Internet e direitos digitais em Timor-Leste são tema de debate em Kuala Lumpur

Participantes da mesa-redonda/Foto: Conselho de Imprensa de Timor-Leste

A limitação de acesso às tecnologias da informação e comunicação, a ineficiência de leis e regulamentos (e a inexistência de outras) e a desigualdade de acesso à internet foram os principais entraves apontados durante a discussão. Documento destaca que a internet no país é a mais cara e lenta do Sudeste Asiático.

Com o intuito de discutir o atual estado da liberdade na internet e o direito digital em Timor-Leste, o International Forum of Senior Executive Advisers (IFSEA), em parceria com o International Centre for Not-for-Profit Law (ICNL) e a Asia Centre, realizou, no passado dia 2 de novembro,  em Kuala Lumpur, na Malásia, uma mesa-redonda que reuniu representantes de diferentes áreas.

A iniciativa debruçou-se sobre questões relacionadas com o acesso ao ciberespaço e os respetivos impactos socioeconómicos no território timorense.

“O acesso à internet continua a ser desigual entre homens e mulheres, crianças, idosos, LGBTQIA+ e minorias. Estes últimos, são vítimas, muitas vezes, de discursos de ódio, intimidação e assédio online, sendo mais vulneráveis a crimes cibernéticos. Falhas de conexão são as queixas mais comuns dos cidadãos, que revelam um descontentamento constante com os serviços de internet do país – os mais lentos e mais caros do Sudeste Asiático”, consta do documento da mesa-redonda.

Fernando Ximenes, membro da Associação Timorense para a Informação e Tecnologia Progressiva (IPT-TL, em inglês) e autor do relatório, afirmou que, apesar de o país ter leis sobre a proteção da liberdade, não consegue materializar os direitos dos cidadãos, incluindo os dos jornalistas.

“Discurso de ódio, intimidação, abuso online, racismo e outros comentários são muito frequentes contra trabalhos de pessoas ou jornalísticos que são mais críticos, sobretudo quando há alguma entidade pública envolvida. Estas atitudes não contribuem para a liberdade de expressão em Timor-Leste”, destacou.

Fernando Ximenes também ressaltou que o processo de distribuição de rede de internet por parte das empresas fornecedoras não é transparente. “Os grupos mais carenciados não conseguem ter acesso à internet, já que é muito caro e nas áreas remotas nem sequer há sinal. Em Díli há, mas  com pouca qualidade”, observou.

Para além disso, em entrevista ao Diligente, o membro da IPT-TL referiu ainda a necessidade de proceder a uma revisão da lei da comunicação social, uma vez que a legislação só abrange os media tradicionais. “Queremos que esta lei abarque também os media digitais, como bloggers, youtubers, media das organizações não governamentais (ONG’s), que também produzem conteúdos informativos. É uma segurança a mais”, salientou Fernando Ximenes.

Por sua vez, o adjunto da Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça, Rigoberto Monteiro, considerou que o acesso à internet é um direito comum dos cidadãos. “O Estado deve considerar o direito digital como um direito humano. Deve haver um maior  investimento para promover uma internet justa e para todos”, alertou.

Nesse sentido, Rigoberto Monteiro pediu atenção especial dos governantes para medidas que promovam a literacia mediática, como por exemplo, ações a serem colocadas em prática com estudantes das escolas públicas.

“A literacia digital deve fazer parte do currículo escolar para que os estudantes possam saber a importância das tecnologias da informação e comunicação na sua vida diária. Os líderes do país têm de pensar numa política orçamental e em programas e atividades que reflitam a era digital, uma vez que todos os setores estão ligados à internet”, realçou o adjunto da Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça.

Para além disso, Rigoberto Monteiro reconheceu que, embora exista a lei de comunicação social que protege o trabalho dos jornalistas, às vezes, os profissionais praticam autocensura, sobretudo quando as notícias se referem a líderes históricos ou à Igreja Católica. “Dizem que não querem investigar o caso, porque envolve líderes históricos, acabando por não terem coragem de publicar artigos que deveriam ser denunciados pelos órgãos de comunicação social, por medo de vinganças”, disse.

Já Alberico da Costa Júnior, diretor da Direção de Análise e Desenvolvimento dos Media (DADM), do Conselho de Imprensa, avaliou que Timor-Leste tem uma constituição e leis muito fortes sobre a liberdade de expressão e de imprensa – que, em tese, asseguram o trabalho soberano dos jornalistas –, mas que, na prática, não são suficientes quando os alvos em questão são pessoas com poder económico, político ou religioso.

“Quando os trabalhos jornalísticos pressupõem uma crítica, os líderes consideram que estão a ser difamados. Temos muitos casos no país de discriminação e abuso contra mulheres e meninas, maus-tratos a jovens, mas as pessoas normalizam o assunto, porque os predadores, muitas vezes, são os próprios líderes”, afirmou Alberico da Costa Júnior.

Elia da Costa Araújo, pesquisadora feminista, analisou, na mesa-redonda, que é fundamental haver campanha junto das pessoas sobre educação na internet e injustiça social.

“Não só os jornalistas ou movimentos podem falar sobre várias injustiças: os jovens e a comunidade também podem usar a internet para denunciar possíveis violações ou algum problema que o poder público não consegue resolver. Em Timor-Leste, é muito difícil irmos diretamente às pessoas que têm poder”, sublinhou.

Por sua vez, Anacleta da Silva, representando a Organização Não-Governamental (ONG) Peace Centre, destacou que muitas mulheres são vítimas de abusos por causa das redes sociais, uma vez que não há uma legislação específica sobre proteção de dados.

“Muitas cidadãs têm imagens (fotos e vídeos) espalhadas nos espaços digitais sem o respetivo consentimento. Além disso, quando criticamos, no ambiente das redes sociais, um líder que assediou mulheres em direto, a polícia vai imediatamente a casa dos indivíduos que fizeram a crítica, sem qualquer licença oficial, apenas com uma ordem do comandante, porque se trata de um líder”, concluiu.

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  1. No que diz respeito à distribuição da rede nas zonas rurais, tanto quanto sei, existe um acordo entre o governo e os três operadores e actualmente os ministérios e reguladores relevantes deveriam desempenhar a função de controlo, e como todos sabemos, actualmente a única tecnologia que suporta internet a velocidade de acesso são cabos ópticos subaquáticos., uma operadora está pronta para construir a sua própria no interesse de melhorar o acesso à Internet neste país e, claro, isso terá um impacto em todas as formas de digitalização. Se todos nos queixarmos e não fizermos nada, ficaremos muito para trás no domínio da tecnologia da informação, o que, naturalmente, tem um impacto no mundo da educação, dos serviços públicos, dos escritórios sem papel, das pescas, da agricultura, da indústria do turismo, e assim por diante. sobre. O que não devemos esquecer é o rápido desenvolvimento da inteligência artificial, portanto o papel do parlamento e do governo na elaboração de leis é necessário para garantir a segurança dos utilizadores e do país.

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