Em entrevista ao Diligente, o ginecologista sublinhou que ainda há muita falta de informação no país sobre a especialidade médica, situação que coloca em risco a saúde feminina.
A ginecologia é uma especialidade médica que se dedica ao estudo e tratamento do sistema reprodutor feminino, sendo essencial para a saúde das mulheres de todo o mundo. A área, que envolve orientações sobre métodos contracetivos, ainda é vista em Timor-Leste como um tabu.
Em entrevista ao Diligente, o médico pós-graduado em obstetrícia e ginecologia pela Universidade Nacional de Timor Lorosa´e (UNTL), Jaime Ximenes Moniz, falou sobre a importância das consultas regulares às cidadãs desde a fase da adolescência, e dos desafios que o país precisa de superar.
Para o profissional, a falta de informação, somada aos fatores culturais e religiosos, atrapalham o conhecimento das mulheres timorenses sobre o próprio corpo, e o acesso aos serviços ginecológicos.
“Precisamos de superar tabus e mudar mentalidades, por isso, a divulgação de informações sobre a importância dos exames ginecológicos, mesmo entre mulheres jovens, é essencial para prevenir complicações futuras”, destacou.
Dados de 2017 do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA, em inglês) revelam que, em Timor-Leste, quase 25% das mulheres são mães antes dos 20 anos.
De acordo com Jaime Moniz, as consultas ginecológicas podem ajudar a mudar esta realidade, além de contribuir para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
Para melhorar o acesso das mulheres aos cuidados específicos da área, o médico sugere também a formação contínua de profissionais de saúde, a fim de propiciar às cidadãs um atendimento de maior qualidade.
O que é a ginecologia?
A ginecologia é uma especialidade que se dedica ao estudo da saúde reprodutiva feminina, envolvendo sobretudo a prevenção de doenças e métodos contracetivos. É um campo que ainda é muito delicado para se abordar aqui em Timor-Leste. O exame ginecológico consiste na observação da vulva, vagina e colo do útero. Inclui ainda o uso de um instrumento chamado espéculo para examinar a vagina e o colo do útero.
Porque decidiu fazer a especialidade médica em obstetrícia e ginecologia? Como é a sua rotina de trabalho?
Quando estava na universidade, no meu quarto ano, tivemos uma rotação de serviço em três áreas: cirurgia, pediatria e obstetrícia e ginecologia. Cada área teve uma duração de três meses. Na obstetrícia e ginecologia, trabalhamos na sala de maternidade e na sala de operações. Testemunhei mães a darem à luz e bebés a chorarem.
Comecei a trabalhar nesta área, em 2017, no Hospital Nacional Guido Valadares, mas anteriormente trabalhava nos municípios. Na minha experiência lá, o que vivi levou a que me focasse mais na área de obstetrícia. Quando estamos em áreas mais remotas, o desafio principal é o primeiro contato com situações críticas, como ter de realizar partos nas primeiras horas da manhã ou à noite. As pessoas pedem ajuda, dizendo coisas como “o bebé está quase a sair” ou “o bebé vai nascer agora”.
Em 2014, quando me preparava para voltar a Díli, num fim de semana, uma ambulância veio do centro de saúde. Como o meu posto estava perto da estrada, eles viram-me, então chamaram-me e começaram a dizer que as pernas do bebé estavam a sair. Entrei em pânico, porque embora tenha visto, muitas vezes, parteiras a ajudarem mães a dar à luz, sozinho nunca tinha ajudado alguém a trazer o seu filho ao mundo. Estava completamente despreparado. Tentei ligar para Díli para encontrar um médico que pudesse orientar-me. No entanto, não consegui falar com nenhum colega para me ajudar. Felizmente, consegui manter a calma e lidar com a situação.
Essa experiência e os desafios que enfrentei durante o trabalho em áreas remotas fez com que eu amasse mais esta profissão, em que posso auxiliar mães durante o parto e lidar com saúde reprodutiva das mulheres, que são seres especiais.
“É importante que todas as mulheres tenham conhecimento sobre os seus corpos, falem sobre a menstruação, entendam o ciclo menstrual e os sintomas que ocorrem durante o período menstrual”
A partir de que idade uma menina pode ou deve ir ao ginecologista?
A consulta em ginecologia pode ser feita em qualquer idade, mas em alguns documentos é indicada uma certa idade. Normalmente, a partir do início da menstruação ou quando iniciam a atividade sexual. A consulta deve ser feita de seis em seis meses ou uma vez por ano.
No entanto, isso depende de cada caso, pois agora há muitas situações de abuso sexual em crianças, por isso, elas precisam de uma consulta ginecológica. Quando a mãe percebe que a criança está com uma coloração incomum na área genital, e quando verificamos, vemos que ela já não é virgem. Esses são casos especiais.
Mas as jovens que estão em idade reprodutiva precisam de consultas de aconselhamento, especialmente, as que pensam em iniciar a sua vida sexual. Porque as que começam a ter relações sexuais mais cedo têm uma maior probabilidade e risco de desenvolverem cancro do colo do útero. O cancro do colo do útero pode ser genético, mas, em muitos casos, pode desenvolver-se devido à infeção pelo vírus do papiloma humano (HPV), transmitido principalmente por contacto sexual. Portanto, é recomendado consultar o ginecologista semestralmente.
Muitas ainda não procuram o atendimento ginecológico logo no início da sua vida sexual, apenas quando os seus corpos começam a desenvolver algumas patologias ou quando desejam planear a gravidez. A maioria já vem com doenças graves.
É importante que todas as mulheres tenham conhecimento sobre os seus corpos, falem sobre a menstruação, entendam o ciclo menstrual e os sintomas que ocorrem durante o período menstrual”.
Qual é a importância das consultas regulares?
A importância das consultas ginecológicas está na prevenção em primeiro lugar e, em segundo, no diagnóstico precoce. Na prevenção, podemos detetar anormalidades nos órgãos femininos e também identificar fatores de risco para o funcionamento do sistema reprodutor feminino. O diagnóstico precoce ajuda os médicos a avaliarem o estado e a condição dos órgãos genitais femininos, bem como realizar cirurgias mamárias para detetar patologias. Esses exames têm como objetivo relacionar doenças como as sexualmente transmissíveis, cancro do colo do útero e cancro da mama.
Quais são os maiores desafios da ginecologia em Timor-Leste?
O problema que esta área enfrenta, neste momento, é preocupante. Algo que realmente precisa der ser melhorado e investido é a educação. O nível de educação de cada pessoa não é o mesmo, assim como o nível cultural e religioso. Esses fatores contribuem para criar tabus. A educação sexual é muito importante, mas esse assunto ainda é tabu. A educação sexual está diretamente relacionada com a ginecologia e a obstetrícia. Como tinha mencionado anteriormente, a falta de conhecimento e tratamento precoce pode levar a situações em que os pacientes contraem doenças sexualmente transmissíveis ou, no futuro, podem desenvolver cancro ou outras patologias devido à falta de prevenção adequada.
A falta de conhecimento e a falta de discussão nesta área, muitas vezes, faz com que as pessoas não se previnam adequadamente. Além disso, dentro das famílias não falam sobre o tema e a resistência cultural dificulta a disseminação de informações. Quando as jovens começam a fazer sexo, a situação piora, uma vez que, têm receio e vergonha de falar sobre isso. Levar os filhos ao médico também é desafiador, as pessoas têm medo do exame e têm receio de que o médico saiba que os seus filhos não são virgens. No contexto de Timor, a maioria das pessoas não procura consulta, exceto aquelas que têm um nível de educação de qualidade e conhecimento ou que estudaram medicina e já têm uma mentalidade diferente e consideram natural fazer este tipo de consulta.
Como as pacientes reagem ao ver os equipamentos utilizados nas consultas de rotina? Costumam assustar-se?
As reações das pacientes aos equipamentos, normalmente, são de receio e susto, na primeira vez. Isso é normal, sempre procuramos maneiras de as incentivar e garantir que os equipamentos não causem danos físicos. Algumas já chegaram a evitar as consultas depois de verem os equipamentos, mas é raro. Fatores religiosos também contribuem para desmotivar as pessoas a procurarem atendimento médico.
Como médico ginecologista que atende muitas pacientes de todas as idades, quais são os problemas/patologias mais comuns entre as mulheres?
Os problemas mais comuns entre as mulheres incluem questões infeciosas e não infeciosas, como quistos e miomas. As infeções podem ser transmitidas por meio de relações sexuais e incluem condições como vaginose bacteriana e infeções do trato genital. A anatomia dos órgãos femininos é complexa, envolvendo a vulva, vagina, colo do útero, útero, trompas de falópio e ovários.
As infeções transmissíveis são frequentemente encontradas através da vagina, podendo espalhar-se para o colo do útero e, eventualmente, para as trompas de falópio. A falta de tratamento adequado nessas áreas pode levar a condições inflamatórias agudas na cavidade pélvica, resultando em um quadro chamado de doença inflamatória pélvica aguda (DIPA).
A inflamação aguda na pelve pode causar danos irreversíveis nas trompas de falópio, levando à infertilidade. Infeções não tratadas também podem espalhar-se e causar complicações graves, como cancro cervical. Portanto, é importante procurar tratamento médico precoce para evitar essas doenças. Os sinais de problemas, como corrimento anormal, devem ser avaliados por um profissional de saúde para garantir que qualquer infeção seja tratada adequadamente antes que se torne uma infeção mais séria.
Na sua opinião, porque motivo muitas mulheres timorenses não conhecem os serviços de ginecologia?
Parece que há muitas barreiras que impedem as mulheres timorenses a procurar serviços de ginecologia. Alguns dos fatores incluem a falta de informação, níveis variados de educação e cultura. Portanto, é crucial que haja uma divulgação eficaz de informações sobre questões e doenças relacionadas com a saúde feminina, como cancro cervical, infeções e planeamento familiar.
Os centros de saúde devem tomar a iniciativa de fornecer informações e realizar campanhas educativas nas escolas e comunidades. Incentivar as mulheres a procurarem consultas e promover a consciencialização sobre a importância dos cuidados ginecológicos pode ajudar a ultrapassar essas barreiras e garantir que as mulheres tenham acesso a serviços de saúde reprodutiva.
Em Timor-Leste, muitas mulheres são vítimas de discriminação no acesso aos cuidados de saúde com base em fatores culturais. Como vê essa situação? Isto está a prejudicar a saúde pública?
É preocupante observar que muitas mulheres em Timor-Leste são vítimas de discriminação a vários níveis, e isso está relacionado com diferentes fatores, com o nível de conhecimento desempenhando um papel significativo. Não são apenas os pacientes que precisam de consciencialização, mas também os profissionais de saúde, que devem estar atualizados e bem informados sobre questões de saúde reprodutiva.
A discriminação pode ocorrer com base em fatores como religião e cultura, onde a falta de conhecimento ou respeito pelos direitos das mulheres pode levar a uma recusa de serviços de saúde, como planeamento familiar e todos os possíveis métodos contracetivos para evitar doenças sexualmente transmissíveis. É importante destacar que, de acordo com a lei, todos têm direito a cuidados de saúde adequados e dignos, incluindo o direito ao planeamento familiar.
O que pode ser feito para mudar esta situação e aumentar o número de mulheres a ter acesso e a querer consultar o ginecologista?
Para ultrapassar esses desafios, é indispensável realizar esforços coordenados que envolvam a comunidade e os profissionais de saúde. A educação e a consciencialização desempenham um papel fundamental para garantir que as mulheres estejam cientes dos seus direitos, especialmente no que diz respeito à saúde reprodutiva. Além disso, é necessário promover uma mudança cultural que respeite e apoie os direitos das mulheres em relação à saúde reprodutiva.
Boa informacoes sobre a saude de Timor Leste, porque tem muitas doencas contagiosas em relacao com transmisao sexual…abrazo a voces
Bravo dr. Jai 👏💪🏽 Bom trabalho
As mulheres sabem bem o seu direito nao so relativamente ao que toca a saude reprodutiva bem como todos os outros direitos consagrados na constituicao de TL. O problema real nao e esse, o problema real e que os homens bestas machoes, vetam todos esses direitos, simplesmente porque as temem.
Give the Timorese Ladies a fair go!