Maria Madeira destaca a luta das mulheres timorenses na Bienal de Veneza

Representado pela artista visual contemporânea, Timor-Leste participa pela primeira vez num dos eventos artísticos de maior prestígio a nível mundial.

Timor-Leste vai marcar presença, pela primeira vez, em Itália, na Bienal de Veneza – um dos eventos de arte de maior prestígio a nível mundial. A artista visual timorense Maria Madeira vai representar a nação com uma exposição sobre a luta das mulheres timorenses pela sua independência.

Realizado desde 1895, de dois em dois anos, o evento internacional chega à sua sexagésima edição este ano e acontece de 20 de abril a 24 de novembro.

Além de Maria Madeira, uma equipa formada por professores da área artística e profissionais viajará para Itália a 26 de janeiro para começar a preparar o pavilhão onde a artista irá expor as suas obras. A iniciativa contou com o apoio do Governo de Timor-Leste, que alocou 500 mil dólares para a exposição.

Com um currículo de mais de 30 exibições em diversos países como Austrália, Portugal, Brasil, Macau, Indonésia e Timor-Leste, Maria Madeira diz sentir-se orgulhosa por poder representar o seu país na Bienal de Veneza. “Este é só um passo para mim, mas é um grande passo para o futuro da arte contemporânea timorense, porque o mundo vai ver que há muita arte a ser produzida aqui”, realçou.

Atualmente, as obras de Maria Madeira estão expostas na Fundação Oriente, onde ficarão até ao fim deste mês. O material é uma amostra do que será exibido na Bienal de Veneza. O pavilhão reservado a Timor-Leste vai contar também com peças de outros artistas do país.

Os trabalhos de Maria Madeira são marcados pela temática da emancipação feminina. “Beije e não fale” é uma das suas obras mais impactantes, sendo o reflexo de uma situação real do tempo da ocupação indonésia, em que os militares violavam as mulheres timorenses, obrigavam-nas a colocar batom e a beijar a parede para que eles contabilizassem o número de violadas.

Mostra de obras da artista pode ser visitada até ao final de janeiro na Fundação Oriente /Foto: Diligente

Numa outra tela intitulada “Onde está a minha Independência?”, Maria Madeira utiliza masca de bétel, areca e cal para pintar flores, e, com uma linha de costura, cria cercas sobre a pintura – criticando a falta de liberdade das mulheres em Timor-Leste. A artista sente que mesmo depois da restauração da independência (a 20 de maio de 2002), as cidadãs do país permanecem presas à cultura, sendo que a maioria delas nunca é dona de si própria. Antes de casar, é propriedade do pai, dos tios e dos irmãos. Depois de contrair matrimónio, passa a pertencer ao seu marido e à família dele.

“As mulheres são criadas para serem estrangeiras na sua própria família. No passado, enquanto os homens usavam armas, nós usávamos o nosso corpo para lutar. Isto é o meu foco na Bienal de Veneza”, salientou. A artista acrescentou que as mulheres timorenses são lutadoras e que “o mundo deve saber que somos fortes”.

Para compor as suas obras, Maria Madeira usa materiais tradicionais, sendo o tais o seu preferido, “porque é totalmente feito por mulheres”.

Pioneira de oportunidades internacionais para timorenses

Fazem parte da equipa de Timor-Leste Natalie King, professora na Universidade de Melbourne e curadora do pavilhão timorense, e Anna Schwartz, diretora da galeria Anna Schwartz, também em Melbourne, como consultora do projeto.

“A Bienal de Veneza é considerada as olimpíadas do mundo artístico, tratando-se de um intercâmbio cultural e intelectual. O evento é líder mundial no que diz respeito à exposição das situações atuais de cada nação a partir da arte contemporânea”, realçou a curadora.

Em todas as edições da Bienal, atribuem-se prémios às diferentes secções, sendo que Timor-Leste tem esperança de ganhar o Leão de Ouro, o prémio mais importante.

Natalie King, que já foi curadora de duas exposições na Bienal de Veneza, considera que Maria Madeira abriu caminho para que outros artistas, no futuro, possam representar o país no evento italiano.

“Maria é uma artista muito criativa, trabalhando com histórias poéticas de dor e tristeza, mas também de esperança e cura. É isto que queremos levar à Bienal de Veneza, juntamente com os elementos tradicionais que ela incorpora nas suas obras”, frisou a curadora.

Para além do olhar atento dos especialistas do mundo das artes, o trabalho de Maria Madeira encontra eco junto de diversas de pessoas. “Não há palavras para descrever a Maria Madeira. Já é a terceira vez que a ouço e chorei, porque me identifico com a sua história”, contou, entre lágrimas, Diana Almeida, enfermeira reformada, que marcou presença na Fundação Oriente, no primeiro evento do Hasoru Malu Art Club de 2024, que aconteceu na terça-feira (16.01), sobre a participação da artista timorense na Bienal de Veneza.

Quando era criança, para escapar da violência da ocupação indonésia, Maria Madeira mudou-se com a família de Timor-Leste para Portugal. Lá, viveram alguns anos em um campo de refugiados, até aparecer uma oportunidade oferecida pela Austrália e então se migraram para o país. Maria Madeira, atualmente, tem residências na Austrália e em Timor-Leste.

O presidente da associação Arte Moris, Iliwato Dana Bere, mostrou-se contente por Timor-Leste ser representado por uma mulher. “Maria Madeira tem capacidade, qualidade e conhecimento profundo sobre arte. Espero que, nas próximas edições da Bienal, os artistas timorenses que nunca saíram do país também possam ter esta oportunidade”, observou.

Para Iliwato Bere, o maior desafio dos artistas visuais em Timor-Leste é a falta de uma galeria e lamenta que as obras de arte, muitas vezes, não sejam valorizadas no país. “A maioria das aquisições de peças de arte é feita por estrangeiros e por pessoas com bons cargos e salários, como ministros e deputados”, sublinhou.

O secretário de Estado da Arte e Cultura e comissário de Timor-Leste para a Bienal de Veneza, Jorge Cristóvão, informou que a ex-casa Europa vai ser transformada em um Centro Cultural Nacional, acolhendo artistas das mais diversas áreas. “O Ministério da Justiça atribuiu-nos o espaço há pouco tempo, então ainda estamos a preparar o orçamento”, argumentou.

Jorge Cristóvão acrescentou que uma das medidas do Governo para desenvolver a arte e a cultura é promover uma maior participação de artistas timorenses em eventos e festivais internacionais. “Queremos que os novos artistas desenvolvam o seu talento. Para isso, o Governo vai dar-lhes oportunidades de representarem o país no estrangeiro”, concluiu.

Maria Madeira encoraja os artistas timorenses a terem autoconfiança e a experimentarem diferentes tipos de arte, de forma a encontrarem a sua própria identidade artística e serem únicos, porque, segundo ela, “a arte não é uma competição, mas é o que une as pessoas”.

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  1. Desejo-te tudo de bom!
    Conheco-te desde o nosso tempo de refugio no seminario de Lalian em Atambua, eras crianca na altura e fazes-me orgulhar das mulheres de Timor e da sua luta. A mulher de TL sofreu e sofre muito e tu “Saozinha” es uma “lufada de ar fresco”.
    Com todo o respeito.

  2. SAOZINHA, (MARIA), TU ES A LUZ QUE ALUMIA!

    Pra mulher de TL, es a luz que alumia
    De noite ou de dia
    Pra nos es um “bom dia”
    Fazes-me lembrar o canto da cotovia
    A arvore “Aiseria”
    Gata abandonada que mia
    Uma das poucas pessoas que se confia
    A pintainha que pia
    Faz muitos anos que nao te via
    A verdade das tuas pinturas, “arrepia”
    LOVE YOU, ate outro dia

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