Jovem intimada pela PNTL devido a comentários sobre PM denuncia violência verbal e defesa ameaça processar a polícia

A PNTL já intimou dois autores de comentários publicados no Facebook/Foto: Diligente

“Cala-te, falas muito” ou “se fosses um homem, batia-te até gatinhares”. É o relato de Ela Variana, ao Diligente, sobre o que ouviu dos agentes da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), que a foram buscar a casa para ser interrogada por causa de um comentário que publicou na sua página de Facebook, visando o recém-eleito primeiro-ministro, Xanana Gusmão. Outro dos mais recentes intimados, pelo mesmo motivo, John Malic, afirma sentir-se “injustiçado” pela ação da PNTL, que acusa de “não ter investigado bem o caso antes de atuar”. O Provedor dos Direitos Humanos e Justiça, Virgílio Guterres, já classificou o comportamento como uma “violação dos direitos humanos”.

A descrição de abuso de poder por parte da PNTL relatada ao Diligente pela estudante de 26 anos, Ela Variana, na primeira pessoa, revela o que aconteceu na manhã de dia 12 julho, quarta-feira, quando dois agentes da PNTL a intimaram à porta de casa, em Manleu, Díli. “Eu perguntei qual era o motivo da presença deles ali, ainda por cima, sem nenhum documento oficial para apresentar”. Como resposta, um dos dois agentes no local “mostrou-me, no ecrã do telemóvel, o comentário que eu tinha publicado”.

“Perguntei o que tinha de mal o comentário, mas limitaram-se a responder que estavam a seguir ordens do Comando-Geral”, recorda Variana.

De acordo com a versão da estudante, a situação ter-se-á então agravado. “Um membro da PNTL apontou-me o dedo e disse: ‘Cala-te, falas muito’, ao que a jovem afirma ter respondido – “Quando vocês falaram, eu ouvi, porque é que quando eu quero falar não me deixam?”. Segundo a estudante, depois desta pergunta, um dos polícias terá começado a gritar e dito: “Se tu fosses um homem, batia-te até gatinhares”.

Momentos depois, já no Comando-Geral, “não me disseram que crime cometi. Pediram-me para confirmar se a conta a que correspondia aquele comentário era, efetivamente, a minha conta de perfil e perguntaram-me porque fiz um comentário a mencionar o nome de Xanana”.

Recorde-se que no comentário pode ler-se: “Se o povo insulta um líder, a PNTL atua de imediato e até recebe os parabéns por isso, mas se um líder tem um comportamento incorreto com as mulheres, a polícia não faz nada e até normaliza essas ações. A PNTL não tem conhecimento desse comportamento ou tem medo do líder?”.

Esta publicação, acompanhada de fotos de John Malic a ser levado para interrogatório, tornou-se viral nas redes sociais, com dezenas de comentários e partilhas. Numa dessas partilhas do estado de Variana, um dos internautas escreveu: “Este malcriado é para matar”, referindo-se a John Malic. Ela Variana comentou essa mesma publicação com uma pergunta: “Matar Xanana que tem atitudes incorretas com as mulheres? Se não tem coragem, não pode apontar o dedo ao povo. Nós exigimos justiça. Qualquer pessoa que cometa um erro tem de ser investigada. Por que motivo o líder está livre de ser investigado?”.

Também John Malic, intimado, no dia 10 de julho, igualmente por ter expressado no Facebook descontentamento com o trabalho do recém-eleito primeiro-ministro, se considera “injustiçado” pela ação da PNTL e defende que a polícia “não investigou bem o caso antes de atuar”.

Ao Diligente, Malic confessou que, depois de a sua publicação se ter tornado viral, “estava consciente de que a polícia faria alguma coisa. Foram buscar-me sem nenhuma notificação”. No Comando-Geral de Díli, em Caicoli (Díli), onde terá permanecido cerca de duas horas, foi questionado por elementos da polícia sobre o objetivo da sua publicação. “Não referi o nome de ninguém. Apenas lamentei as perdas que tive por causa das recentes cheias. Quem viralizou a minha publicação é que mencionou o nome de um líder, não eu”, terá sido a resposta dada às autoridades.

Defensor público ameaça processar PNTL e Provedor dos Direitos Humanos fala de “uso arbitrário do poder”

O defensor público de Ela Variana, Sérgio Quintas, que considera a atuação da polícia “ilegal”, avançou ao Diligente que caso a polícia “não reconheça os seus erros e, ainda esta semana, o Comando-Geral da PNTL peça desculpa publicamente, a defesa vai instaurar um processo civil contra a polícia nacional a exigir uma indeminização por danos morais” para a estudante.

Também o Provedor dos Direitos Humanos e Justiça, Virgílio Guterres, que já tinha criticado publicamente a atuação da PNTL aquando da intimação de John Malic, apelidando-a de uma “violação aos direitos humanos”, acusa novamente a polícia de não estar a atuar em conformidade com a lei, no caso de Ela Variana.

“O que Ela Variana expressou nas redes sociais ainda não ultrapassou os limites da liberdade de expressão. Transmitiu uma opinião crítica, identificando-se e sem usar nenhuma conta falsa”, destacou.

Questionado sobre se o comentário que levou à atuação policial incita , de alguma forma, à violência, Sérgio Quintas, responde que a publicação em causa não tem enquadramento nos termos previstos pela lei para casos de ameaça, que podem ser consultados no artigo 157º do Código Penal timorense. No artigo, pode ler-se que “quem, por qualquer meio, ameaçar outra pessoa com a prática de um crime de forma que lhe provoque medo ou inquietação , ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou multa”. No número 2 do mesmo artigo, consta ainda que “O procedimento criminal depende de queixa”. Nenhum dos dois pressupostos se verificou.

No mesmo sentido, para o provedor, a PNTL “não tem razão legal para identificar a estudante, sem que haja indícios de crime.”. Segundo Virgílio Guterres, a jovem está a ser “vítima de uso arbitrário por parte do poder público. Expressar uma opinião política é um direito de todos os cidadãos sobre o qual o Estado não pode interferir ”.

O Diligente tentou obter esclarecimentos por parte da PNTL, que não quis responder às nossas questões. O porta-voz do Comando-Geral da PNTL, o superintendente António da Luz, referiu apenas que a polícia não se iria pronunciar sobre o caso e que se “alguém quiser fazer queixa da PNTL pode fazê-lo através da própria polícia ou do Ministério Público”.

No espaço de pouco mais de uma semana, a Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) intimou duas pessoas para identificação e interrogatório devido a comentários publicados no Facebook a criticar o comportamento do primeiro-ministro, Xanana Gusmão.

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