Januário Gonçalves: “Temos de olhar para a agricultura como uma maneira de aproveitar os recursos naturais do país e de criar negócios sustentáveis”

Em entrevista ao Diligente, o fundador da empresa EAMO (Ermera Aikulat Mutin Orgânico) fala sobre as razões para investir na produção local de cogumelos, e dos desafios em manter a iniciativa.

A alta taxa de desemprego em Timor-Leste é um desafio persistente que afeta milhares de pessoas em todo o país. De acordo com um relatório do Banco Mundial, divulgado este ano, apenas 30% da população em idade laboral (cerca de 234 mil pessoas) está empregada formalmente, ou seja, com algum tipo de contrato de trabalho.

Perante este cenário, muitos jovens decidem ir embora do país em busca de melhores oportunidades.

Porém, Januário Gonçalves, 26 anos, estudante do Instituto do Café de Timor-Leste (ETCI, em inglês), em Gleno, e os seus colegas da escola veem o problema como uma oportunidade, investindo energia e atenção na produção local de cogumelos.

A ETCI é a única instituição de ensino superior fora da capital, Díli, desenvolvendo ações voltadas para a promoção da agricultura orgânica sustentável, melhoria da segurança alimentar, redução da pobreza, melhor governação e igualdade de género.

Em entrevista ao Diligente, o fundador da empresa EAMO (Ermera Aikulat Mutin Orgânico) conta as razões que estiveram na origem do negócio de produção do fungo, e dos desafios em mantê-lo sustentável.

Como surgiu a ideia de iniciar o negócio?

Em 2015, quando eu e outro cinco colegas andávamos na ETCI, ouvimos a notícia de que Ermera era o segundo município mais populoso em Timor-Leste, depois de Díli. Também a pesquisa do Ministério de Saúde mostrava a maior taxa de malnutrição em Ermera, e uma pesquisa da SEFOPE, mostrava que a região ocupava o primeiro lugar na taxa de desemprego. Estes três casos preocuparam-nos muito. Então reunimo-nos e pensámos em fazer alguma coisa que tínhamos aprendido para lidar com a questão, em vez de irmos trabalhar para fora.

Naquele momento, eu e meus colegas, que vinham de diferentes áreas de formação, discutíamos sobre os recursos oferecidos pela natureza. Percebemos que havia muito potencial no cogumelo, e que já havia informações sobre as primeiras etapas para o seu cultivo. Decidimos aprender as fases seguintes e abrir uma empresa que produz cogumelos. Começamos a tratar dos documentos para criar o grupo chamado EAMO, que significa Ermera Aikulat Mutin Orgânico. Iniciámos a atividade em 16 de junho de 2018, com 150 dólares. A empresa foi registada no SERVE em 2019.

A produção de cogumelos mostrou-se altamente eficaz para nós, proporcionando um bom retorno todos os meses. Além disso, a produção pode ser facilmente realizada nas nossas instalações, embora exija paciência e atenção. Com um investimento de 25 centavos por unidade, podemos obter um retorno de até 2 dólares, o que não apenas beneficia nossa equipa, mas também tem o potencial de criar empregos para outros jovens. Estamos entusiasmados com esta nova empreitada.

Chegaram a ter alguma formação sobre como produzir cogumelos?

Em 2020, fiz algumas formações na Indonésia, Vietname, Laos, Camboja e Malásia e aproveitei para observar a produção de cogumelos. Em 2022, fui aos Estados Unidos e fiquei lá seis semanas, mas esta viagem foi mais voltada para lições de economia. Ambas as oportunidades foram oferecidas pela embaixada dos Estados Unidos, através do programa Youth Southeast Asean Leaders Iniciative. Também em 2020, um colega foi a Israel, apoiado pelo Ministério da Agricultura para se qualificar em agronomia. Por já termos fundos suficientes, no ano passado conseguimos financiar um curso de produção de sementes, na Indonésia, para um dos nossos membros. Agora podemos desenvolver bem a variedade de produção de sementes de cogumelos.

Quais são os principais desafios que enfrentaram para começar e manter este negócio?

No início, tivemos dificuldades no processo de incubação, devido à falha em inserir o micélio para a produção do fungo. Como já disse, tínhamos conhecimento sobre o cultivo de cogumelos, mas não de todas as etapas do processo. Então demos uma pausa de um mês para aprender. Tentámos várias vezes sem sucesso, e decidimos parar por seis meses. Depois de aprendermos de novo, inclusivamente em aulas no Youtube, finalmente conseguimos inserir o micélio com sucesso e alcançámos a produção. Daí em diante, começamos o negócio dos cogumelos.

Agora, a dificuldade em manter o negócio tem a ver com o facto de todos os equipamentos aqui serem manuais, não são automáticos. Então temos de trabalhar muito, o que faz com que, algumas vezes não correspondamos a uma maior exigência do mercado. O segundo desafio é o fundo. Ainda não temos fundos suficientes e sustentáveis para modernizar a produção. Com o fundo de investimento e o lucro, pagamos aos funcionários e os nossos salários. Mas com o fundo que temos, conseguimos comprar um terreno com 10 mil dólares.

Já receberam apoio do Governo ou de algumas organizações não governamentais?

Sim. Quando começámos, trabalhámos com o projeto USAID na área da agricultura. Eles apoiaram a empresa em termos de formação e com alguns materiais. Trabalhámos também com a embaixada da Nova Zelândia, que nos apoiou com formação e fornecimento de sementes. Tivemos ainda a contribuição do Governo de Timor-Leste, da embaixada dos Estados Unidos e trabalhámos com a OXFAM na parte da promoção do nosso produto.

Quantas pessoas trabalham na e com a empresa?

Somos 10 pessoas a trabalhar aqui. Nós, os seis fundadores, e outros quatro amigos que vieram trabalhar connosco. Já demos emprego a 25 pessoas. Vamos alargar o trabalho a quatro municípios: Suai, Díli e Baucau. Pretendemos alargar a nossa rede com os fornecedores de arroz, milho, cal, serragem (pó da madeira) – as matérias-primas necessárias para a formação do substrato.

Quais são os benefícios que veem na produção de cogumelos em termos de sustentabilidade e segurança alimentar?

A produção de cogumelos oferece uma série de benefícios em termos de sustentabilidade e segurança alimentar, incluindo o uso eficiente de recursos, baixa pegada de carbono, reciclagem de resíduos e alto valor de nutrientes dos produtos finais. Pesquisas evidenciam que o cogumelo contém valor nutricional igual ou maior à carne e contribui para curar doenças, como o colesterol. Com os cogumelos, as pessoas podem obter uma fonte adicional de nutrientes importantes para a saúde. O ciclo de produção de cogumelos é relativamente curto em comparação com outras culturas agrícolas, o que significa que os cogumelos podem ser produzidos em grande quantidade em um curto período de tempo. Isso permite uma produção constante ao longo do ano, independentemente das condições climáticas sazonais. A outra vantagem é que o cultivo é controlado e higiénico.

 Quais são os principais compradores?

A comunidade de Fatuquero, Gleno e os professores portugueses que trabalham aqui. Já temos acesso aos supermercados como o Leader, o W Four, além de diversas lojas. Também fazemos venda online. Usamos a promoção através do Facebook e tentamos divulgar o negócio na rádio e nos mais variados eventos.

Quanto custa uma unidade de cogumelo e qual o rendimento mensal gerado pela produção de cogumelos?

Cada unidade de cogumelo é vendida por um dólar. Podemos ter por dia 50 dólares. Em um mês, no mínimo, podemos ganhar mil dólares.

 Quais são as expectativas e planos para o futuro deste empreendimento?

Para o futuro, queremos que a EAMO seja um centro de indústria de cogumelos com muitas variedades, um modelo a ser seguido. Temos planos para otimizar a produção com a adoção de tecnologias mais avançadas, o que pode melhorar a eficiência e o cultivo. E depois queremos expandir o mercado para que haja mais pessoas a saber os benefícios nutricionais dos cogumelos. Assim, o mercado continuará a crescer, com oportunidades para diversificação de produtos.

Como é o trabalho em equipa e a colaboração para o sucesso do grupo na produção de cogumelos?

Trabalhamos com uma hierarquia bem definida, onde cada membro da equipa desempenha o seu papel de forma organizada. Temos o diretor da empresa, finanças e os trabalhadores. Como gestor de programas, lidero a nossa equipa. Todos aqui estão comprometidos em alcançar os nossos objetivos. Juntos formamos uma equipa sólida e determinada a concretizar os nossos sonhos. A colaboração eficiente e a paixão pelo que fazemos garantem o sucesso dos nossos projetos. Estamos prontos para enfrentar desafios e alcançar grandes conquistas.

Que mensagem gostaria de transmitir para motivar outros jovens desempregados que estão a enfrentar desafios semelhantes aos que já enfrentaram?

Perante a alta taxa de desemprego em Timor-Leste, especialmente entre os jovens, é importante utilizarmos o conhecimento adquirido na universidade para explorar novas oportunidades no país. Não devemos depender apenas do Estado para criar empregos. Podemos empreender ou trabalhar por conta própria. Mas temos de ser persistentes e corajosos para enfrentarmos os desafios. Na minha opinião, temos de olhar para a agricultura como uma maneira de aproveitar os recursos naturais do país e de criar negócios sustentáveis. No entanto, devemos agir com responsabilidade para garantir o uso responsável desses recursos. Juntos, podemos construir um futuro mais próspero e empoderar a nossa geração.