é normalizada, mas garanto que isso não vai prejudicar o meu trabalho.”
Considera que é mais difícil enquanto mulher desempenhar estas funções do que seria para um homem? Porquê?
Acho que, quando uma mulher se sente preparada, não é difícil desempenhar esta função de liderança, porque naturalmente as mulheres são boas gestoras e o facto de supostamente sermos mais sensíveis do que os homens só nos traz vantagens.
Os seus colegas na PNTL viram com bons olhos a nomeação de uma mulher para o cargo?
Os meus colegas duvidam mais de mim por eu ser mulher e chegam a tecer alguns comentários desagradáveis: “Será que uma comandante mulher pode resolver situações tão complexas como as que acontecem na capital?”. É normal que as pessoas duvidem das nossas capacidades. Todos querem uma boa liderança, mas o que eles deviam era questionar a minha ou a capacidade de qualquer pessoa, independentemente de ser homem ou mulher.
Já sofreu algum tipo de preconceito na PNTL por ser mulher?
Como já disse anteriormente, o tipo de preconceito é sempre de género, porque estamos inseridos numa cultura e mentalidade em que a desigualdade é normalizada, mas garanto que isso não vai prejudicar o meu trabalho.
Quantas mulheres existem atualmente a desempenhar funções na PNTL de Díli? São ainda muito menos do que homens?
Sim, podemos dizer que num total de 4 mil agentes da PNTL, 20% são mulheres.
Acha que, com o seu exemplo, ao alcançar este cargo de chefia da PNTL pode inspirar mais mulheres?
Sim, espero que, com a minha presença neste cargo de liderança, possa inspirar mais mulheres e também os pais a darem mais atenção à educação das suas filhas para que, no futuro, elas estejam preparadas para assumir cargos importantes e fazerem parte do processo de desenvolvimento do nosso país.
Quais são os principais desafios e metas para este novo ciclo que acabou de assumir?
A nossa meta é contribuir o máximo possível para que Díli se torne numa cidade mais segura e acolhedora para todas as pessoas, tanto para os moradores como trabalhadores, estudantes e visitantes. Para isso, temos aumentado a vigilância na cidade, mas só isso não chega. O desafio aqui é muito complexo. A segurança também depende da comunidade. O problema é que, com o número elevado de desemprego, as pessoas não fazem nada, gostam de participar em grupos de artes marciais, não frequentam a universidade e tudo isto representa um desafio muito complexo para a segurança. A violência doméstica e confrontos entre os grupos rivais é muito comum aqui. Existem muitos fatores que contribuem para o aumento da criminalidade, por exemplo, o desemprego, a cultura e a educação. Não acredito que as pessoas cometam crimes do nada. Trata-se de um problema social complexo.
Garantir a segurança na capital não é só responsabilidade da PNTL, é de todos nós. Precisamos de trabalhar em conjunto. Vamos fazer a nossa parte como sempre, mas precisamos também que os outros agentes façam a sua. Quando a educação é de qualidade, o desemprego vai diminuir e as pessoas vão estar ocupadas, consequentemente, não vão ter tempo para criar conflitos.
Que balanço faz deste segundo mês como comandante da PNTL de Díli?
Desde dezembro do ano passado, a taxa de criminalidade tem vindo a diminuir. Isso deve-se também aos encontros que temos promovido com os líderes das organizações de artes marciais e artes rituais. Atribuímos a estes grupos a responsabilidade de contribuírem para a segurança do país. Para isso, devem controlar os seus membros em cada suco para não criarem mais distúrbios. Desde então, os episódios de conflitos entre grupos de artes marciais têm vindo a diminuir. No futuro, vamos aproximar-nos mais destes grupos de modo a tentar perceber a origem do problema para que possamos trabalhar em conjunto para o resolver.
Quais são os principais desafios da PNTL a curto médio prazo?
Neste momento, como todos sabemos, estamos na época da festa democrática e a PNTL vai garantir que as campanhas eleitorais decorram dentro de normalidade e em segurança. O maior desafio durante esta período tem a ver com o envolvimento dos grupos de artes marciais nos partidos políticos, o que pode causar conflitos. Cabe também aos líderes dos partidos controlar os seus membros.
Tambem e necessario um sentido de bem querer, respeito mutuo e vontade ardente de estar na vida para muda-la positivamente.
A igualdade de direitos entre homens e mulheres e deveras salutar, mas como bom carpinteiro, eu uso um serrote antigo de 30 anos de idade. Trato bem dos dentes e ele acaba sempre oleado. Eu faco das tripas coracao, a noite muitas vezes choro baixinho, para choral mais a vontade. Parabens Natercia Martins TL precisa de muitas mais Natercias.