Passado mais de meio ano, a morte do padre Abito ainda é um mistério. A investigação mantém-se, os testemunhos do que aconteceu naquele dia são contraditórios e as pessoas têm receio de dar a cara e falar. No ar, ficam as suspeitas de ligações amorosas e crime.
22 de agosto de 2022, 19h30. No quadro branco do Seminário Maior de Fatumeta, em Díli, um aviso do padre Abito José Brites Casimiro, 36 anos, a informar da ausência para levar o pai, doente, ao Hospital Nacional Guido Valadares. Depois da consulta, levou-o a casa, em Bebonuk, e voltou ao seminário. No mesmo dia, saiu novamente, mas, desta vez, sem deixar nenhum aviso no quadro, uma imposição da instituição religiosa a todos os padres que ali moram, mas que, na segunda ausência do dia, o padre Abito não cumpriu.
Apenas o segurança do seminário sabia que o padre se tinha ausentado uma segunda vez, porque o viu sair, sem que, no entanto, este tenha dado alguma explicação para onde ia.
“Menos de uma hora depois, ouvimos dizer que o padre morreu”, contou ao Diligente um estudante daquele seminário que não quer ser identificado. A notícia da morte do padre Abito já se tinha espalhado rapidamente pelas redes sociais.
O órgão de comunicação social online Hatutan noticiou, a 23 de agosto de 2022, que, no dia da sua morte, o padre terá enviado uma mensagem do seu telemóvel a uma mulher a convidá-la para jantar num restaurante, em Dare.
As informações terão sido avançadas pela mulher em depoimento à Unidade de Trânsito da PNTL de Díli e partilhadas pelo Comandante daquela unidade, o inspetor Domingos Sarmento Gama, em declarações à publicação. Ainda de acordo com o artigo, a jovem informou as autoridades de que os dois terão feito o percurso de mota pela nova estrada (um acesso mais rápido a Dare), mas nunca chegaram ao restaurante. Anoiteceu e, segundo a mulher, decidiram voltar para Díli. Eram 20h.
Ao chegar à ponte, abaixo da casa de retiro de Dare, a mota despistou-se e embateu contra um muro, avançou no mesmo depoimento, no qual revelou ainda que terão ambos caído numa valeta. De acordo com a versão dos acontecimentos apresentada pela jovem, o padre terá batido com a cabeça no muro e ela, a mulher, com o peito no chão.
A mota da marca Yamaha, modelo Jupiter MX, não ficou danificada, pode ler-se na mesma notícia, acompanhada de uma foto da mota do Padre Abito, no parque da Unidade de Trânsito da PNTL de Díli, sem danos visíveis.
Abito e a mulher foram encontrados por pessoas que vivem perto do local do acidente e transportados, imediatamente, para o Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV). O Diligente apurou, junto dos moradores, que os dois terão sido levados na caixa aberta de uma carrinha Toyota Hilux, que ficou coberta de sangue por causa dos ferimentos do padre Abito. O Diligente tentou também averiguar, junto da comunidade que mora perto do lugar do acidente, quem conduzia o carro que os transportou para o Hospital, mas os habitantes recusaram-se a dar essa informação.
Numa outra publicação da Tatoli desse dia 23 de agosto, o mesmo comandante, Domingos Sarmento Gama, avançou: “A mulher que estava com o padre no momento do acidente encontra-se atualmente em casa, depois de receber tratamento no Hospital Nacional Guido Valadares por se queixar de dores no peito”.
No entanto, o Chefe do Departamento das Emergências do HNGV, o médico Eldegar Martins, em declarações ao Diligente, contradisse as informações prestadas pelo comandante da polícia, assegurando que apenas o padre Abito deu entrada nas urgências: “Foi no meu turno. Atendi só o padre, que já chegou morto e depois foi levado pela família para a morgue. Não deu entrada mais nenhuma acidentada”.
O Diligente pediu acesso ao registo de todas as entradas nas Urgências do HNGV no dia do acidente (22 de agosto), mas a consulta foi recusada pelo Departamento de Registos Médicos do hospital, sem qualquer justificação.
O Diligente obteve também declarações de uma amiga da jovem, que querendo manter-se no anonimato, revelou que a mulher que estava com o padre lhe terá contado que, a seguir ao acidente, ela e o sacerdote tinham sido transportados imediatamente para o hospital. “Disse-me que ela foi atendida nas urgências, porque estava a sentir uma dor no peito e o padre foi para a casa mortuária por já estar morto”.
Um dos habitantes de Dare, que não quer ser identificado, relatou ao Diligente que, no dia do acidente, saiu de casa às 19h para ir trabalhar. Viu duas pessoas e uma mota Jupiter MX (o mesmo modelo da mota do Padre Abito), parada num quiosque não muito longe de sua casa. “Quando cheguei ao trabalho, em Díli, vi numa publicação do Facebook a foto dessa mesma mota caída com o condutor ao lado morto. Reconheci a mota e a roupa. Assustei-me”.
A dona do mesmo quiosque contou ao Diligente que o padre e a jovem terão parado no seu estabelecimento para comprar água e rebuçados e que foram atendidos pelo seu filho: “Passados alguns minutos, disseram-nos que tinha havido um acidente e que o condutor tinha morrido. Eu e a minha filha fomos ao local do acidente, mas só vimos sangue. O corpo já tinha sido transportado para o hospital”.
Por considerar que se trata de um “caso obscuro”, o padre Jovito do Rêgo, representante da Igreja e da família do padre Abito no processo, pediu que o cadáver fosse autopsiado, adiantou a Hatutan na mesma notícia do dia 23 de agosto. “Este acidente é obscuro. Sabemos que o padre Abito conduzia devagar. Sabemos que há uma testemunha viva que estava com ele e não sofreu ferimentos. Por isso, pedimos que fosse feita a autópsia”, pode ler-se na publicação.
Ainda em agosto, o Departamento Forense do HNGV concluiu a autópsia e entregou o resultado à Polícia Científica de Investigação Criminal (PCIC). O cadáver foi, então, entregue à família e, no dia seguinte, levado para o Seminário Maior de Fatumeta e enterrado no cemitério dos padres, em Maloa, Díli.
A 31 de agosto, a PCIC entregou o resultado da autópsia e de todos os relatórios da investigação ao Ministério Público (MP). Porém, nenhuma informação foi revelada nem à família nem publicamente, uma vez que o processo estava em curso e em segredo de justiça.
De acordo com o jurista Armindo Moniz, os familiares não podem ser impedidos de acompanhar a investigação: “A família tem o direito de receber informações sobre o processo, principalmente o resultado da autópsia. A família tem o direito de saber”.
No número 1 do artigo 77.º do Código de Processo Penal de Timor-Leste, pode ler-se, relativamente aos processos em segredo de justiça: “O Ministério Público, o suspeito, o arguido e o lesado podem consultar os autos e obter certidão ou cópia do processo”. O número 2 do mesmo artigo dispõe: “Sempre que se verifique não ser legalmente possível satisfazer a pretensão, ficam tais atos dependentes de prévia autorização da autoridade judiciária que presidir à fase processual em curso”.
Passados mais de seis meses da morte do padre Abito, a investigação ainda não terminou e não há uma conclusão do que efetivamente aconteceu naquela noite fatídica de 22 de agosto. Mas todos – padres, seminaristas, amigos do sacerdote e da jovem e a comunidade de Dare – especulam sobre a causa do falecimento, que não atribuem a um acidente. Acreditam que o padre Abito e mulher mantinham uma relação amorosa.
Outras versões apontam para o facto de o falecido estar prestes a ser promovido para exercer funções na Arquidiocese de Díli, a partir de outubro de 2022, o que poderá ter gerado mal-estar em outros membros da Igreja Católica.
O Diligente soube por fontes ligadas ao processo que há elementos da Unidade de Trânsito da PNTL de Díli que temem, entretanto, “problemas com a Igreja”. Isto depois de um padre ter repreendido um membro daquela unidade por ter revelado à comunicação social que o padre Abito estava com uma mulher, quando o acidente aconteceu.
Há quem prefira defender teorias da conspiração. É o caso de um outro membro da Igreja Católica, que quis também manter o anonimato. Acredita que a morte do padre Abito “foi planeada por alguém que instruiu grupos de artes marciais para o fazer. Foram os mesmos que, em 2006, propuseram que a disciplina de Religião Moral e Católica deixasse de ser obrigatória no currículo escolar timorense”. Segundo esta perspetiva conspiracionista, o caso do Bispo Dom Ximenes Belo, acusado de pedofilia, a prisão do ex-padre norte-americano Richard Dashbach, condenado a 12 anos de prisão por crimes de abuso sexual a menores, no orfanato Topu Honis, em Oecusse, e a estranha morte do Padre Abito “são eventos interligados e fazem parte de um esquema para difamar a Igreja Católica em Timor-Leste”.
O clérigo prefere ignorar, contudo, que, no caso do ex-padre norte-americano, é do conhecimento público que confessou os crimes pelos quais foi condenado. Também em relação ao ex-bispo de Díli, Ximenes Belo, se sabe que o Vaticano impôs um conjunto de sanções disciplinares, que incluíram a proibição de contactar com menores ou de regressar a Timor-Leste.
“Marcas de golpes de catana no pescoço”
O Diligente tentou entrevistar o diretor da PCIC, que se recusou a prestar declarações, alegando que o caso continua em segredo de justiça. O MP também foi contactado, mas não houve nenhuma resposta ou esclarecimento até à data de publicação desta reportagem.
O diretor da Comissão da Justiça e Paz, padre Demétrio Xavier e o padre Jovito do Rêgo, enquanto representante da família e da Igreja, também rejeitaram comentar o caso, argumentando “terem receio de distorcer a justiça”.
“Não façam da justiça um segredo”, lamentou um dos familiares do falecido, que também não quer que seja revelada a identidade, queixando-se da demora do processo: “O MP já tem uma testemunha (a mulher que estava na mota com o padre), o resultado da autópsia e as declarações das pessoas que moram perto do lugar do acidente. Será que não é suficiente?”.
O familiar do padre exige que o MP revele, o quanto antes, o resultado da investigação, pois a família tem direito a saber: “Queremos saber se foi realmente um acidente ou se morreu por outro motivo”. O jovem acredita que o padre foi assassinado, porque, afirma, viu “marcas de golpes de catana no seu pescoço”.
Já outro membro da família do clérigo, que também teve receio de se identificar, revelou ao Diligente que o pai do sacerdote está perante um dilema: ouvir o que dizem os seus irmãos e restantes familiares ou ouvir a diocese e o MP. “A família está dividida. Por um lado, alguns familiares querem esperar o resultado da investigação do MP. Por outro, há outros que querem confrontar a mulher que o acompanhava naquela noite para saberem o que aconteceu e, se necessário, fazerem justiça pelas próprias mãos”, confessa.
O mesmo familiar disse ao Diligente que o MP lhe terá indicado, no dia 21 de novembro, que no prazo de 60 dias, ou seja, no dia 22 de janeiro, anunciaria o resultado da investigação à família, mas ainda nada foi revelado.
O Diligente consultou o Provedor dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ), Virgílio Guterres, que informou que o caso não foi registado na instituição: “Ninguém fez queixa à PDHJ e, por isso, não procedemos à fiscalização”.
A morte do padre Abito está envolta em mistério, disso não há dúvidas. O silêncio das instituições, as fontes que não querem ser identificadas por receio de represálias, as versões contraditórias do que aconteceu naquela noite de 22 de agosto e a família dividida refletem as “trevas” que envolvem o caso. Hoje, à semelhança do que apregoa a oração de São Francisco de Assis: “Onde houver trevas, que eu leve a luz” também a família do jovem de 36 anos continua a ansiar por uma luz que clarifique o que realmente aconteceu.
Um bom enredo para a primeira telenovela de TL!
Porque e que os meus conterraneos em TL, ainda nao comentaram? Divina intervencao?
Liberdade religiosa? Liberdade de expressao?
Segredo dos deuses?
Ou assunto privado como quando as mulheres levam porrada? Lixo? Curandeiro? Politicalmente incorrecto? Falta de tomates? No “karau dikur’?
Timorenses, meus irmaos, I LOVE YOU, so vos podereis mudar a situacao, vem ai a eleicao, mas isso nao mudara a situacao, podem mudar as moscas, mas a m**da vai see a mesma.
Como mudar perguntam? EDUCACAO!
Muito interessante a reportagem. Interferência da Igreja?