“Mar de lixo” nas praias e ruas de Metiaut

Metiaut transformou-se numa lixeira a céu aberto/Foto:DR

Das ruas à beira-mar de Metiaut e em direção a uma das zonas mais turísticas da cidade, a praia da Areia Branca, o lixo está por toda a parte. Os resíduos têm vindo a acumular-se desde dezembro do último ano na zona costeira de Díli, mais especificamente no posto administrativo do Cristo Rei. Moradores, turistas, visitantes e comerciantes são obrigados a viver rodeados do que se pode chamar uma lixeira a céu aberto que cresce de dia para dia.

Os resíduos depositados na zona balnear de Díli transformaram um dos maiores cartões de visita da capital do país na zona mais suja da cidade. Garrafas de água, panos , lixo orgânico, embalagens, caixas, papéis, plásticos, latas de refrigerantes, pneus velhos, metais enferrujados, garrafas de óleo, vidros partidos. É possível encontrar todo o tipo de lixo. “Toda esta poluição é um grande desrespeito, não apenas para quem vive no bairro e tem de conviver com maus cheiros, insetos e outros bichos, mas também para todos os cidadãos. Este problema impede o lazer de muitas famílias e prejudica os negócios daqueles que trabalham nos restaurantes ou em outros pontos de comércio”, lamenta um professor residente em Metiaut, que não se quis identificar.

“Há mais de um mês que não aparece ninguém para limpar”

O morador relata que, antes do final do ano passado, ainda “via trabalhadores a recolher o lixo, mas já há mais de um mês que ninguém aparece para limpar. Indignado com a acumulação de poluentes, atribui responsabilidades às autoridades públicas e ao Governo, que “não investem na educação cívica e não se interessam em manter a regularidade dos serviços de limpeza”.

De acordo com a presidente da Autoridade Municipal de Díli (AMD), Guilhermina Saldanha, a empresa responsável pela recolha de lixo na zona de Metiaut, mais precisamente nos pontos onde existem contentores, é a LABILAY. A responsável garante que “a recolha é feita de segunda-feira a sábado, três vezes por dia. Ao domingo, é recolhido duas vezes, afirma.

Quem visita esta zona pode ver que o lixo está por recolher nos pontos próprios para o efeito, mas também muito para além desses locais, espalhando-se pelas estradas, portas dos estabelecimentos comerciais e casas ao longo de toda a extensão de Metiaut até à Areia Branca.

Relativamente à recolha fora dos espaços onde existem contentores, a presidente da AMD assegura que, para além do trabalho da LABILAY, está também a decorrer, todas as sextas-feiras, um serviço de limpeza levado a cabo pelos funcionários públicos, de acordo com as orientações do Plano da Autoridade Municipal.

Apesar disso, Guilhermina Saldanha confirma que a Autoridade Municipal tem recebido queixas da comunidade sobre a falta de recolha do lixo.

“O novo ano civil implicou o atraso dos contratos dos funcionários de limpeza, porque o orçamento para a gestão de lixo ainda está a ser processado”

Em declarações ao Diligente, o administrador do posto administrativo do Cristo Rei, Venâncio Tavares, explicou que “o novo ano civil implicou o atraso dos contratos dos funcionários de limpeza, porque o orçamento para a gestão de lixo ainda está a ser processado”.

O administrador explica que, em 2022, o Governo “contratou pessoal de limpeza da cidade, mas o contrato terminou no dia 31 de dezembro”. Agora, “apesar de já termos o nosso Programa Mão de Obra do Posto Administrativo (PMOPA), ainda estamos à espera do financiamento previsto no Orçamento para o podermos executar”.

O contrato que assegurava a limpeza terminou em dezembro de 2022 e ainda não foi renovado/Foto:DR

O PMOPA “consiste na transferência de subvenções públicas para os Postos Administrativos destinadas a realizar pequenos trabalhos de manutenção ou melhoria nas sedes do Posto Administrativo, nos jardins, nas infraestruturas de saneamento e outras de utilização comum e das demais intervenções decorrentes de situações que coloquem em risco a segurança de pessoas e bens, a segurança ambiental, florestal e de higiene, as infraestruturas rurais, culturais e turísticas, situadas dentro da área de circunscrição do respetivo Posto Administrativo”, pode ler-se no diploma n.º17/2022. “As subvenções públicas são financiadas pelo Orçamento Geral do Estado através de dotações inscritas nos orçamentos das Administrações Municipais e Autoridades Municipais sob a categoria de transferências públicas”, refere o documento.

Uma vez que que o contrato de serviços de limpeza previsto pelo PMOPA ainda não foi retomado, o lixo tem vindo a acumular-se há mais de um mês. O administrador admite o problema, mas, por outro lado, apela também à comunidade para ter mais consciência, realçando a importância de haver um esforço coletivo para manter a cidade limpa. “Todos nós temos de contribuir. É uma responsabilidade de todos”.

Por sua vez, a diretora nacional do Centro de Educação e Informação Ambiental (CEIA), Aménica Fernandes, alerta para os riscos de saúde associados à dimensão de resíduos espalhados pela zona. “Em Metiaut, o risco é maior na época das chuvas, porque essa água entra nas garrafas vazias e mistura-se com a água dos esgotos, o que atrai mosquitos que podem transmitir doenças como a dengue ou causar diarreia”.

Bonifácio de Jesus, médico geral, afirma que o número de casos de dengue tem vindo a aumentar em Timor-Leste, mas também outras doenças, como infeções respiratórias e intestinais. “O lixo torna-se a casa de bactérias, vírus, parasitas que habitam nos mesmos locais onde as pessoas vivem ou fazem o seu dia a dia”. Outro problema grave é “existirem muitos animais, nomeadamente vacas criadas para consumo alimentar, que se alimentam do que encontram nessas lixeiras a céu aberto e que acabam por ser portadores de doenças para os seres humanos”.

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As vacas criadas para consumo alimentam-se dos restos de comida que encontram no lixo/ Foto:DR

Os insetos, a poeira que transporta microrganismos, o mau cheiro e o gás que resulta da decomposição da matéria orgânica agravam a qualidade do ar, num  país que apresenta um nível de poluição do ar quatro vezes maior do que o valor de referência, um problema responsável por 38% das mortes por doença cardíaca, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Culpabilizam a sociedade pela falta de consciência ambiental, mas, com a fome e o desemprego que temos no país, ninguém consegue ter consciência de nada”

Aquelino Boavida, morador e proprietário de um quiosque (pequena loja) em Metiaut, está consciente dos riscos da proximidade diária com o lixo e dos problemas sérios que representa para a saúde da população. O comerciante enfatiza que “a comunicação social aborda muitas vezes o problema do lixo, mas ninguém quer saber”. Algumas autoridades “ culpabilizam a sociedade pela falta de consciência ambiental, mas, com a fome e o desemprego que temos no país, ninguém consegue ter consciência de nada”, afirma com alguma revolta.

O problema da poluição em Timor-Leste não é de agora e estende-se a todo o país. No Plano Estratégico de Desenvolvimento 2011-2030 pode ler-se, relativamente ao setor do turismo, que “o Estado reconhece a necessidade de preservar e valorizar os recursos naturais” e, para isso, “deve promover ações de defesa do meio ambiente”. O plano estabelece que “serão fornecidos caixotes de lixo às famílias para a recolha de resíduos” e que “será desenvolvido um esquema de reciclagem para as garrafas de plástico que impedem o escoamento, entopem os nossos esgotos e acabam por dar à costa, nas praias timorenses, que de outra forma seriam imaculadas ”.

De acordo com Hermínio Moniz Ribeiro, diretor do Departamento de Saneamento de Díli, existem atualmente 357 pontos de depósito e recolha de lixo, número que considera “suficiente” num país onde, segundo dados de 2020 do Ministério da Administração Estatal, se produzem diariamente 220 toneladas de resíduos.

As palavras do diretor contrastam com a falta evidente de locais adequados para depositar o lixo, um dos problemas mais graves em Timor-Leste e uma situação à vista de todos. Além do número reduzido de contentores, são muitos os cidadãos que escolhem colocar o lixo ao lado dos contentores, em vez de o fazerem no local próprio.

Dados do Banco de Desenvolvimento Asiático revelam que Timor-Leste, um país com pouco mais de 1 milhão e 300 mil habitantes, produziu, em 2018, praticamente 80 toneladas de resíduos plásticos por dia. A maioria desse lixo acaba por ser queimado ou despejado no mar, que, enquanto não forem tomadas medidas eficazes pelas entidades competentes, vai continuar a ser indefinidamente um “mar de lixo”.

Ver os comentários para o artigo

  1. Que preocupante.

    “Culpabilizam a sociedade pela falta de consciência ambiental, mas com a fome e o desemprego que temos no país, ninguém consegue ter consciência de nada”. este senhor tem razão.

  2. Sim, infelizmente também testemunhei que na zona da Areia Branca, o cartão de visita, é um mar de lixo…
    Percebe-se que falham os serviços e a educação ambiental..Já vi voluntários a limpar,mas não resolve o problema de fundo: educação cívica e serviços regulares de limpeza.
    As demoras burocráticas relatadas no artigo não convencem quando o problema é a saúde das pessoas.
    Na zona há cartazes que alertam para os perigos. .Mas quantos os conseguem ler e entender ?

    Impressionante é ver como as pessoas se sentam no areal a comer no meio das lixeiras em redor e largam aí também o seu contributo…
    Degradante,perigoso e vergonhoso!

  3. A educacao e parte integrante de qualquer cultura. A cultura sem educacao e um vazio, um oco, e um desperdicio.
    A cultura e a educacao tem de ser irma gemeas!

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