Manuel Marques quer fazer da Escola Portuguesa de Díli uma instituição de “referência pelo exemplo”

Manuel Marques: “A escola tem de ensinar que, para termos alguma coisa na vida, temos de nos esforçar e trabalhar, construindo o ser humano como um todo” /Foto: Diligente

O diretor da EPD sonha em implementar o regime de ensino a tempo inteiro e pretende avançar com projetos relacionados com a educação ambiental e saúde. Também informou que irá a Lisboa em breve para saber mais detalhes sobre a construção das novas instalações da instituição, com vista à ampliação de vagas.

Fundada em 2002, ano da restauração da democracia em Timor-Leste, a Escola Portuguesa de Díli (EPD) ainda enfrenta dificuldades em implementar um regime a tempo inteiro de aprendizagem por falta de salas de aula.

Para cumprir a legislação portuguesa, que determina que o número médio de estudantes por turma deve ser de 25 alunos para o pré-escolar, 26 para o 1º, 2º e 3.º ciclos e 30 para o secundário, a EPD decidiu abrir apenas 70 vagas neste ano. A instituição tem 1.310 alunos, divididos em 51 turmas, funcionando em blocos, de manhã e à tarde.

Com o terreno, concedido pelo Governo timorense, em Caicoli, para a construção das novas instalações da EPD,  o diretor da instituição, Manuel Alexandre Alvelos Marques, no cargo desde março deste ano, vê com bons olhos a possibilidade de ampliar o número de vagas e ter uma escola com “entre dois a três mil alunos”.

Nesta segunda entrevista ao Diligente, o diretor falou ainda do projeto para o reforço do ensino da língua portuguesa e dos planos para desenvolver iniciativas relacionadas com a educação ambiental e saúde. “Quero que a nossa escola seja uma escola de referência pelo exemplo”, destacou.

Pode contar-nos o que mudou na EPD nestes seis meses em que é diretor?

Mudou muita coisa. Uma das mudanças foi a questão do excesso populacional dos alunos no pré-escolar. Reduzimos as vagas para que pudéssemos ter capacidade de ensinar e de disponibilizar turmas boas para os nossos alunos. Se tivermos equipamento e uma escola que nos permita ter entre dois a três mil alunos, poderemos admitir mais estudantes.

Por outro lado, construímos duas salas para albergar turmas do 1.º ciclo, porque o número de turmas aumenta de ano para ano. Por isso, é preciso ter algum controlo na entrada de estudantes para deixar de haver tanta pressão para aumentar turmas no 1.º ciclo.

Construímos uma abertura na rua de trás para podermos ter acesso em duas ruas diferentes, o que nos permite um controlo mais efetivo, tendo uma maior fluidez de trânsito à volta da escola nas horas de entrada e saída.

Como foi a inscrição para este ano? Quantos alunos estão em lista de espera atualmente?

Nós tivemos 480 inscrições e, quando fizemos as contas, só tínhamos 70 vagas por falta de salas de aula. Tentei que todos os pais que pediram para falar comigo entendessem que é impossível admitir 480 crianças num espaço onde só cabem 70. Se a escola conseguisse absorver toda a gente, teria mais 16 turmas. Em vez de 10, teria 26.

Esses 70 alunos foram criteriosamente escolhidos e passaram por entrevistas que determinaram se poderiam entrar na escola pelo facto de terem ou não algum entendimento da língua. Foi tudo feito de maneira clara e transparente, obedecendo à legislação e ao regulamento interno da escola.

Se há critérios de seleção, naturalmente há pessoas que ficam na terceira prioridade. E até pode ser um aluno muito inteligente que a escola gostaria de ter, mas não pode entrar por causa dos critérios. O ideal seria admitir toda a gente. O problema aqui é o número, não é o critério de entrada.

Quais foram os critérios de seleção?

Os critérios estão na página da escola e no regulamento interno, que é público e está no online. Não alterei nada, foram copiados da legislação portuguesa. Diz aqui: “Na admissão das crianças, têm prioridade, sucessivamente, as crianças de nacionalidade portuguesa, nacionalidade timorense e outras nacionalidades; filhos de pessoal docente e não docente; irmãos de crianças e alunos que já frequentam a escola”.

O critério de ter irmãos que falam ou sabem português e que já andem aqui é um bocadinho desajustado à realidade timorense. É aplicável em Portugal, mas não aqui, porque a dificuldade é diferente. É difícil o primeiro filho entrar na EPD devido a este critério.

Relativamente à idade da candidatura ao pré-escolar, consta que devem ser “crianças que completem 3 anos até 15 de setembro e entre 16 de setembro e 31 de dezembro. Além disto, há uma cláusula que é a verificação por parte do diretor da proficiência e do domínio da língua portuguesa dos interessados, nomeadamente através de entrevistas aos pais e ao encarregado de educação.

No início da sua função, notou redução de turmas, ao passar do 1.º ciclo para o 2.º ciclo, do 2.º para o 3.º ciclo e deste para o secundário. Já averiguou as causas desta redução?

A Escola Portuguesa ensina em português e tem vindo a constituir grupos de professores que ensinam em português. Os alunos quando começam a entrar no 5.º e 6.º anos, conforme vão passando e progredindo, o nível de português exigido é maior. Quem tem nível de português para o 6.º ano, pode não ter para o 7.º. Por exemplo, para interpretar um problema de Física ou de Matemática é preciso saber português. A principal causa da saída da Escola Portuguesa tem a ver com o facto de deixarem de entender o português das aulas.

Cerca de 15 alunos já mudaram de escola por não entenderem as aulas. Tem de haver investimento das famílias em introduzir o português no dia a dia. Eu sei que é difícil numa família que fala uma língua nativa, mas quando os pais escolhem a escola portuguesa, têm de assumir o compromisso. Falar português apenas na escola é manifestamente insuficiente para evoluírem, têm de falar também em casa.

Não detetei abandono por questões económicas e sociais. Se houver, a escola consegue colmatar, porque há sempre forma de ajudar os alunos.

Falou em criar um curso de língua portuguesa em horário pós-laboral para os pais. Qual o ponto de situação deste plano?

Ainda não avançamos, mas já estamos a preparar cursos para entidades externas, mas também para os nossos funcionários e para os pais de modo a melhorarem o português. Os pais e os funcionários são dois elementos importantes e focais para investirmos no português.

Vamos construir o projeto educativo e novas ideias ao nível do português. Vamos ter um professor de Educação Especial, uma psicóloga a tempo inteiro, toda uma equipa de ensino quando os alunos precisarem de apoio extra. Criámos um Centro de Apoio à Aprendizagem. Já existe uma sala pequenina para isso e a professora de Educação Especial já vai mudar para lá toda a estrutura.

Outro passo futuro é a alteração da grelha curricular para nos permitir o reforço do português língua não materna. Os alunos, dentro da sala de aula, terão o português como costumam ter, mas vão ter aulas de apoio de português língua não materna, que será mais em termos de conversação.

Vamos ter dois eixos de trabalho, um deles é o da sustentabilidade, que vai obrigar os alunos a trabalharem fora da sala de aula, porque nós temos de “pôr as mãos na massa”.

“Quanto à eliminação do quadro de honra, não tive nenhuma reclamação, porque o problema do quadro de honra é que, por cada aluno feliz que ficava ali, havia muitos que ficavam infelizes. A escola tem de ser uma escola de todos”

Quais são os novos projetos que já estão a ser traçados e alguns que já estão implementados?

Um dos projetos é o projeto de reconstituição deste centro de apoio à aprendizagem, no domínio do apoio aos alunos que têm mais necessidades de aprendizagem. Este centro vai ajudar a colocar alunos a conseguir passar de ano e a conseguir evoluir, sem ser uma passagem fictícia, queremos que eles aprendam como deve ser. Na próxima semana, já teremos alunos a ter esse apoio.

Se eles tiverem necessidades pedagógicas a outros níveis, por exemplo, cognitivas, necessidades que têm de ser colmatadas com algumas alterações curriculares, nós poderemos atuar.

Outro projeto será a educação ambiental. Estou à espera de resposta de um programa nacional que é o Eco-Escolas, que ajuda a desenvolver, por parte dessa entidade, a dinamização da ecologia e da sustentabilidade das escolas.

Eles têm duas vertentes: a parte da ecologia, da reciclagem, do reaproveitamento, da limpeza, e a parte dos oceanos. Nós queremos concorrer às bandeiras verde (ecológica) e azul (oceânica), o que significa que esta escola ensina que o futuro passa pela sustentabilidade dos nossos recursos naturais. Não só limpar praias, mas educar as pessoas para que não sujem as praias. As duas coisas fazem sentido, mas só fazem sentido se estiverem uma com a outra. Quero que a nossa escola seja uma escola de referência pelo exemplo.

Nós já começámos a adquirir os recipientes para começar a fazer a separação, a reciclagem, de maneira a podermos passar depois a outras instituições, para que possamos incentivar que haja em Timor-Leste empreendedores que queiram passar para este lado da reciclagem.

Vamos fazer um projeto em meio escolar com o Ministério da Saúde, em que vamos ter médicos, enfermeiros e profissionais de saúde que virão à escola para divulgar e ensinar questões básicas de saúde, como se comportar socialmente, como se proteger de infeções, como se proteger nas relações sexuais.

O Governo concedeu um terreno, na zona de Caicoli, para a construção das novas instalações da Escola Portuguesa. Como decorreu este processo? Já há previsão para o início e final da construção? Quais serão os ciclos de ensino que funcionarão nestas novas instalações?

Não sei como se conseguiu um terreno para a EPD. Foi o primeiro-ministro português [António Costa] que teve uma reunião com o primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão. Eu acho que o processo decorreu a partir daí. O primeiro-ministro timorense tinha vontade de que a Escola Portuguesa melhorasse as instalações e a Senhora Ministra da Educação também. Um dos temas da conversa foi a Escola Portuguesa.

Eu não sei ainda quais são os termos. Quanto à previsão para o início da construção e dos detalhes das instalações, eu tenho marcada uma ida a Lisboa para reunir com a Ministra da Educação e com o secretário de Estado da Educação e ouvir a ideia deles para a nova escola. Em princípio, vai ser uma construção de infraestruturas que obedeçam a todas as condições que a escola portuguesa tem, que é ter espaço para campos de jogos, ter um espaço polidesportivo, laboratórios, gabinetes para professores, gabinetes de trabalho, entre outros. Claro que com as devidas adaptações climáticas e ao terreno.

Era bom que a coisa avançasse e nós tivéssemos uma escola com três mil alunos e conseguíssemos trabalhar muito melhor, porque podemos voltar a trabalhar em regime inteiro. A escola ainda trabalha em regime duplo, o que faz com que nós não possamos obedecer a critérios pedagógicos que são absolutamente fundamentais.

Pode explicar o que é regime inteiro?

A escola a tempo inteiro é um conceito em que o jovem entra de manhã na escola e sai ao final do dia, mas ao longo do dia tem vários percursos. É uma coisa necessária para que os alunos tenham aprendizagens naturais na escola. É uma escola que tem de funcionar como laboratório social da construção dos nossos jovens.

A educação pré-escolar é feita das 9 da manhã às 15h30, porque ao longo do dia a criança com 3 anos tem de aprender os ritmos sociais. Os alunos entram às 9h, têm intervalo às 10h30, porque aquela hora e meia foi uma hora de trabalho e de concentração. Ao fim de uma hora e meia, a criança já não se consegue concentrar, tem de ir brincar durante meia hora. Regressa às 11h até às 12h30 e depois vai almoçar.

Depois de almoçar, as crianças trabalham mais uma hora e meia, fazendo coisas leves e depois brincam. O objetivo do pré-escolar é que a criança perceba que há metodologia no nosso dia a dia de trabalho. O meu sonho é que eu possa ter o pré-escolar a funcionar assim, das 9h até às 15h, para que as crianças percebam que há períodos de estudo e períodos de brincadeira, o que é muito educativo.

Outra questão que falámos na entrevista anterior tinha a ver com a contratação de recursos humanos não qualificados. Conseguiu resolver essa situação? Como?

Não há recursos não qualificados na Escola Portuguesa. Ainda estamos com uma dificuldade com a disciplina de Biologia. Eu tenho meio horário de Biologia a concurso, e ninguém concorre, porque ninguém quer vir de Portugal fazer meio horário.

Portanto, esse problema foi resolvido este ano.  Não há pessoas sem qualificação aqui, incluindo os timorenses. São todos qualificados com qualificações garantidas por Portugal. Como vocês sabem, saíram 18 professores, entraram 22 e quem entrou é qualificado.

Há muita procura da Escola Portuguesa. Será que há problemas no sistema educativo nacional?

A principal justificação que eu recebi das conversas que eu tive com os pais é que esta escola tem professores portugueses. Eu já devia ter ido a algumas escolas timorenses visitar e conhecer, mas só consegui até agora visitar escolas privadas e que ensinam em português. Porém, tenho tido contato com algumas pessoas e percebo que algumas escolas não são tão más quanto isso, mas parece-me que o ensino público precisa de ser melhorado.

A ideia que eu tenho neste momento é que a escola timorense não é uma escola a tempo inteiro, criando um perigo muito grande. Se a criança ou o jovem não está na escola, está onde? Isto é um problema na construção das sociedades modernas. A educação como um corpo global de formação. O sistema de ensino não serve só para ensinar matérias, mas preparar jovens para serem adultos, competentes, eficazes e que cumpram suas funções no futuro.

Antes também falámos sobre o diretor querer eliminar o quadro de honra. Já eliminou?

Já eliminei. Também já temos novas regras para prémios de excelência, de mérito e de valor, que vão começar a ser entregues no início do próximo ano letivo, relativos a este ano. Os prémios de excelência são para os alunos que conseguem atingir a nota máxima. Os prémios de mérito são para os alunos que se esforçam e conseguem passar de ano. Os prémios de valor são para os alunos que conseguem atingir objetivos, por exemplo, ter prestação na banda de música ou ajudar outros colegas a integrar-se, contribuindo para a harmonia da turma. Há alunos que fazem coisas fantásticas e depois não entravam no quadro de honra. Queremos premiar quem se esforça e não só quem tem boas notas.

Quanto à eliminação do quadro de honra, não tive nenhuma reclamação, porque o problema do quadro de honra é que por, cada aluno feliz que ficava ali, havia muitos que ficavam infelizes. A escola tem de ser uma escola de todos.

A escola tem de ensinar que, para termos alguma coisa na vida, temos de nos esforçar e trabalhar, construindo o ser humano como um todo. Temos de valorizar todas as áreas.  A escola não pode só ensinar matérias, mas também valores, por exemplo, como saber comportar-se em público.

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  1. Muitos parabens!
    Timor Leste necessita de uma Escola de Portugues em cada concelho ou sede de distrito de Timor Leste e nao so Dili.
    E nao me deem bailinho pois isso e possivel se Portugal e Brasil assim o quizerem.
    O meu POVO nao so o exige mas tambem o MERECE.
    Como dizia o Fernando Pessa nas reportagens da RTP, e esta hein?

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