Mulheres: Emancipação é o caminho para libertação

Miguel Monsil/Foto: DR

Ninguém nasce mulher. Torna-se mulher pelas mãos da sociedade. (Simone de Beauvoir)

O feminismo quer construir uma ordem social justa entre mulheres e homens. As ideias de que “as mulheres também podem” (‘feto mós bele’) e de “mulheres fortes, nação forte” (‘feto forte, nasaun forte’) estão ligadas à participação feminina na política e sociedade, tornando-se a emancipação feminina uma face do feminismo. Essas ideias assentam na identificação do que contribuiu para a discriminação da mulher perante o homem e contrariam aquilo que é considerado o “destino” da mulher.

Já desde a Grécia Antiga que se definiam as mulheres como um “sexo secundário”. Segundo Aristóteles, as características das mulheres deviam ser vistas com as de uma natureza imperfeita. Santo Agostinho chegou a afirmar: “A mulher é um homem imperfeito”. Como ser humano, o homem era considerado mais perfeito do que a mulher. Os homens eram sujeitos e as mulheres objetos. Os homens primeiro e as mulheres em segundo. Os homens lideram e mulheres submetem-se. Os homens são donos e as mulheres servidoras.

Esta perceção é o centro do tratamento desigual que a sociedade fez dos dois géneros durante séculos. Os homens tinham liberdade para explorar o mundo, viver, aprender e se formar de acordo com os seus desejos e potencial. As mulheres tiveram de fazer face a diversas limitações e formaram-se para serem “serventes” dos homens.

Foi e ainda é a realidade no mundo e em Timor-Leste para muitas mulheres. Como filha, a menina não tinha liberdade de escolher ou brincar e sujeitava-se a adquirir uma educação tradicional, que passava por cozinhar, coser, tomar conta dos bebés e crianças, limpar ou tratar dos animais. Se tivessem tempos livres, eram impedidas de brincar com os meninos ou de fazerem o mesmo que eles. As tarefas destinadas às meninas ocupavam-lhes todo o tempo que tinham para explorar o seu potencial como seres humanos. A educação tradicional que receberam não as estimulou mentalmente e não as equipou para sobreviver na sociedade. Só lhes deu competências de subserviência em relação à família ou ao homem, se fossem casadas.

Nesta sociedade, as limitações impostas às mulheres eram também uma forma de cuidar da sua virgindade e fertilidade. A sociedade criou, enfim, um estatuto social para as mulheres através da virgindade, da capacidade de reproduzir ou de servir o homem. O cumprimento desses critérios conferia um alto estatuto social da mulher em relação às outras. Aquela que não cumprisse era vítima de bullying e considerada indigna de receber dote quando casava.

A restauração da independência de Timor-Leste ainda não pôs fim a esta realidade para muitas mulheres timorenses. Assim se explica que, para casarem, os homens tenham de dar à família da mulher o barlaque, pois os pais cuidaram dela desde criança. A be-manas (“água quente”, usada pela mulher para tomar banho depois do parto) e o ai-tukan (tronco de árvore, paus usados pelas mulheres que davam à luz para se aquecerem) são, entre outros, dois meios de ‘pagamento’ do favor dos pais em cuidar da filha, uma forma de lere dalan (“limpar o caminho”). São condições ligadas à capacidade de reprodução e de servir o homem como mercadoria com valor de troca. No “Texto de análise da situação da mulher Timor”, no Jornal do Povo Maubere de 1975, Rosa Muki refere:

O barlaque é um processo tradicional de casamento pelo qual o pretendente oferece aos pais da noiva bens materiais (gado, tecidos, terras, outros utensílios ou mesmo dinheiro, conforme as regiões) face aos quais decidirão pela entrega ou não da filha, transformando-a assim num mero objeto de compra e venda.

Com o mínimo de competências ganhas no seio familiar, formar família era um meio de a mulher reclamar as sua existência no mundo, transformando-se em propriedade do homem. Este procurava um meio de subsistência, trabalhando fora de casa, e a mulher trabalhava em casa. O dia a dia transformou-se num círculo vicioso, porque a mulher não usava muito a sua liberdade para entender, provar a sua capacidade e ganhar o seu mundo. Diminuiu, assim, o seu potencial e o espírito de coragem para se sentir como sujeito na sociedade

Economicamente, em alguns casos, o homem é o dono da herança da família: terrenos, casa, animais, bens da casa, mas também de filhos e esposa. Providencia alimentos, roupas e outras necessidades da mulher para que ela o sirva no seu máximo. Se ela não cumprir com a sua responsabilidade, o homem pode bater-lhe, considerando-se o ato um castigo ou forma de aprendizagem. Por isso, se considera a violência doméstica algo normal e surge o ditado: ‘a colher e prato batem um no outro’.

Por outro lado, homens ricos precisavam de mulheres e muitos filhos: trabalhadores sem salários que laboravam todos os dias para assegurarem a riqueza do pai. Se a mulher não conseguisse dar filhos que desenvolvessem a herança da família (criando gado, buscando água, trabalhando na várzea, caçando…), o homem casava com outras mulheres para conseguir mais filhos, praticando assim poligamia. Sobre esta questão, Muki disse:

Nas outras regiões em que a base de produção assenta essencialmente no trabalho das mulheres, pratica-se a poligamia. Neste campo, há que salientar a prática exagerada levada a cabo pelos régulos, latifundiários e grandes proprietários de terras, autoridades gentílicas.

Ao longo da história, criou-se a ideia de que as mulheres tinham de aceitar o seu destino. Rosa Muki e outros feministas não concordam com esta velha ideia e defendem que a discriminação das mulheres resulta de uma construção social.

Como seres biológicos, mulheres e homens têm duas diferenças principais: as mulheres têm um sistema reprodutor que lhes permite engravidar; os homens não têm essa possibilidade de engravidar. Fora essa diferença, mulheres e homens são iguais. Tudo o resto é construção social de uma sociedade patriarcal, obrigada e imposta às mulheres.

Por isso, os feministas criam e desenvolvem a ideia de emancipação das mulheres para que elas explorem o seu potencial como seres humanos e se formem. Não depender dos homens, partir à conquista do seu potencial e tomar as rédeas do seu destino são formas de luta contra a sociedade patriarcal.

Miguel Arcanjo Moniz da Silva (Miguel Monsil), 29 anos, formado em Química pela Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), é um ativista timorense que lidera a Aliança Maubere Nacional (AMN), um movimento que exige mais justiça social em Timor-Leste. Luta também contra a discriminação de género e pela emancipação das mulheres timorenses.

Array

Ver os comentários para o artigo

  1. Com todo o respeito, Timor Leste e os meus irmaos sao uma sociedade retrogada. Eu tenho 68 anos, nasci em Dili e desde 1975 que vivo fora do pais. TL e suas gentes continua sob influencia da cultura e sobretudo religiao. Ha que dar prioridade a EDUCACAO, EDUCACAO, EDUCACAO. A educacao e “PEDRA BASILAR” em toda e qualquer sociedade, seja em Timor ou na Conchichina. Com a minha experiencia de vida em TL, Portugal e Australia, digo-vos abertametamente que nem tudo e um “mar de rosas”, ha que balancar as coisas, no meio e que esta a virtude! Nem tanto ao mar nem tanto a Terra. We all need to find “the middle ground”.
    Nao se vai de A a Z num apice, temos de ir para o B, C, D………ate chegar ao Z. Leva tempo, Roma e Pavia nao se fizeram num so dia. Ha que ter paciencia, jogar as cartadas pacientetemente, mas ao fim do dia o meu mais humilde parecer e que as MULHERES tem tido um papel preponderante na vida quotidiana e o “Macho” nos, nao quer admitir por temer a tenacidade, capacidade, poder negociante do sexo feminino. E a razao e que nos sempre tivemos esse poder e, agora torna-se dificil dar a mao a palmatoria, dizer; mea culpa, mea culpa mea culpa!
    Em TL especialmente, muita MULHER, para alem de ser MAE, e pai, e o motor que poe a lococomotiva em andamento, ELA tem os filhos, ELA faz doces, gelo, ELA e por AMOR a empreendedora do casal! Que me desculpem os “machos” mas as verdades sao para ser ditas! No two ways about it. Eu estou casado faz 48 anos, com a mesma MULHER, uma MULHER TIMORENSE como eu, inteligente demais muitas vezes, artistica, malabarista, desenhadora de arquitectura, HUMANA que se quozesse concorrer a PM ou PR, possuia todos os requisitos de qualquer homem palhaco que tem ocupado o cargo ha mais de 20 anos. Mas a sua HUMILDADE e tanta que me faz envergonhar.
    Homem e homem, bicho e bicho!
    Viva as MULHERES SOFREDORAS deste mundo.
    Amo- as todas, a minha e todas as OUTRAS, como IRMAS!
    Talvez a introducao da AI (INTELIGENCIA ARTIFICIAL, seja o que mundo precise, “JUST JOKING”.

    LOVE YOUS ALL.

    Carlos Batista
    Escritor, poeta, folosofo de TL, acima de tudo HOMEM verdadeiro

  2. Emancipacao, libertacao!

    Para muitos um “chavao”
    Para mim, um bastiao
    Da emancipacao
    Da libertacao
    Da mulher em qualquer nacao
    A liberdade contra qualquer machao
    Sem coracao…
    Camoes, Eca de Queiroz, Jose Regio, Euzao,
    Sem contestacao
    A galinha enche o papo, de grao a grao

    Carlos Batista
    Inacio de Moura watch out!

  3. Uza tetun hakerek poema, deskulpa baraka, tetun lahos hau nian lian loron loron ne, hau barani!

    Emansipassun, libertasaun!

    Luta nebe Rai Doben funo ba libertasaun
    Povu nian emancipasaun
    Kontra Indonesia nia okupasaun
    Portugal nia kolonizasaun
    Mundo tomak nia indignasaun
    Povu Kiik nia ran no terus maka alo morris NASAUN
    Emansipasaun
    Libertasaun
    Hau hadomi Povu Kiik, adomi ita nian NASAUN

    Carlos Batista
    Pueta TL

  4. Now in english my adoptive language(ita mos bele)

    Freedom, emancipation!

    Freedom, emancipation
    A “dream” of any people, any nation
    To get rid of colonization
    Rightfully, but some times with “fermentation”
    Obstacles and humans aberration
    But in many cases solitude and abnegation
    The soldier on of a must” at a cost of inhalation
    Fighting all “pests” and it’s infestation
    Freedom, emancipation
    The end product of any people’s deservation

    Carlos Batista
    Poet from TL using Shakespeare mother tongue

  5. Na realidade a MULHER, manda no MACHO!

    Nao parece mas eu “ACHO”
    Nao querendo o homem deitar “ABAIXO”
    Nem querer ser “BOM” pelo “AGACHO”
    Sou HOMEM alto e nao “BAIXO”
    Se fosse uva era um belo “CACHO”
    Se fosse politico, nao era “FACHO”
    Sou homem, mas nunca fui “MACHO”
    Em comida, sou mexicano, sou “NACHO”
    Levo muita porrada mas nao RACHO
    A poesia para mim nao e um “TACHO”
    Na realidade, a MULHER, manda no “MACHO”
    Se ele nao obedece-la, vai dormir no…(imaginacao)

    Carlos Batista
    Poeta de TL, imaginativo, verdadeiro, sem papas na lingua, pau pra toda a obra

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?