Mulheres com deficiência em Timor-Leste continuam a viver num beco sem saída

Segundo o censo de 2022, existem 17.061 deficientes no país, dos quais 8544 são mulheres e 8517 são homens/Foto: Diligente

Associações que defendem o direito das cidadãs com alguma limitação denunciam casos de violência e reclamam da falta de transparência e de medidas das autoridades competentes para enfrentar os problemas.

Em Timor-Leste, as estatísticas oficiais do Governo sobre o índice de violência contra as cidadãs deficientes ainda são desconhecidas. Os abusos, insultos e maus-tratos, que não acontecem apenas dentro de casa, mas também no local de trabalho, tendem a ser desvalorizados e até normalizados por parte das entidades competentes, destacou a Associação Esperança das Mulheres com Deficiências (AEFD, em tétum).

De acordo com a diretora da associação, Madalena da Costa, verifica-se casos regulares de discriminação no atendimento público e os mais variados tipos de violência. Através da reivindicação do direito à acessibilidade e de justiça para as vítimas, Madalena da Costa, que nasceu com uma limitação nos braços, tenta mudar este cenário. Em 2021, decidiu, juntamente com dez mulheres, fundar a AEFD.

Segundo a diretora, grande parte das mulheres, por vergonha, não denunciam as situações de maus-tratos que sofrem. Ou quando o fazem, não levam o processo adiante, muitas vezes, por pressão familiar.

No ano passado, a AEFD recebeu queixas de quatro vítimas de violência, uma delas de abuso sexual cometido por um membro da comunidade e outras de violência doméstica. Porém, quando as acusações chegaram ao Ministério Público, as mulheres decidiram resolver o problema entre famílias e os casos foram arquivados.

Madalena da Costa, contudo, não deixa passar e partilhou com o Diligente uma experiência que ela própria teve de enfrentar no ano passado, quando foi vítima de assédio sexual no local de trabalho. “Recebi uma chamada telefónica de um colega de trabalho, dizendo que queria namorar comigo, e como prova disso, pretendia fazer uma videochamada para me mostrar o órgão genital”, contou.

Repugnada, fez queixa ao chefe, mas este não deu importância e não mostrou interesse em resolver o problema. “Fiquei preocupada e decidi levar o caso a tribunal. Fiz queixa no serviço de assistência legal para mulheres e crianças, Assistência Legal ba Feto no Labarik (ALFeLa), onde me ajudaram a apresentar a minha declaração ao Ministério Público. Lá, perguntaram-me se eu queria avançar com o caso ou não. Disse que sim e exigi justiça, mas até hoje, o caso ainda está no processo de investigação e o abusador está solto”, lamentou.

A fundadora lembrou que o artigo 21.º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste consagra princípios de igualdade e proteção. “O Estado, dentro das suas possibilidades, promove a proteção aos cidadãos portadores de deficiência, nos termos da lei”, consta no documento.

A Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que “as meninas e mulheres com deficiência são o alvo preferido de abusadores, por viverem em exclusão social, terem mobilidade limitada, não disporem de estruturas de apoio, enfrentarem barreiras comunicativas e sofrerem estigmas, o que as torna em presas fáceis.”

Falta de transparência e de medidas práticas

O responsável pelo empoderamento da Associação Deficiência Timor-Leste (ADTL), Evaristo da Conceição, referiu que “enquanto que em outros países, os dados sobre violência contra pessoas com deficiência são divulgados publicamente para que a sociedade seja alertada para a gravidade da situação, em Timor-Leste os dados são omitidos”.

No entanto, para Evaristo, “a falta de políticas públicas apropriadas demonstra bem como os cegos somos nós, porque não estamos atentos às dificuldades das pessoas com deficiência”, observou. Segundo o censo de 2022, existem 17.061 deficientes no país, dos quais 8.544 são mulheres e 8.517 são homens.

O Diligente tentou contactar o Procurador-Geral da República para aceder aos dados sobre os casos de violência contra as mulheres e meninas com alguma limitação, mas não obteve resposta até ao momento da publicação.

De acordo com a diretora-executiva da ALFeLa, Marcelina Amaral, os casos de agressão mais frequentes cometidos contra cidadãs com deficiência, e que a organização tem dado apoio legal, são relacionados com violência doméstica e abuso sexual de menores.

A ALFeLa é uma organização que apoia mulheres e crianças em Timor-Leste, facilitando o acesso a um sistema de justiça justo e formal, sem discriminação, através de assistência jurídica.

Marcelina Amaral afirmou que o Estado de Timor-Leste já ratificou a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, em 2022, que inclui todos os planos de ação e proteção, mas, na prática, não tem funcionado.

“Não basta criar leis, é necessário criar também condições, como capacitar mais recursos humanos na área jurídica para acelerar os casos no tribunal, educação inclusiva e obrigatória para todos os deficientes visuais, físicos, cognitivos, auditivos e outros. O atendimento público deve garantir que os seus funcionários sabem como receber utentes com alguma limitação”, enfatizou.

Em Timor-Leste, dados da ALFeLa revelam que quase 40% das pessoas do sexo feminino com mais de 15 anos são vítimas de violência. No entanto, de acordo com a investigação da referida associação, tanto as mulheres como muitos dos responsáveis pela aplicação da lei desconhecem os direitos das cidadãs, sobretudo os das vítimas.

Ver os comentários para o artigo

  1. E necessario campanhas de sensibilizacao para o Povo se inteirar das “regras do jogo”.
    Fazer leis para “ingles ver” e so meio caminho andado. Talvez os estudantes universitarios na area da justica, possam colmatar a outra metade, e a esse trabalho seja dado pontos para o exame? E so uma opiniao!

  2. A educacao especial e’uma organizada para atender especifica e exclusivamente alunos com determinadas necessidades especiais. Algumas escolas dedicam -se apenas a um tipo de necessidades enquanto outras se dedicam a varios o ensino especial tem Sido alvo de criticas por nao promover o convivio entre criancas especiais e as demais criancas por outro lado , a escola direciona para educacao especial conta com materias , equipamentos e professores especializados.

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