Segundo o diretor da ONG Ásia Justiça e Direitos (AJAR), a má gestão de recursos, necessidades básicas não satisfeitas e leis que violam os direitos humanos são indicadores das falhas no sistema de governação do país.
Timor-Leste é um país democrático desde 2002, o ano de restauração da independência. No entanto, nestes quase 22 anos de soberania, os valores que deveriam servir de pilares para o sistema de governo ainda não estar a ser contemplados, avalia José Luís de Oliveira, o diretor da Ásia Justiça e Direitos (AJAR), Organização Não Governamental (ONG) que desenvolve ações voltadas para a consolidação dos direitos humanos.
Líder sénior da sociedade civil, José Luís de Oliveira foi membro fundador de duas importantes organizações de direitos humanos, a Associação HAK e a Fokupers, durante os anos complicados que conduziram ao referendo de Timor-Leste em 1999. Ocupou cargos importantes durante a transição para a independência, incluindo como membro do Grupo de Trabalho para a Educação dos Eleitores e do Comité Diretor para a Educação Cívica. Em 2011, assumiu o cargo de secretário executivo da Associação Nacional de Vítimas. Desempenhou ainda a função de conselheiro do programa do Centro Internacional para a Justiça Transitória em Timor-Leste.
Para José Luís de Oliveira, a falta de acesso a uma educação pública de qualidade, a cuidados de saúde, água potável e higiene, eletricidade e uma alimentação saudável são alguns dos fatores que prejudicam os habitantes de Timor-Leste no desenvolvimento do seu potencial, o que, consequentemente, atrasa o progresso da nação.
Na entrevista com o Diligente, o diretor da AJAR observa que o povo só tem mesmo poder na época das eleições, mas considera que as decisões políticas não têm refletido a vontade da população.
A AJAR é uma ONG que constrói culturas resistentes e sociedades responsáveis, livres de impunidade, concentrando-se no reforço dos direitos humanos na Ásia e no Pacífico.
Como avalia a condição da democracia em Timor-Leste? Sendo uma nação democrática, onde o poder emana do povo, considera que a soberania popular é genuinamente respeitada?
Com base na lei, regulada na Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL), adotamos um sistema que põe o povo como fonte do poder. No artigo 2º consta que a soberania reside no povo. Também o artigo 63º fala da participação política dos cidadãos, especificamente participação direta na vida política, que constitui o sistema democrático. Quer dizer que não há poder absoluto em Timor-Leste. O nosso sistema é progressista, mas as pessoas não interiorizam os valores deste sistema.
O povo só tem mesmo o poder de participação política durante as eleições. Noutras situações, este direito não é considerado. Por exemplo, o Parlamento Nacional (PN) deve tomar decisões políticas que reflitam o sentido de justiça do povo, o interesse público, mas, muitas vezes, isso não acontece. Carros de luxo, subsídios e regalias, em vez de alocar este dinheiro para o setor de saúde, entre outros, são exemplos de que põem em primeiro lugar os seus interesses, não seguindo a Lei Base.
Recentemente, o Índice de Desenvolvimento Humano classificou Timor-Leste em 155º lugar entre 193 países. O relatório indica ainda que metade da população mundial apoia líderes capazes de prejudicar a democracia. Como avalia estas questões?
É lamentável. A nossa população é de apenas 1,3 milhões de pessoas. O nosso território é pequeno, muito menor do que o da Indonésia. Porém, a estrutura do Governo timorense é maior do que o do país vizinho. Temos bastante dinheiro, mas a sua distribuição é muito desigual, com as classes altas a acumular privilégios. É uma gestão inadequada e demonstra a violação dos direitos humanos, porque [o Governo] não assegura, gere e distribui os recursos públicos para o bem de todos.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) defendem que ninguém pode ficar para trás, mas a realidade em Timor-Leste é que, a cada dia alguém fica para trás. Muita gente, todos os dias, morre nos hospitais do país, e ninguém se preocupa. Isso é violação dos direitos humanos.
O Hospital Nacional Guido Valadares proibiu o uso de óculos escuros por pacientes e visitantes, exceto para os governantes. Como interpreta essa regra? Será que representa um controlo sobre a liberdade de expressão e discriminação?
A circular toda viola completamente os direitos humanos! E mostra que a administração do HNGV não seguiu o princípio de boa governação, que requer transparência e participação pública, dando feedback aos serviços do Hospital. Porque proibir filmar nos arredores do Hospital? Não é uma questão da privacidade. Devíamos solicitar ao Tribunal de Recurso para declarar inconstitucional esta circular. O Parlamento Nacional, neste caso a comissão A, que assegura a Constituição, e a Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ) têm esta responsabilidade, mas qualquer pessoa pode fazer uma petição a exigir que o Parlamento Nacional tome alguma atitude.
Quanto a proibir o uso de óculos escuros excetuando os líderes, não só é uma discriminação, como não faz sentido nenhum. Será que a dignidade dos líderes e do povo não é igual? A dignidade humana não é mensurada por posições que as pessoas têm. Aqui [na circular], mistura-se a dignidade e o privilégio.
O povo timorense tem o direito de se manifestar quando os representantes não defendem os seus interesses. No entanto, muitas vezes, esse direito é limitado pela regra da distância de 100 metros das instituições públicas. Qual é a sua opinião sobre isso?
A Lei de Manifestação viola a Constituição, o artigo 63º, sobre o direito à participação política, neste caso, através de protesto. O direito à manifestação pacífica é parte dos direitos humanos. A Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) devia estar no local para assegurar que os manifestantes exerçam bem o seu direito. Mas esta lei de proibir ficar perto da instituição contra a qual o povo se queixa viola o direito ao protesto, obrigando a polícia a reagir contra os cidadãos.
O Estado é dividido em três poderes políticos independentes: Judiciário, Legislativo e Executivo. Como avalia a existência do voto de confirmação no Parlamento Nacional, que permite aos deputados contestar vetos do presidente da República? E a Lei da Concessão do Indulto e da Comutação de Pena, que dá poder extraordinário ao chefe de Estado na concessão de perdão a pessoas condenadas judicialmente?
Temos três órgãos a assegurar estes poderes, mas temos ainda um órgão, o Presidente da República, que assegura o trabalho dos outros três órgãos, mas não é superior, pois é sujeito a impeachment, se cometer uma violação grave contra a Constituição.
O nosso sistema da governação é semipresidencial, o que significa que o poder executivo depende da concordância ou consenso político entre o PR e o PN. O veto do presidente pode basear-se em razões políticas, meramente por não estar de acordo com os seus interesses, ou por não seguir a Constituição. O presidente é o defensor da Constituição. No entanto, por não ter poder absoluto, é permitido ao Parlamento confirmar a lei vetada. Sendo os deputados os representantes do povo, se o povo quiser que a lei vigore, o presidente deve promulgá-la. Aqui, o chefe do Estado tem a possibilidade de, caso o veto se baseie na razão constitucional, submeter a lei ao Tribunal de Recurso, sendo o decisor mais alto, para ser declarada inconstitucional.
Por outro lado, a lei do indulto atual é um caso concreto de violação do princípio de separação do poder. Antes, o presidente dava indulto a quem ele quisesse, não seguindo as normas internacionais, que proíbem indulto aos reclusos no caso de violação grave de direitos humanos, de violação sexual, entre outros.
A Lei do Indulto, introduzida em 2016, pretendeu regular este ato. Porém, a nova legislação que a substituiu, promulgada a 12 de dezembro de 2023, veio promover o poder absoluto do presidente. Sendo Timor-Leste um país democrático, deve haver controlo e equilíbrio na governação. O Tribunal de Recurso, quando declarou inconstitucionais alguns artigos da nova Lei, poderia ter anulado as decisões tomadas baseadas nesta lei, mas isso não ficou explícito no acórdão judicial.
Os artigos declarados inconstitucionais são as chaves de toda a Lei. O presidente da República já não pode basear-se nesta Lei para conceder indulto, porque o artigo que o permitia fazer é inconstitucional. O chefe de Estado tem o dever de cumprir e fazer cumprir a Constituição. Se o presidente, mesmo assim, resolver dar indulto, estará a violar a Constituição e é sujeito a impeachment e julgamento. No entanto, Timor-Leste não tem condições para julgar o presidente. Ele pode apenas ser retirado do seu cargo, mas para ser julgado, só o Tribunal de Recurso pode fazê-lo, com o mínimo de 15 juízes, o que é difícil de encontrar no país. Talvez não aconteça nada, se o presidente der indulto agora. Mas, se for o caso, e se o Parlamento Nacional não submeter o caso ao Tribunal, será cúmplice desta violação.
A pobreza e a falta de acesso a necessidades básicas como educação de qualidade, saúde, alimentação, água e eletricidade ainda são evidentes em Timor-Leste. Em que medida considera que estes problemas afetam o sistema democrático?
A democracia de Timor-Leste ainda não funciona como deve ser, pois ainda não respeita os direitos humanos. Ratificámos oito tratados e convenções relativas aos direitos humanos, atribuindo ao Estado a obrigação de respeitar, proteger e os cumprir, mas isso não acontece.
O Estado tem a obrigação de alocar adequadamente o orçamento para responder às necessidades básicas do povo, mas atribuem dinheiro para financiar as suas regalias, como subsídios, enquanto pessoas morrem sem controlo nos hospitais. No setor da educação, as escolas públicas não funcionam bem, porque há problemas com os recursos humanos e infraestruturas precárias. Na segurança social, muitas pessoas não são incluídas na rede de assistência social. Todas estas situações são violações dos direitos humanos cometidas pelo Estado todos os dias.
Fantastica entrevista e o Jose Luis Oliveira disse a verdade de TL, nua e crua!
Os meus parabens. A falta de educacao do nosso Povo e aproveitada pelos nossos politicos malabaristas e charlatoes.
Daqui a 20 anos com o Povo mais educado vai ser outra musica. Ate la gira o disco e toca o mesmo.