A mistura é usada desde os tempos antigos e assume um papel importante nos contextos sociais e culturais da sociedade timorense. Enquanto, para muitos, o hábito é inofensivo, para outros a masca prejudica a saúde. OMS classifica a noz de areca como cancerígena para risco de contrair cancro da boca.
Em Timor-Leste, tal como noutros países do mundo, é muito comum encontrar sorrisos vermelhos, manchados pela masca: uma mistura de bétel, areca e cal. Estes produtos são encontrados à venda em qualquer mercado tradicional timorense ou com os vendedores ambulantes que circulam pelos bairros.
Bétel é uma planta trepadeira nativa das regiões tropicais da Ásia do Sul e do Sudeste Asiático. As suas folhas contêm propriedades estimulantes, também encontradas na semente (noz) de palmeira de areca. Já a cal adicionada à conhecida mescla é responsável por facilitar a absorção desses componentes na boca. A cal é uma substância extraída das rochas de calcário ou das conchas de moluscos.
Além de proporcionar leves efeitos que despertam o ânimo (algo semelhante ao café), a composição com os três elementos também pode reduzir o apetite.
Numa quarta-feira, por volta das 9h, o Diligente, na tentativa de conhecer melhor a tradicional combinação, chega a casa de familiares, em Taibessi. Ali, sentadas na varanda a conversar, estão algumas mulheres mais velhas. À frente delas, numa pequena mesa, vemos folhas de bétel, areca seca e cal. “Mama lai” (‘Vem mascar’, em português), convidam.
Maria dos Santos, 50 anos, doméstica, e Domingas Fernandes, 52 vendedora num quiosque, são as senhoras que oferecem a mistura, que é aceite. Passados poucos segundos, uma explosão de sabores amargos e picantes invadem as papilas gustativas. O cuspo vem instintivamente, provocando o riso das mulheres.
Junto com os fortes gostos, uma sensação começa a fazer-se presente, como se estivesse a acordar os sentidos. O efeito, embora suave, favorece a conversação e ali ficamos a partilhar vivências, já todos com os dentes e boca pintados de vermelho.
O consumo de bétel, areca e cal é um hábito fundamental na vida destas duas mães. “Às vezes, enquanto espero pelo pequeno-almoço, masco. Não me sinto bem quando não o faço”, confessa Maria do Santos, enquanto cospe saliva avermelhada na garrafa de água embrulhada em plástico.
Acrescenta ainda que a composição têm um papel importante nas relações interpessoais, bem como no contexto cultural do país. “Estes produtos são oferecidos quando recebemos familiares e amigos, depois oferecemos café e chá. Nas cerimónias, os lia nain, donos da palavra, usam sempre a mistura para saudar e pedir a bênção e a proteção dos antepassados e da natureza”, explicou.
A doméstica, mãe de seis filhos, contou que o hábito começou com apenas 12 anos, por vontade própria. “Mascar faz parte da nossa cultura, os nossos avós e pais sempre o fizeram e nós imitamos”, contou. Realçou também que a masca melhora a sua concentração enquanto está a trabalhar. “Se não faço isso, sinto-me doente e não consigo fazer nada, nem mesmo conversar”.
As amigas defendem ainda que mastigar bétel, areca e cal ajuda a proteger os dentes, evitando dores e que caiam. “Tenho vergonha por ter a boca e os dentes desta cor, mas, ao mesmo tempo, fico feliz, porque ainda tenho a dentição completa e nunca tive dores de dentes”, observou Maria dos Santos.
Efeitos da masca para a saúde
Se para Maria e Domingas mascar bétel, areca e cal faz bem, para Aboni Timo, 33 anos, natural de Oecusse, a história é outra. O funcionário de limpeza afirmou que o costume trouxe malefícios para a sua saúde – no caso, perda excessiva de peso.
Aboni Timo contou ao Diligente que, quando mascava regularmente e fumava, não tinha vontade de comer. “Cheguei a pesar 44 quilos e tinha problemas de estômago. Em 2021, comecei a reduzir o consumo da mistura, usando, no máximo, duas vezes por semana e comecei a sentir-me mais saudável. Hoje, não utilizo mais. Os meus dentes estão brancos, já não tenho feridas na língua e tenho mais apetite”, partilhou.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), há dez anos, colocou a noz de areca na lista de alimentos cancerígenos, alertando que o seu consumo está ligado à ocorrência de cancro da boca. A OMS ressalta ainda que, em muitos casos, além da cal, a noz é mascada com a adição de tabaco – o que agrava os riscos para a saúde.
O diretor-executivo da Aliança Nacional do Controlo de Tabaco de Timor-Leste (ANCTL), Sancho Belito Fernandes, explicou que, na sociedade timorense, há um forte costume de se consumir tabaco tradicional depois de mascar bétel, areca e cal. O referido comportamento, ponderou o diretor, não deveria ser frequente.
“Temos de desenvolver um regulamento para o uso de tabaco juntamente com a masca. Pode acontecer nas cerimónias tracionais, mas não deve ser um hábito. Caso contrário, o impacto para a saúde pública será terrível”, observou.
Segundo o diretor da ANCTL, o uso do bétel, areca e cal, com tabaco ou não, é prejudicial para a saúde oral. “Não há dúvida de que a masca prejudica os dentes. E muitos timorenses estão viciados no tabaco e na masca. É preciso promover um estilo de vida saudável”, realçou.
Uma alternativa, talvez, para o uso da tradicional mistura seja a prudência. Há mais de uma década, a artesã de Ataúro, Rosa Gonçalves, 44 anos, utiliza a mescla, no máximo, uma vez ao dia e diz estar plenamente saudável. Os seus dentes estão inteiros.
Quando tem o fim da tarde livre e está em casa, senta-se na sua varanda e pega um pequeno estojo que contém folhas de bétel, areca e cal. Com cuidado e reverência, prepara a combinação, escolhendo as folhas mais tenras e selecionando as nozes maduras. Usa apenas uma pequena quantidade de cal. A artesã mastiga lentamente a mescla, saboreando cada mordida. Não sente a necessidade de exagerar, pois a prática, em moderação, proporciona-lhe um sentido de conexão com as suas raízes culturais e uma sensação de tranquilidade. Não há pressa: o ato de mascar acaba por ser um ritual que a ajuda a refletir sobre a sua vida e a apreciar a beleza da natureza à sua volta.