Ex-ministro da Economia, João Gonçalves tece críticas à política económica do atual Governo, acusando-o de provocar dependência em vez de criar incentivos ao desenvolvimento
João Mendes Gonçalves, 73 anos, timorense de origem luso-indiana, é assessor económico da Presidência da República. Estudou Ciências Sociais na Austrália e Direito em Timor-Leste. Membro da Assembleia Constituinte em 2001, deputado entre 2002 e 2007, foi também ministro da Economia e Desenvolvimento no IV Governo, período em que introduziu reformas à Lei do Investimento.
Em entrevista ao Diligente, o economista apelida de “desastrosas e inoportunas” as medidas do atual Governo para fazer face à crise económica. Criticando a Cesta Básica e os subsídios dados, por causarem dependência, defende um investimento em diversos setores, destacando a indústria e a formação de recursos humanos, que considera essencial para Timor-Leste enfrentar os desafios da adesão à Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).
Como é que Timor-Leste pode prosperar economicamente?
Timor-Leste continua a recuperar da crise económica causada pela instabilidade política e governativa que começou em 2017. Desde então, a economia tem sofrido bastante. Em 2020, devido às restrições que tiveram de ser impostas, a covid-19 veio agravar a pobreza e a instabilidade.
A guerra entre a Rússia e a Ucrânia piorou a crise económica, afetando globalmente a economia. Houve um aumento substancial do preço do petróleo e dos produtos agrícolas, porque a Ucrânia é um dos grandes celeiros do mundo e a Rússia de combustíveis. A guerra impediu a exportação e afetou o mercado mundial.
As medidas que o Governo introduziu como resposta à crise não foram as mais adequadas, porque tiveram como foco iniciativas sociais e não a dinamização da atividade económica. Devia fazer uma análise profunda antes de tomar medidas desastrosas e inoportunas. Não é altura de introduzir medidas dessas, quando estamos ainda numa fase de recuperação do país. Devia ter criado incentivos para recuperação, mas não o fez.
Uma questão que pode contribuir para o desenvolvimento da economia do país é a descentralização administrativa. Seria bom que, já que estamos na véspera de eleições, o próximo Governo começasse a pensar neste processo o mais rápido possível para responder às necessidades económicas nas áreas remotas.
Outro aspeto é a diversificação económica, porque dependemos quase totalmente do Fundo Petrolífero para o Orçamento de Estado. Em 2015 e 2016, o Governo identificou as áreas prioritárias para desenvolver a economia, conseguir obter rendimentos desses setores e diminuir a dependência do Fundo Petrolífero. No entanto, nunca se fizeram investimentos que incentivassem e desenvolvessem setores prioritários como a agricultura, o turismo, a indústria ou a indústria mineira.
Temos um enorme potencial para desenvolvimento do turismo em Timor-Leste. Peritos internacionais dizem que só o turismo, devidamente desenvolvido, pode trazer ao país autonomia financeira.
Na agricultura, o Governo pode dar assistência técnica e tratores gratuitos aos agricultores. Não é através da Cesta Básica, que vai criar uma dependência das populações para com o Governo.
O Executivo deve também começar a incentivar a exploração mineira, porque temos uma série de minérios, o magnésio, mármore, ferro e calcário, que podem acabar com a dependência do Fundo Petrolífero.
É essencial criar condições para que setor privado opere de forma autossuficiente e se torne um parceiro adequado do Governo, criando postos de trabalho e contribuindo para o crescimento económico.
Um desafio que as empresas enfrentam é o acesso ao crédito. O banco continua hesitante em fazer empréstimos devido ao risco elevado que existe. É necessário um enquadramento legal que as instituições bancárias tenham garantias de que os empréstimos que dão são seguros.
A lei da insolvência das empresas e a concessão de títulos de certificado de propriedade são leis que o Governo precisa também de finalizar, porque as pessoas também podem recorrer às suas propriedades para poderem obter empréstimos.
“Fico admirado com a qualidade dos políticos. O Governo aumentou os impostos precisamente na véspera das eleições. Em outros países, procurariam captar a simpatia e votos dos eleitores”
Mas o Governo assinou um acordo com o BNCTL (Banco Nacional de Comércio de Timor-Leste) para a concessão de crédito para negócios.
Isso é importante e essencial para revitalizar a nossa economia, mas discordo de alguns critérios ligados à seleção dos empresários. Um desses requisitos é que todo o processo deve passar pelo Ministério do Turismo, Comércio e Indústria. Para mim, isso é negativo. Temos de evitar tudo o que possa contribuir para uma politização ou partidarização das instituições públicas. Teria de ser o banco a gerir e selecionar os empresários para acesso a crédito.
Falou em medidas desastrosas e inoportunas. A que medidas se refere?
Medidas que se focaram em iniciativas sociais, como a atribuição de subsídios no final do ano e a Cesta Básica, porque este investimento exige um alto rendimento do Estado e uma política que evite ir buscar dinheiro ao Fundo Petrolífero.
A Cesta Básica é ineficiente e ineficaz. Ouvimos constantemente queixas das populações, dizendo que o valor é muito inferior e muitos produtos distribuídos estão deteriorados. Teria sido melhor o Governo distribuir esse dinheiro pelas pessoas para comprarem o que precisam.
O Governo falhou ainda quando introduziu medidas desastrosas como o aumento dos impostos, até nos bens de primeira necessidade, como o açúcar, alegando a questão da saúde, quando as estatísticas sobre as doenças resultantes do consumo de produtos açucarados, como a diabetes, não justificam esta introdução. A medida afeta pequenas empresas, como as panificadoras, o que pode gerar um impacto negativo na economia. Algumas usam produtos mais baratos e prejudiciais do que açúcar por conterem químicos perigosos para a saúde publica.
Fico admirado com a qualidade dos políticos. O Governo aumentou os impostos precisamente na véspera das eleições. Em outros países, procurariam captar a simpatia e votos dos eleitores. O Governo está a afugentar os votos da população com a introdução dessas medidas desastrosas.
Como olha para o desenvolvimento da microeconomia em Timor-Leste?
A coluna vertebral na nossa economia são as pequenas e médias empresas, mas esta coluna vertebral está num estado muito débil. O Governo deve dar uma atenção especial a essas empresas, através da capacitação nas áreas da gestão, financiamento e acesso a empréstimos, porque elas podem gerar maiores rendimentos, oferecer emprego, contribuir para o crescimento do Estado e para a redução da pobreza. O Governo tem de criar condições para o setor privado produzir melhor e ser um parceiro seu ideal para o desenvolvimento económico do país.
A criação das leis necessárias e o diálogo com a Câmara do Comércio e Indústria e os empresários são importantes para se ter uma ideia das dificuldades e se ver como reduzir a burocracia, que pode levar à corrupção. Para minimizarmos a burocracia, tem de haver mais celeridade na administração pública, no processo de atribuição dos documentos, bem como reformas administrativas.
“A Cesta Básica está a criar uma dependência insustentável e pode diminuir a produção agrícola, porque os agricultores acham que já têm dinheiro. Já não trabalham nas hortas”
O que tem feito o Governo nestas áreas?
Praticamente nada. Muitíssimo pouco. Alegam que tivemos problemas de instabilidade governativa, a pandemia da covid-19 e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
E o défice da balança comercial? Qual o impacto da exportação e importação para a economia?
Somos um país praticamente importador. Exportamos maioritariamente café e outros produtos agrícolas em quantidades muito inferiores, como o coco e o feijão-mungo, mas o balanço ainda é negativo. Importamos muito mais do que exportamos, porque não há incentivos do Governo aos nossos agricultores para que aumentem a produtividade e possam competir no mercado mundial. Mas só um aumento não chega. A qualidade é essencial.
A Cesta Básica está a criar uma dependência insustentável e pode diminuir a produção agrícola, porque os agricultores acham que já têm dinheiro. Já não trabalham nas hortas e não se dedicam a outros trabalhos, pois usufruem deste tipo de ajuda do Governo. Se o Executivo distribuir tratores, a produção agrícola vai aumentar.
Depois disso, é necessário incentivar a criação de pequenas e médias indústrias para absorver os produtos agrícolas e transformá-los, dando-lhes valor acrescentado. O Governo devia identificar áreas com potencial para a produção de laranjas, por exemplo, e atrair investidores para fábricas de sumo de laranja, que depois exportávamos. Era preciso identificar e procurar, através da TradeInvest, investidores para determinados produtos que temos.
É necessário também identificar matérias-primas no país que podemos transformar. Um dos produtos que identificámos foi o bambu. Temos uma fábrica de bambu em Tíbar. Transformamos o bambu e fazemos mobiliário, palitos ou artesanato.
Outra matéria-prima é a argila com a qual podemos fabricar telhas, tijolos, ladrilhos, cerâmica e artesanato. Na Austrália, só fazem praticamente casas com tijolos. Podemos exportar materiais de construção feitos de argila para a Austrália. Tirando algumas organizações não-governamentais e pequenos grupos que estão a produzir tijolos, a produção atual destina-se ao apenas ao consumo. Não é suficiente. Precisamos de investimento, mas o Governo ainda não se focou nessa questão.
Por isso, temos necessidade de uma grande mudança no país. Espero bem que o nosso povo saiba escolher uma pessoa e um Governo que realmente contribua para que o nosso país se desenvolva através de uma economia sustentável e verde. É um desafio, mas, como timorense que sou, acho que não é impossível. É possível, desde que tenhamos um líder que saiba escolher a equipa com a qual vai trabalhar.
A criação de indústria também tem consequências negativas?
Só pode trazer consequências positivas. Certas indústrias, como as fábricas de cimento, têm alguns aspetos negativos e podem prejudicar o ambiente, mas já há equipamentos modernos para mitigar o impacto negativo. São poucas as indústrias que podem deteriorar o ambiente. Uma fábrica de sumo de laranja, por exemplo, não prejudica o meio ambiente.
Temos um acesso ao mercado internacional com tarifa zero, uma grande vantagem que outros países não têm. Isso, por si só, já pode ser um elo de atração de muitos investidores da Indonésia ou da Austrália. Por isso, incentivamos a criação de parques industriais para atraímos investidores.
Já devíamos ter uma fábrica de processamento de peixe, porque temos bastante peixe. Podemos trazer da Indonésia e Austrália para ser processado aqui e exportado para o exterior com uma tarifa zero. Abrir fabricas de montagem de carros, por exemplo. Importamos as peças, montamos e exportamos como produto nosso.
Isso é que o Governo pode fazer para criar condições. O estabelecimento de parques industriais, como o Pelican Paradise, um investimento grande, é muito importante para atrair investidores à altura, projetando uma imagem da segurança e estabilidade. Muitos têm receio por vivermos uma instabilidade política desde 2017.
Não queremos atrair investidores que venham apenas abrir lojas, mas os que podem investir nas áreas com maior potencial para o crescimento e desenvolvimento económico do país.
“A competição será feroz com a adesão do país à ASEAN, porque o Governo já não pode controlar a entrada de empresários da região”
Os empresários timorenses podem concorrer nesse mercado? Os comerciantes estrangeiros podem afetar a situação dos empresários timorenses?
Nós temos uma lei de investimento e de registo através da TradeInvest, que eles não cumprem. Registam diretamente no SERVE (Serviço de Registo e Verificação Empresarial) as respetivas empresas e abrem os negócios. Devíamos regular a abertura de negócios por estrangeiros.
Muitas vezes, estes estrangeiros pagavam a uma pessoa para tratar do registo do negócio em nome deles, mas os verdadeiros patrões eram os estrangeiros. Muitos casaram-se ou juntaram-se a uma mulher timorense e, em nome das mulheres, abriram um negócio. Não temos enquadramento legal para impedir isso.
Certos tipos de negócio que os estrangeiros fazem os timorenses também podem fazer. A competição será feroz com a adesão do país à ASEAN, porque o Governo já não pode controlar a entrada de empresários da região. O Executivo tem, por isso, de se concentrar na preparação dos timorenses para nos podermos confrontar com estas situações. Primeiro, os empresários precisam de mais formação e capacitação na área de gestão das empresas para saberem fazer relatórios financeiros e tomar as decisões certas no momento certo relativamente ao investimento, expansão do negócio e outros.
Temos o Instituto de Apoio ao Desenvolvimento Empresarial (IADE) para desenvolver, capacitar e apoiar o setor empresarial e a TradeInvest para o investimento estrangeiro. O Governo não investe suficientemente na criação de condições para os empresários poderem operar.
Quais as consequências económicas da adesão à ASEAN?
A adesão à ASEAN vai trazer-nos benefícios e obstáculos. Com a entrada na ASEAN, temos de abrir as portas aos investidores dos países membros, que chegarão com trabalhadores seus. Ficaremos na retaguarda ao nível da concorrência com estes países, porque ainda não estamos preparados. Vamos ter um mercado muito maior do qual poderemos beneficiar, mas, se não tivermos condições para competir, quem vai beneficiar serão os estrangeiros dos outros países membros da ASEAN que investirem em Timor-Leste.
É vital prepararmos os recursos humanos. Singapura é um país praticamente sem recursos nenhuns. Só têm recursos humanos. Usam-nos para criar riqueza, tornando-se uma das grandes forças económicas do Sudeste Asiático. Tiveram um primeiro-ministro altamente inteligente que criou condições para que o país viesse ser o que é hoje.
Timor-Leste, com os recursos minerais e naturais, tem melhores condições do que Singapura para poder prosperar, mas falta-nos uma coisa muito importante: recursos humanos adequados. Por isso, o Governo tem de investir mais e melhor nesta área.
Penso que estão a fazer o recrutamento por causa das exigências de certos critérios para a adesão à ASEAN. Temos de recrutar mais gente, mas essas pessoas têm de estar devidamente preparadas e formadas. Não é só recrutar, mas prepará-las e formá-las adequadamente para que possam fazer o trabalho que lhes compete e responder às necessidades e exigências, tanto do país como da ASEAN.
“Timor-Leste, com os recursos minerais e naturais, tem melhores condições do que Singapura para poder prosperar, mas falta-nos uma coisa muito importante: recursos humanos adequados”
O que pensa sobre os empréstimos a que o Estado recorre?
Foram empréstimos necessários, com juros baixos, para desenvolvermos infraestruturas essenciais para o país. A circulação de pessoas e produtos é vital, porque Timor-Leste é uma ilha e depende muito da conectividade, tanto marítima como aérea. Temos ainda investimento que resulta do apoio do Japão e da Austrália para o desenvolvimento das infraestruturas.
Investimos primeiro na eletricidade para criar uma fonte de fornecimento de energia que fosse mais responsivo às necessidades e que acabasse com falhanços elétricos que tínhamos constantemente durante os primeiros anos da nossa independência. Acho que cerca de 90% do país está eletrificado, mas torna-se difícil fazermos ligações elétricas para algumas áreas remotas bastante montanhosas. O Governo pode pensar em energias renováveis, como painéis solares.
Nem todas as estradas nacionais foram reconstruídas em condições de circulação. Precisamos de manutenção das estradas, tanto a nível financeiro como humano, e de equipamentos por sermos uma ilha montanhosa, sujeita a alterações climáticas e constantes desmoronamentos de terra e inundações.
O novo porto de Díli é uma parceria público-privada. Há investimento por parte do Estado e do setor privado, uma companhia francesa que está a gerir o porto. O aeroporto de Díli precisa de uma extensão para aviões maiores aterrarem e se poder tornar num um porto regional. Temos enormes condições para sermos um centro logístico e de transformação de indústrias e produtos, mas tudo vai depender do Governo. Precisamos de um Governo com capacidade de análise, com visão e poder de decisão.
Mas as pessoas questionam os empréstimos para a construção de infraestrutura por causa da existência do Fundo Petrolífero.
Podemos investir o dinheiro do Fundo Petrolífero nos bancos e obter maiores juros do que aqueles que pagamos aos bancos onde pedimos empréstimos. Se soubemos investir, podemos pagar esses empréstimos com os juros que obtemos dos investimentos do fundo.
No IV Governo Constitucional, fizemos uma diversificação, porque o dinheiro era praticamente todo investido no Fundo Soberano americano e os juros eram muito baixos. Passámos a investir em outros fundos, como o europeu, e os juros aumentaram logo.
O Governo também pode capacitar, nomeadamente na concessão de empréstimos, e capitalizar os nossos bancos com o Fundo Petrolífero. Só 1% do Fundo Petrolífero capitalizaria os bancos. Ou criávamos um banco de desenvolvimento e investimento, porque os investidores de qualquer país no mundo costumam pedir empréstimos aos bancos, não recorrendo ao seu dinheiro.
Eu acho que todos os timorenses com capacidade, deviam dar as maos em prol do desenvolvimento de TL. Uma so facao politca, seja ela qual for, tenha estado no governo ou nao, nao possui quadros nem “know how” para por TL na senda do futuro. Esta-se a perder tempo e a gastar rios de dinheiro em coisas feitas em cima do joelho. A educacao e a chave do futuro proximo, o turismo e a maior area depois do petroleo.
Falar, escrever e apontar os erros dos outros e a coisa mais facil na vida. Acertar no “bulls eye” requer esforco conjunto de TODOS.
A liberdade de cada um de nos acaba, quando a liberdade de cada um dos outros, COMECA!
Join forces, eat a lot of humble pie, put the PEOPLE OF TIMOR LEDTE, first.
O que fez este senhor enquanto no Governo? Políticos tudo igual
Joao
Nos fins dos anos 60 ele foi um grande jogador de futebol, foi ponta de lanca esquerda pelo nosso querido Sport Dili e Benfica!
Acho que meteu uns golos.