Julito Benevides: “Os trabalhadores não têm um trabalho digno nem um bom salário. Quem sofre é sempre o povo”

Julito Benevides, jovem que luta pelos direitos dos trabalhadores/Foto: Diligente

O presidente do sindicato TRABALIAN – Trabalhador para a Libertação Nacional, Julito Benevides, 33 anos, alerta para a falta de atenção do atual executivo para os problemas dos trabalhadores, principalmente os de classe média e baixa. O estudante finalista do curso de Administração Pública da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) lamenta que o setor privado, no qual o Governo tem investido no sentido de melhorar as condições de vida do povo, esteja, na realidade, a “explorar os funcionários”. Este ano, o sindicato já ajudou a resolver problemas laborais de vários trabalhadores que recorreram ao apoio da Trabalian.

Quando surgiu o sindicato, com que visão e missão?

O sindicato é um movimento trabalhista, fundado em abril de 2017, cujo objetivo principal é monitorizar as condições de trabalho dos timorenses, como o horário e a existência de contrato e, ao mesmo tempo, apurar se existe exploração, prática que pretendemos eliminar. Temos por missão criar uma sociedade em que os trabalhadores tenham uma vida digna, trabalhem em segurança, recebam um salário justo para que possam aceder aos setores essenciais, como a educação e a saúde. Focamo-nos em solucionar os casos através da negociação, mediação na Secretaria de Estado para a Formação Profissional e Emprego (SEFOPE) ou através de outros recursos necessários.

Quem fundou o Trabalian e com que razão?

O mercado capitalista incitou à criação de movimentos que defendem melhores condições de trabalho. Também em Timor-Leste, um Estado subdesenvolvido, os empregadores acumulam o lucro dos seus negócios e os trabalhadores são mal tratados e explorados. Por isso, cerca de 40 trabalhadores de 12 companhias diferentes juntaram-se e criaram o sindicato.

Quantos trabalhadores representa o sindicato atualmente?

O sindicato tem 600 membros inscritos, mas, por dificuldades em conciliar agendas de trabalho, somos apenas cerca de 30 a contribuir diariamente para as atividades da organização. Na generalidade, são trabalhadores dos setores da indústria, hotelaria, limpeza, segurança, mecânica, da lotaria e comerciantes.
Temos uma estrutura de secretariado para liderar o sindicato, composta por 14 pessoas, quatro delas dedicadas à assessoria legal, que integram o departamento responsável pela negociação dos casos e nós temos muitos.

“Os trabalhadores timorenses deparam-se, muitas vezes, com a cessação do contrato de trabalho sem justa causa. No caso das mulheres até por estarem grávidas”

Quais as questões mais urgentes que o país precisa de resolver no setor do trabalho?

A raiz do problema está na política. O Estado deve criar uma lei que proteja os funcionários e obrigue os empregadores a cumprirem os direitos dos trabalhadores. Porém, a Lei do Trabalho ainda tem lacunas, que permitem aos patrões terminar facilmente um contrato com os subordinados, sem justa causa e sem salvaguardar os seus direitos.

Às vezes, há contradições na própria lei, por exemplo, no artigo 55 da Lei Laboral, prevê-se um pagamento de subvenção para terminar a relação de trabalho, de acordo com a duração do serviço. No entanto, no artigo 51, consta que o pagamento depende da decisão do Tribunal, o que pode demorar muito tempo, e, na minha opinião, é desnecessário.

Pior ainda, as pessoas com poder político e económico acumulam o lucro de um serviço coletivo, através da privatização ou, simplesmente, por serem donos. O lucro da empresa, seja quanto for, pertence ao proprietário. Numa empresa com muitos funcionários, estes só vão ter direito ao seu salário, que normalmente é o valor mínimo que os patrões são obrigados a pagar. Infelizmente, este sistema capitalista não resolve os problemas de desemprego e pobreza em Timor-Leste.

As empresas privadas não estão a ajudar o Governo a reduzir a taxa de desemprego, muito menos a proporcionar uma vida digna aos timorenses. Acontece que os trabalhadores não têm um trabalho digno nem um bom salário, chegam a perder o trabalho e até a própria vida. Tive conhecimento, inclusivamente, de casos graves de mulheres que chegaram a abortar nos seus locais de trabalho. Quem sofre é sempre o povo.

Os investidores estrangeiros querem vir para cá, porque um salário mínimo tão baixo (115 dólares), permite-lhes empregar muita gente a baixo custo e, assim, obter benefícios e expandir o seu negócio por todo o país. Por outro lado, a elevada taxa de desemprego faz com que o povo desespere e se sujeite às condições injustas que lhes oferecem, sendo que o salário não corresponde ao trabalho desenvolvido nem é suficiente para sobreviver o mês inteiro.

Por isso, é preciso um movimento que abarque todos os trabalhadores e os junte no sentido de influenciar a decisão política. Por enquanto, ainda não temos esta força, por isso, só negociamos. Se os empregadores não querem respeitar os direitos dos trabalhadores, não temos como os obrigar.

“Há uma enorme diferença salarial em Timor-Leste, como entre o céu e a terra”

Quais são os problemas mais comuns que os trabalhadores timorenses enfrentam?

O mais comum é a cessação do contrato de trabalho sem justa causa ou, no caso das mulheres, por estarem grávidas. Alguns não têm contrato em sua posse ou nem chegou a ser celebrado. Outros problemas são os atrasos no pagamento do salário, um salário reduzido e desfasado relativamente ao trabalho que desempenham. Há um excesso de horas de trabalho diário, que não deveria ultrapassar as oito horas o que frequentemente acontece sem que sejam pagas horas extra. Apesar de previsto na lei, muitos trabalhadores não têm direito a licença, nem para simples consultas médicas.

Há ainda os casos de doença ou até mesmo morte nos locais de trabalho. Nas lojas de materiais de construção, por exemplo, as condições de segurança não são garantidas, os trabalhadores não usam máscara nem capacete. É um trabalho perigoso, que pode causar doenças e mesmo mortes por causa dos equipamentos. Têm direito a uma indemnização, que, muitas vezes, os patrões ignoram.

Trabalian defende um salário justo, em que o resultado da produção seja dividido de forma igual. É um sistema socialista, sem donos e sem privatização. Um serviço coletivo, em que todos sejam donos, pode equilibrar o sistema económico e solucionar os problemas sociais. Os países com este sistema são a China, Cuba, a Coreia do Norte, entre outros. Estes Estados são considerados comunistas, mas não há Estado ou presidente, nem primeiro-ministro no sistema comunista, por acreditarem que todos são livres e ninguém controla ninguém. Por exemplo, Cuba resolveu o problema do analfabetismo num ano. Mesmo que a população não viva no luxo, não passa fome, tem serviço de saúde gratuito, uma educação de qualidade e outras necessidades básicas.

Como avalia as condições salariais e de trabalho em Timor-Leste?

O salário dos trabalhadores não é suficiente. Alguns contam que a quantia que recebem só chega para sobreviver durante uma semana. Acabam por se endividar para poderem comer nas outras três semanas.
Há uma enorme diferença salarial em Timor-Leste, como entre o céu e a terra. Os deputados, por exemplo, que criam leis, que, às vezes, não contribuem para a prosperidade do povo, recebem muito mais do que um empregado de limpeza, cujo trabalho físico contribui para um resultado imediato para a saúde pública. Trata-se de uma injustiça social.

Como podem os trabalhadores ter apoio do sindicato? Existem alguns critérios?

Não há critérios. Ajudamos todos os que precisam. Os que são membros do sindicato relatam diretamente os seus casos. Os outros são encaminhados para nós por quem conhece o nosso trabalho. Também temos uma página no Facebook, onde publicamos as nossas ações e através da qual os trabalhadores nos podem contactar.

Ultimamente, quais foram os principais casos em que o sindicato atuou e em que ponto estão neste momento?

Temos o caso do hotel Esplanada, em que nove trabalhadores foram despedidos sem compensação. Até agora, ainda não há solução, porque a empresa continua a não querer indemnizá-los. Para além disso, a empresa está a tentar acusar o sindicato de comportamentos indevidos, sem fundamento.

Outro caso é o de 16 trabalhadores da empresa H2O, que trabalham sem contrato, mais do que o horário normal, mas recebem o salário mínimo. Encontrámo-nos com responsáveis da empresa, na semana passada, para abordar a necessidade de celebrar contratos de trabalho e de aumentar o salário.

Há quatro trabalhadores da Care International que foram despedidos antes de o contrato terminar. Os trabalhadores de limpeza da empresa Clariato não receberam o décimo terceiro salário. Estamos a investigar cada um destes dois casos para podermos avançar com as negociações.

Temos tido casos de sucesso, que nos motivam a continuar. Já ajudamos cerca de 17 trabalhadores em vários aspetos, nomeadamente, a receber salários em atraso, a recuperar os seus postos de emprego e a receberem indemnizações que eram suas por direito e as respetivas entidades laborais não queriam pagar.

“Nas campanhas, os partidos têm prometido trabalhar para uma melhoria das condições, mas, na realidade, os trabalhadores estão abandonados”

Como classifica a atuação das autoridades, nomeadamente, forças policiais relativamente aos trabalhadores?

O Governo não tem intenção de melhorar as condições de vida dos trabalhadores, porque não prevê nem discute nenhum programa político específico sobre este assunto. Nas campanhas, os partidos têm prometido trabalhar para uma melhoria das condições, mas, na realidade, os trabalhadores estão abandonados. Não temos a garantia de que os problemas que agora enfrentamos não vão continuar a acontecer.

A Polícia e o Tribunal são instrumentos repressivos que o Estado usa para assegurar o poder, para ameaçar ou fazer recuar os trabalhadores de classe média e baixa, que querem lutar contra a injustiça. No entanto, os polícias só executam ordens. O problema fundamental é o Estado não criar uma política para resolver os assuntos dos trabalhadores.

Como é a relação do sindicato com empregadores e entidades governamentais?

Os empregadores que desrespeitam o direito dos trabalhadores são inimigos do sindicato. O Estado ou membros do Estado que se juntam às entidades patronais para omitir ou retirar os direitos dos trabalhadores são nossos inimigos também.

Em que consiste a atuação do sindicato em casos de falta de entendimento entre empregadores e trabalhadores?

Quando recebemos uma queixa, fazemos uma carta de pedido de negociação entre a entidade empregadora, o sindicato e os trabalhadores para procurar uma solução. Se não conseguirmos realizar um acordo, avançamos para etapa de mediação com a ajuda da Direção Nacional de Trabalho da SEFOPE. Nestas duas fases, infelizmente, os empregadores não são obrigados a cumprir os pedidos de encontro. O último recurso é ou fazer greve ou arbitragem, um processo semelhante ao que acontece em Tribunal, mas que antes de se recorrer a essa instância, decorre na SEFOPE. Caso não funcione, avançamos para Tribunal.

O que é preciso melhorar para minimizar os problemas ou conflitos entre trabalhadores e entidade empregadora?

A responsabilidade é do Estado, que deve criar uma Lei para evitar conflitos laborais entre empregadores e trabalhadores. Se os funcionários se sentissem seguros, respeitados no trabalho e recebessem bons salários, não haveria problemas. Se houvesse uma boa política, a sociedade ficaria descansada.

Existem mais sindicatos em Timor-Leste? Quais? Trabalham em conjunto?

Existe a Confederação de Sindicato de Timor-Leste (KSTL), que trabalha como o sindicato Trabalian, e também um movimento dos trabalhadores de café em Ermera. Nós defendemos os mesmos valores, mas atuamos separadamente.

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