Manuel Marques: “O português é absolutamente fundamental para que o futuro dos jovens seja brilhante”

Diretor da Escola Portuguesa de Díli promete entregar-se totalmente à melhoria da escola/Foto: Diligente

O novo diretor da Escola Portuguesa de Díli (EPD), Manuel Alexandre Alvelos Marques, doutorado em Educação pela Universidade de Aveiro, assumiu funções no dia 3 de março. Em entrevista ao Diligente, defende a eliminação do quadro de honra da EPD e mostra vontade de que a língua portuguesa chegue a mais pessoas, sobretudo aos pais dos discentes, para os quais ambiciona criar um curso de português, em horário pós-laboral, de modo a que possam falar a língua, em casa, com os filhos. Para além disso, o lema que quer para a EPD é: “uma escola de gente feliz, onde ninguém seja deixado para trás”. Acredita que a instituição só pode melhorar se houver uma maior aproximação com os pais, com a comunidade e com os media.

Sabemos que foi selecionado, em setembro do ano passado, para assumir a Direção da Escola Portuguesa de Díli. No entanto, só agora é que tomou posse. Qual o motivo para este atraso?

O código do procedimento administrativo em Portugal prevê que haja uma série de passos após a sua conclusão. Por exemplo, alguém pode sentir-se prejudicado e fazer uma reclamação. São processos administrativos que demoram o seu tempo. A minha nomeação foi feita pelo primeiro-ministro, o que também demora sempre algum tempo. Foi todo este processo administrativo, que após a saída das listas, fez com que a nomeação só fosse prevista para 1 de março.

“Considero fundamental a intervenção ativa dos pais, da comunidade e dos media na escola para podermos ter o feedback da comunidade”

Como está a ser a sua adaptação? A realidade está a corresponder às expectativas?

A adaptação ao país foi boa, por estranho que pareça. Houve algumas adaptações, principalmente com o clima. Já trabalhei dois anos no Brasil, a adaptação ao clima brasileiro foi difícil, aqui a adaptação foi muito melhor. A adaptação à condução do lado esquerdo também foi razoavelmente tranquila. Ainda não estou completamente adaptado à comida asiática, mas há restaurantes portugueses, então, vou tendencialmente a restaurantes onde a comida é europeia.

Relativamente à adaptação à escola, não há nenhum problema, porque a escola obedece à legislação portuguesa, portanto, nesse aspeto, é uma escola normal com os cursos, disciplinas e estrutura pedagógica iguais às escolas portuguesas. Há alguma dificuldade em começar a gerir toda a estrutura, uma vez que é uma escola que está em território estrangeiro, com regras e uma realidade completamente diferente daquela a que estamos habituados em Portugal e o facto de a escola estar sobrelotada também não ajuda. A adaptação foi feita e penso que após mês e meio de trabalho, a nossa adaptação está completa. Estamos a trabalhar a 100% para preparar a conclusão deste ano e o início do próximo.

Quais considera ser os principais desafios na direção da EPD?

Atendendo a que um dos objetivos da escola é a perfeita integração no território timorense, um dos principais desafios é fazer com que a divulgação da língua e da cultura portuguesas seja absolutamente fundamental e realizada.

Temos por volta de 1300 alunos, que são sementes que vamos lançando para o futuro. Um dos desafios é conseguirmos ter cada vez mais gente a falar português, para isso, contamos com a escola portuguesa e com outras instituições. Acionei um protocolo, que já existia com a Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), que nos vai permitir, no próximo ano, ter estagiários do curso de educação de infância na EPD para trabalharem no ensino do pré-escolar.

O principal desafio é incrementar e potenciar este centro de formação, de maneira a ser um polo de divulgação da língua e da cultura portuguesas em Díli. Assim, poderemos fornecer formação na área do português a todas as instituições que nos procurem.

Qual é o seu plano para os próximos quatro anos de direção? Já implementou algumas mudanças e identificou as maiores prioridades?

O plano é melhorar a escola, porque há sempre qualquer coisa a melhorar, potenciar o centro de formação como grande pólo dinamizador da cultura portuguesa fora da sala de aula. Temos de pôr sempre em paralelo a sala de aula, onde diariamente os professores ensinam, trabalham e escrevem em português com aquilo que vamos fazer no centro de formação, onde vamos trabalhar com a comunidade e com a sociedade. Um dos grandes desafios é potenciar a minha relação com a associação de pais e com a comunidade escolar.

Enquanto diretor, e já tenho 14 anos de gestão escolar, considero fundamental a intervenção ativa dos pais, da comunidade e dos media na escola para podermos ter o feedback da comunidade. Às vezes, não gostamos do feedback, porque, pode ser crítico e gostamos menos da crítica, mas eu aceito-a muito bem e encaro-a como um desafio nestes próximos quatro anos, no sentido de podermos melhorar aquilo que fazemos. Quando melhoramos, estamos a servir toda a gente, este serviço tem de ser de qualidade, desde as condições ao serviço que prestamos em português e ao serviço com a comunidade, através do centro de formação e através dos protocolos com as entidades.

Duas prioridades que já executei foi colocar, na primeira semana de trabalho, ar condicionado na sala dos alunos do pré-escolar e do 1ºciclo. Foi uma coisa visível que fiz, porque é difícil eles trabalharem sem condições mínimas. Outra coisa que fiz foi remodelar os serviços de administração escolar, da secretaria, que foram redimensionados e reorganizados.

Já reuni com alguns docentes, de maneira a identificarmos prioridades pedagógicas. Tentamos também perceber o porquê da redução das turmas ao passar do primeiro ciclo para o segundo e para o terceiro, que eu confesso que ainda não sei explicar. Passamos de 18 turmas no 1º ciclo para 2 turmas no 12º ano e isso é uma coisa que salta à vista. Até setembro, terei com certeza este diagnóstico. Pode tratar-se de uma coisa normal ou não e temos de averiguar o que se passa.

A EPD, com 1.300 alunos, tem uma grande lista de espera. Tendo em conta o crescente número de inscrições, o alargamento ou construção de novas infraestruturas resolve a situação?

Se tivéssemos um outro lugar onde pudéssemos ter estes alunos todos, esta escola seria a maior escola portuguesa no estrangeiro. O Sr. Secretário de Estado da Educação, há um mês, esteve cá e levou esta nossa preocupação sobre a sobrelotação para Lisboa. Aqui não conseguimos crescer mais, por isso, esta lista de espera terá de se manter. Só vamos meter alunos este ano em função dos que saírem, não podemos aumentar mesmo a lotação. Já estamos a trabalhar em regime duplo, umas turmas de manhã e outras de tarde para podermos ter espaço para todos.

Ainda não conheço essa lista de espera, vou conhecer em maio, aquando das inscrições para o novo ano letivo.

“Relativamente à falta de transparência, se houver, não pode ser poupada. Tudo tem de ser transparente, isso está na legislação portuguesa. Enquanto eu for diretor, o processo será transparente. O número de vagas também vai ser absolutamente claro”

O secretário de Estado da Educação, em entrevista ao Diligente, afirmou que “é um bom sinal de que uma escola tenha mais gente a querer frequentá-la, do que aquela que tem capacidade para receber”.
Concorda?

Concordo no sentido de que as pessoas querem vir para cá. No entanto, quando nós não podemos receber, é mau sinal, mostrando que a escola não tem capacidade de resposta e deveria ter.

A elevada procura pela EPD não reflete a precariedade e as dificuldades do sistema educativo nacional?

Ainda não conheço o sistema educativo nacional e ainda não quero conhecer, porque quis primeiro perceber como é que a escola portuguesa funciona internamente, como geríamos as questões financeiras, pedagógicas e lideranças intermédias.

Se calhar, vou ter de estudar o sistema educativo timorense, daqui a um mês ou dois, para poder fazer o tal diagnóstico e perceber porque é que só temos duas turmas no 12º ano. Vou ter de comparar pedagógica, científica e academicamente o sistema timorense com o português. A minha experiência no Brasil diz-me que as pessoas optam pelo ensino privado, porque tendem a achar que é mais rigoroso e, nesse aspeto, revela falhas do sistema público brasileiro. Aqui poderá não ser isso.

Parece-me que a escola portuguesa funcionará no sentido de alguma fuga do ensino timorense, mas também a procura da língua portuguesa. Acredito piamente que a escola portuguesa é muito procurada por causa da língua portuguesa, que é um fator de união entre os povos que a falam.

Muitos pais que querem que os seus filhos estudem na EPD criticam os critérios de seleção, sobretudo aquele em que se dá preferência a estudantes que tenham irmãos a estudarem na escola, bem como a falta de transparência de todo o processo de seleção. Pensa alterar os critérios de entrada? Porquê?

Não conheço bem os critérios de entrada, mas acho que os critérios de entrada nas escolas portuguesas são muito claros, uma vez que estão plasmados na lei portuguesa e têm de ser obedecidos.

O critério de seleção que dá preferência aos irmãos está na lei portuguesa. Em Portugal, como o ensino é obrigatório, os pais são obrigados a levar os filhos à escola. Se o irmão não entrar na mesma escola, os pais têm de andar de um lado para o outro só para buscar os filhos e perdem muito tempo. É um critério que deve ser cumprido em Portugal. Não sei se este critério será, mais tarde ou mais cedo, válido na EPD.

Relativamente à falta de transparência, se houver, ela não pode ser poupada. Tudo tem de ser transparente, isso está na legislação portuguesa. Enquanto eu for diretor, o processo será transparente. O número de vagas também vai ser absolutamente claro.

Penso ainda que há um critério que teremos de adicionar, o critério da língua portuguesa, que é imprescindível em Timor-Leste. Não quero que isto seja interpretado como uma discriminação, mas as aulas são ensinadas em português, se os alunos não falarem português, não podem entender aquilo que é dito. Não me parece que alguém que não fale português possa entrar para o 3º ou 4º ano.

“Faremos um regulamento de prémios de mérito, atribuindo prémios, não só pelo mérito académico, mas também pelo mérito social. Por exemplo, mérito ecológico, o aluno que se preocupa com a limpeza da escola e o aluno que se preocupa com o bem-estar dos seus colegas”

Se aplicar a regra de saber a língua para poder entrar na EPD, muitos alunos, principalmente do primeiro ano da escolaridade, não vão conseguir aceder a esta escola, mesmo que queiram aprender português através de estudar na escola portuguesa.

O primeiro ano é o ano em que se aprendem as palavras. Se eu for aprender tétum, eu tenho o domínio das letras, mas não tenho domínio das palavras em tétum. Para começar a escrever em tétum, primeiro tenho de falar. Para ter um domínio daquilo que se faz na escola, temos de ter um domínio do português. É claro que não é um domínio completo. Conheço alunos que pretendem vir para a EPD e não falam uma palavra em português. Só dizem “bom dia, malae”. Há aqui uma diferença que pode funcionar tanto a favor como contra o próprio aluno.
Sabemos que muitos estudantes da EPD ainda têm muitas dificuldades em dominar a língua portuguesa. O que pensa fazer para ultrapassar este problema?

Estou a fazer um estudo que vai implicar, provavelmente, alterar a carga letiva de algumas disciplinas para atribuir mais horas ao português. Se os alunos têm mais dificuldades, nós precisamos de criar, pelo menos, momentos de intervenção. Em Portugal, isso é possível, ao abrigo do despacho da Lei nº 55 de 2018, que nos permite ter planos de inovação, que esta escola já tem, no sentido de melhorar e alterar algumas disciplinas, tirando carga letiva a algumas disciplinas para atribuir a outras.

Não é dar mais aulas de literatura ou de gramática, mas de conversação, porque o diálogo, desde que seja correto, permite-nos melhorar o português. É importante fazer isso para que eles falem português nos corredores da escola.

Considerando que o português é língua não materna da maioria dos alunos, quais são as estratégias adotadas para ensinar esta língua?

Essa é uma das estratégias, reforçar a parte de comunicação e de diálogo. Criar mais momentos de conversação, que fazem com que alunos pratiquem mais o português no dia a dia e lhes dá oportunidade para que tenham mais tempo de conversa em português, por exemplo, no desporto escolar e na banda de música. Muitos, provavelmente, não falam português em casa e isto é uma tribuna boa para pedir aos pais que tentem falar mais português em casa com os filhos.

Se eles falarem mais português em casa, o nosso contributo é muito mais valioso. Se eles saírem daqui e depois falam tétum em casa até ao dia seguinte, não há uma continuidade do diálogo. Esse é o meu objetivo, aumentar a conversação, aumentar o trabalho e apelar aos pais para que intervenham mais, de maneira a que possamos envolver os pais também no português.

Tenho a esperança de conseguir fazer cursos de português para os pais, durante a semana, em horário pós-laboral. Seriam grupos de conversação em português. No próximo ano, haverá um professor bibliotecário e eu tenciono abrir a biblioteca aos pais e à comunidade, porque é importante ler. Não só os alunos, mas os pais poderão vir buscar livros e lerem em casa. Trazer os pais à língua portuguesa para que depois eles possam falar português com os nossos alunos em casa, poderíamos criar também um grupo de teatro e de música com os pais.

Ao longo dos anos, são muitas as vozes que dizem que a escola portuguesa é elitista. O que tem a dizer sobre isto?

O elitismo depende de muitas coisas. Temos alunos de várias classes sociais. É natural que estas escolas tenham alguma tendência elitista. Por exemplo, quais são os pais que falam português? Serão pais com algum nível cultural, que tendem a colocar os seus filhos aqui. Na minha visão, esta escola pode ser uma escola de elite cultural. Ainda não sei se é de elite ou não, mas este elitismo será sempre a nível cultural, porque se os pais falam português, provavelmente os alunos aqui também terão essa tendência. Então, só nesse sentido, é elitista.

Muitos pedagogos defendem que os quadros de honra acentuam desigualdades socioeconómicas, promovem a competição pouco saudável e a frustração, colocando demasiada pressão nos alunos e fomentando a exclusão, sobretudo nos alunos do 1º ciclo.

Concordo.

“A nossa escola é uma escola de gente feliz. Nós somos felizes quando não deixamos ninguém para trás”

Não seria mais saudável premiar os valores, as atitudes, os comportamentos?

Absolutamente. É isso que vai acontecer. Eu acho que os devemos premiar, mas devemos premiar também outras coisas e não só a qualificação. O quadro de honra, para mim, enquanto pedagogo, é algo que já não existe.

Faremos um regulamento de prémios de mérito, atribuindo prémios, não só pelo mérito académico, mas também pelo mérito social. Por exemplo, mérito ecológico, o aluno que se preocupa com a limpeza da escola e o aluno que se preocupa com o bem-estar dos seus colegas. Os alunos que andam no teatro têm de ser também premiados, porque é uma atividade extra, que lhes tira tempo e que eles gostam de fazer. É uma forma da construção do ser humano e temos de contribuir para isso.

O nosso lema, coloquei há dias aqui no meio da escola: a nossa escola é uma escola de gente feliz. Nós somos felizes, quando não deixamos ninguém para trás. Temos de encontrar um equilíbrio entre o incentivo que damos aos alunos que se destacam e mostrar aos outros que se se destacarem, se tiverem mérito, se fizerem alguma coisa, conseguem chegar onde os outros chegaram. A minha principal preocupação é não deixar ninguém para trás.

Estamos num ano letivo que começou com o quadro de honra, mas só acontecerá até ao final do ano. E depois, no próximo ano letivo, acaba. Eu comprometi-me a não mexer numa série de coisas para não estar a causar tumultos.

No caso do quadro de honra, haverá, provavelmente, alguns protestos, mas o que me interessa e o que é certo é que o quadro de honra vai acabar. Enquanto for diretor, o quadro de honra acaba.

Uma das críticas de muitos encarregados de educação ao diretor cessante tem a ver com o facto de ter contratado pessoas que não são docentes ou educadores de infância para exercerem essas funções.

Tem conhecimento desta situação?

Tenho, mas isso não se vai repetir. Para aqui virão professores qualificados. No próximo ano letivo, garanto que aqui não vão existir professores sem qualificação para a docência.

Como pensa resolvê-la?

Vou ter de arranjar professores. Há muitos professores timorenses qualificados e tenho centenas de pedidos de professores que querem vir para cá. Tranquilamente vou trazê-los para cá, assim que o ministério me autorize.

Enquanto diretor da EPD o que podem e devem esperar de si, alunos, pais e docentes?

Podem esperar entrega total. Eu era diretor, em Portugal, de um agrupamento de escolas e estava a meio do meu mandato. Vim sozinho para a EPD em Timor-Leste para fazer a diferença. E a diferença é entregar-me de corpo e alma àquilo que estou a fazer. O projeto EPD é o meu projeto de fim de carreira e quero terminar a minha carreira na EPD a fazer coisas boas pela escola. Eu não sei ainda o que é que eu posso fazer, mas uma coisa que toda a gente pode esperar é transparência e correção.

Fazer da EPD uma escola alegre e feliz 24 horas por dia, trabalhando constantemente, é o que eu tenho feito nestes dois meses em que estou aqui. Entrega total e aposta na melhoria da escola. Eu não quero dizer que a escola está má, porque eu não tenho, neste momento, um diagnóstico, mas, sim, melhorar aquilo que estiver mal e manter aquilo que está bem.

No dia 5 de maio celebra-se o Dia Mundial da Língua portuguesa. Pode deixar uma mensagem a propósito da importância deste dia no contexto de Timor-Leste?

A língua portuguesa é a língua de união entre os povos e tem de ser entendida como uma língua universal dos povos da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP), no sentido de que, no futuro, a língua portuguesa servirá de base a muitas coisas. Por exemplo, a identidade de Timor-Leste foi construída, como dizia o político timorense, Dr. Roque Rodrigues, sobre sangue, mas com base na língua portuguesa. É muito importante que a juventude timorense perceba que o português é absolutamente fundamental para que o seu futuro seja brilhante.

A minha mensagem é aprendam, mantenham e divulguem o português.

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  1. Muitas pessoas dizem que esta escola falta transparencia. Com antigo diretor ninguem comprende as regras. Eu falo mais o menos portugues, falo com os filhos em casa, mas os meus filhos falam bem português. Não entram. As crianças que falam portugues zero entram. Eu espero que o atual diretor seja um diretor mais justo.

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