Isaura Batista Barros: “Se o ambiente fosse um ser humano, iria queixar-se das marcas que lhe deixamos”

“Estamos todos no mesmo barco. Temos de lutar para salvar o nosso planeta”, diz a jovem ambientalista/Foto: Diligente

Em entrevista ao Diligente, a coordenadora do Movimento Católico Laudato Si’ fala sobre a importância de cuidar do ambiente, para atenuar o efeito das alterações climáticas.

Natural do município de Ainaro, Isaura Batista Barros, 23 anos, é estudante finalista do departamento de Ciências Sociais, do curso de Relações Internacionais, na Universidade Nacional de Timor Lorosa’e (UNTL). Paralelamente, é coordenadora no Movimento Católico Laudato Si’, em Timor-Leste.

Juntou-se ao movimento depois de uma formação online, de três meses, durante a pandemia Covid-19, em 2020. O curso foi realizado pelo Laudato Si’, da Ásia Pacífico. O movimento parte de uma carta, publicada em 2015 pelo Papa Francisco, com o objetivo de cuidar do meio ambiente e de todas as pessoas, além de abordar questões mais amplas , como a relação entre Deus, seres humanos e o planeta terra.

O documento, dividido em seis capítulos inicia com “o que está a acontecer na nossa casa”, resumindo assim o que se pretende abordar nas páginas seguintes. Poluição, mudanças climáticas, escassez de água, biodiversidade , desigualdades a nível global, são alguns dos tópicos presentes na carta.

Conceitos como ecologia , “acordos internacionais, novas políticas nacionais e locais, tomadas de decisão inclusivas e transparentes e uma economia ordenada para o bem de todos” fazem parte das “Linhas de orientação e ação” e compõem o resto da carta que originou o movimento.

Enquanto coordenadora do Movimento Católico Laudato Si’, Isaura garante a disseminação de informações básicas, para que os cidadãos cuidem do ambiente. E essa sensibilização começa por cima, pelos mais poderosos, para que sirvam de exemplo a “cuidar da nossa casa”.

Como é que se deu este seu envolvimento com a causa ambiental?

Tudo começou numa formação online, já em tempos de pandemia (Covid-19), da Laudato Si’, na Ásia Pacífico. Mais tarde, reunimo-nos para preparar o nosso projeto. Então, juntámo-nos à comunidade religiosa Magis Timor-Leste para disseminar o Laudato Si’. Tudo fazia sentido, porque sabíamos que este movimento parte do documento do Papa Francisco, sobre ecologia e crise ambiental.

Antes não tinha noções básicas sobre a causa ambiental, logo, não havia uma paixão propriamente dita, apesar de ter participado em várias atividades voluntárias. Nem sequer sabia o que falar sobre este assunto, uma vez que as escolas não abordam muito este tema. Depois do curso, percebi que a destruição do ambiente é um problema que afeta o mundo inteiro, sobretudo os países mais vulneráveis . Todos nós produzimos muito lixo e todos somos culpados. Assim, temos todos de mudar os nossos hábitos para conseguir preservar o ambiente.

Em Timor-Leste, já se sentem efeitos das alterações climáticas? De que forma?

No nosso país, já sentimos alterações climáticas. Por exemplo, já estamos no mês de dezembro, na época das chuvas, mas choveu muito pouco até agora e em alguns sítios do país ainda não choveu. Isto é um sintoma desta mudança climática. Muitas vezes, pensamos que é algo normal, mas não é. Todos devem ter em mente que as alterações climáticas não afetam só os países desenvolvidos, com altas produções industriais, grandes infraestruturas. Estamos todos no mesmo barco . Temos de lutar para salvar o nosso planeta.

O que podemos fazer para mitigar estes efeitos?

Claro que não podemos eliminar todos os efeitos das alterações climáticas. Podemos, no entanto, sensibilizar a nossa sociedade e corrigir alguns hábitos que contribuem para essas alterações.

Além disso, devemos controlar o desperdício de energia elétrica. Por exemplo, quantas vezes, durante o dia, não temos a luz acesa desnecessariamente . Não faz sentido. Cada um de nós deve questionar-se: “se tenho a luz do dia, porque é que vou ligar a luz? Se tenho o ar da natureza, porque é que tenho o ar condicionado ligado o dia inteiro?”. Se pensarmos bem nestas questões, percebemos que são hábitos desnecessários.

Também herdámos dos nossos antepassados os modos de cuidar da terra para preparar a horta. Muitas vezes, quando a colheita é má, as pessoas procuram outro terreno para cultivar. Chegam, cortam as árvores, queimam-nas, queimam o terreno para o tornar fértil e esquecem-se que estão a estragar a natureza. Acreditam que, por mudarem de terreno, vão ter melhores colheitas. Mas, na verdade, não é assim. A meu ver, o resultado de um colheita tem a ver com a forma de cultivar e de cuidar das produções. Assim, é impossível criar sustentabilidade .

Por tudo isto, quero continuar a passar a palavra da causa ambiental, de modo a que a nossa comunidade e os nossos líderes tenham consciência das boas práticas, para não estragarmos (ainda mais) o nosso planeta.

Em Timor-Leste, quais são os fatores que têm impacto nas alterações climáticas?

Como o nosso país ainda não tem produção industrial, não há propriamente um impacto ao nível de resíduos industriais, como noutros países mais desenvolvidos. Ainda assim, podemos falar do hábito que a maioria da população tem de deitar o lixo para o chão. Existem poucos postos para depósito de materiais poluentes, como pneus velhos, metais enferrujados, garrafas de óleo, vidros, entre outros. Este hábito de deixar lixo em lugares inapropriados é um dos maiores desafios a que a maioria dos timorenses ainda faz vista grossa .

Considero muito difícil erradicar os efeitos climáticos que já se fazem sentir, mas podemos, pouco a pouco, diminuir o uso de materiais descartáveis , como garrafas, embalagens e sacos de plástico, latas de refrigerantes, entre outros. Já referi anteriormente o uso de energia e podem ser criadas medidas para controlar esse desperdício de energia elétrica.

“Peço a todos para trabalharmos em conjunto, dado que somos as vozes do ambiente. Só assim podemos combater estes atos irresponsáveis. Vamos fazer justiça ao nosso ambiente”

No início deste mês (01.12) foi oradora no seminário nacional sobre “justiça ambiental em Timor-Leste”. Há injustiça ambiental no país. Pode dar alguns exemplos?

A injustiça ambiental em Timor-Leste acontece sempre que cortamos uma árvore, sempre que deixamos resíduos em locais inapropriados, sempre que alteramos terrenos sem qualquer tipo de critério . Se o ambiente fosse um ser humano, iria queixar-se das marcas que lhe deixamos.

No Laudato Si’, procuramos chamar a atenção, mas os cidadãos não querem colaborar, perguntam logo: “tu estás a trabalhar para isso?”. Ou dizem: “deitamos o lixo no chão para que os funcionários do saneamento possam ter trabalho. Caso contrário, eles não têm nada para fazer”.

Peço a todos para trabalharmos em conjunto, dado que somos as vozes do ambiente. Só assim podemos combater estes atos irresponsáveis. Vamos fazer justiça ao nosso ambiente.

No país, apesar de haver uma lei que regula o uso do plástico, nota-se um uso excessivo deste material e isso faz-se sentir na via pública. Considera que há uma dificuldade das autoridades na aplicação da lei e em promover ações de consciencialização ambiental?

A lei que regula o uso do plástico gera sempre questões. Mesmo com esta lei, passamos em qualquer lado e vemos sacos de plástico e outros resíduos espalhados pelas ruas. Hoje em dia, o que vemos à nossa volta já não são folhas de árvores, mas sacos de plástico, garrafas, etc. No fundo, esta lei está longe de ser bem aplicada.

Nos seminários nacionais ou internacionais em Timor-Leste vemos garrafas de plástico em cima das mesas. Estas situações são motivadas pelos líderes, não pelo cidadão comum. Então, como é que podemos controlar o uso do plástico? Alguns dizem que a prática desta lei ainda é fraca, que não se consegue colaborar com todas as partes, sobretudo com os donos dos hotéis e dos serviços de catering . Os responsáveis dos seminários deviam pedir, como requisito , que as empresas que fornecem os espaços e a comida não usem garrafas de plástico nos eventos.

O nosso Governo criou esta lei para mitigar o uso de plástico, mas, na minha opinião, vai ser difícil aplicá-la a 100%, uma vez que todos os materiais ou alimentos importados vêm embrulhados em plástico.

Além disso, só os supermercados é que estão a trocar os sacos de plástico por sacos (sacolas) reutilizáveis . Nos quiosques continuam a entregar os produtos em sacos de plástico.

Atualmente, desempenha funções como coordenadora da Laudato Si’ Movement Timor-Leste. Pode explicar-nos melhor os trabalhos desenvolvidos nesse projeto?

Laudato Si’ é um movimento focado no meio ambiental, com destaque para as alterações climáticas.

Trabalhamos em parceria com as organizações não-governamentais que também estão centradas no meio ambiente. Uma delas é a Mercy Corps, que nos ajuda na preparação e no treino dos membros desta organização. Também trabalhamos junto das escolas e da população em geral, educando as pessoas para estas questões ambientais.

Durante o meu mandato, queremos continuar próximos da comunidade, para ajudar no que pudermos, como já o fizemos, por exemplo, em 2021, quando construímos um contentor do lixo para a comunidade do suco Camea.

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  1. Em TL ainda so e um “beiro” que mete agua incessantemente. Ha 60 anos tambem a chuva ja ” pregava partidas”. Quanto ao lixo sugiro que ponham 2 contentores de 10 toneladaa cada a frente da minha ex-escola Industrial e Comercial Professor Silva Cunha. Ha muito lixo acumulado nas redondezas!

    Ze Vassoura
    Pueta e escritor de TL

  2. Ha 60 anos havia trovoadas e relampagos que cortavam os coqueiros a meio e punham-os a arder. Por altura do Natal as galinhas entravam em greve, nao punham ovos para se fazerem os pao-de-los e as mulheres davam-nos cabo do cachimonio pois nao podiam fazer a docaria da quadra natalicia. O arroz raptava o acucar e iam para um encontro amoroso para a areia branca e praia dos coqueiros e nao passavam cartao a ninguem. Ninguem os via por um mes ou dois.
    Usava-se mel para adocar a boca, comia-se mandioca, milho e “feuco ropa”.
    O arroz para quem fosse sortudo e apanhasse 2 ou 3 kg, cheirava a bafio. Estava escondido nos armazens dos comerciantes chineses.
    As estradas ainda nao estavam alcatroadas e sem chuva mas com o calor, o senhor vento soprava e punha as nossas caras cheias de “po de arroz”.
    As noites eram calidas e a escuridao fazia-nos lembrar do bua, do rai nain e da PIDE.
    Tres ingredientes para fazer perder o sono!

  3. Ha 60 anos choveu “caes e gatos”, inundou caicoli, colmera, dili, as ribeiras rebentaram viveu-se por uns dias com “cagalhoeszinhos como turistas” e o meio de transporte eram os beiros e bidons, sim bidons.
    Lavava-se a roupa a porta de casa nao se necessitava de ir pra ribeira.
    E ja se falava nas profecias do Nossodamus!

  4. Era a era das “vacas magras” ou seja vacas com tetas magras.
    Nao tinhamos o fundo do petroleo nem os “houdines” de hoje pars fazer desaparecer os dolares mais depressa que o estrondo dos trovoes. Imaginem o que TL seria hoje se houvesse fundo do petroleo sem massaroca?
    Ninguem queria ser politico, tinhamos de por as vagas para os estrangeiros concorrerem. Hasta publica.

  5. Se o ambiente fosse ser humano estava ali sepultado na quinta das tabuletas ou jardim das flores em Santa Cruz. Na tabuleta podia ler-se:
    Aqui jaz Ambiente da Costa Mundial, uma joia de ser humano. Na vida nunca tomou partido de religiao, raca, nunca pertenceu a nenhum partido politico, nunca fez mal a uma mosca. O seu maior pecado foi fazer o bem para e por todos.
    Morreu atraicoado nao por um Judas mas por milhoes deles.
    As portas da morte pediu que na sua placa pudesse ler no fim: “Nao vale a pena lagrimas de crocodilo”.

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