Incomodada com protestos de estudantes, ministra da Educação abandona seminário

A ministra da Educação no encontro com os estudantes: diálogo não fluiu/Foto: Diligente

Consciente dos desafios que a área enfrenta no país, público quis questionar Dulce de Jesus Soares, que deixou as perguntas sem respostas, após intervenção do moderador em evento na Sala de Leitura Xanana Gusmão, em Díli.

A ministra da Educação, Dulce de Jesus Soares, abandonou um seminário realizado na Sala de Leitura Xanana Gusmão, em Díli, na tarde de sexta-feira (02 de fevereiro), no momento em que os estudantes começavam a fazer perguntas relacionadas com os problemas nas escolas públicas de Timor-Leste.

Com início às 14h00, o evento era subordinado ao tema “Plano estratégico de implementação do sistema curricular no setor da educação em Timor-Leste” e deveria terminar às 16h00. Contudo, com a saída da ministra, acabou muito antes.

Quando um estudante fazia uma pergunta, o moderador interveio e comunicou que já havia ultrapassado um minuto, passando a palavra para outra pessoa. O ambiente no local, que já era carregado mesmo antes do início da sessão, ficou então ainda mais tenso. Indignados, os estudantes protestaram contra a regra estabelecida, argumentando que os cidadãos deveriam ter o tempo que quisessem para questionar a governante. Incomodada com a situação, a ministra retirou-se.

Moisés Alves, 24 anos, aluno da Faculdade de Agricultura da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), ressaltou que, perante a seriedade do assunto e os desafios atuais da área, o público deveria ter mais tempo e liberdade para fazer perguntas à autoridade.  “É impossível falar sobre um tema com tantos problemas estruturantes num minuto apenas. O moderador foi autoritário, restringindo o tempo e o direito das pessoas de indagarem a ministra”, afirmou.

No entanto, Elias de Jesus, responsável pela organização do seminário, apontou o dedo aos participantes. “Devido ao elevado número de intervenientes, decidimos que apenas três pessoas poderiam fazer perguntas, um minuto para cada. Infelizmente, não respeitaram as orientações, gritaram e a situação ficou caótica, levando a ministra a abandonar o evento”, disse.

O Diligente tentou entrevistar Dulce Soares sobre o sucedido, mas a governante recusou-se a prestar declarações.

“Os filhos do povo é que sofrem com estas políticas, porque os filhos dos governantes estudam em escolas internacionais ou no estrangeiro”

Queixas dos participantes

O público, que não conseguiu dirigir perguntas à ministra, conversou com o Diligente.

Moisés Alves destacou “a discrepância entre o que a governante diz e o que ela faz”.  “Tem de haver uma revolução de mentalidades por parte das autoridades deste país”, resumiu. O jovem lamenta as condições precárias de muitos estabelecimentos de ensino, a falta de livros e a sobrelotação das turmas, problemas que, na sua opinião, se devem à falta de investimento do Estado na educação, “setor-chave para o desenvolvimento do país.”

O universitário criticou ainda o facto de a ministra não ter renovado os contratos de muitos professores, deixando os alunos sem aulas. “Os filhos do povo é que sofrem com estas políticas, porque os filhos dos governantes estudam em escolas internacionais ou no estrangeiro”, observou, acrescentando que as medidas do Ministério da Educação “só contribuem para o aumento do número de desempregados em Timor-Leste”.

A propósito do recrutamento de pessoal docente, Evalina dos Reis, 25 anos, estudante na Universidade Católica de Timor-Leste, teceu duras críticas ao processo. “Em algumas escolas, muitos professores foram escolhidos sem terem passado pelo concurso público e sem sequer serem licenciados em Educação. Alguns têm apenas o diploma do ensino secundário”. Segundo a jovem, a situação é uma consequência de o Ministério da Educação ter autorizado que as escolas selecionassem professores casuais, favorecendo assim o nepotismo.

O que diz a ministra

No seu breve discurso no seminário, Dulce Soares referiu que, a partir de 2007, foram estabelecidas muitas escolas no país e muitos professores foram recrutados sem passarem por uma seleção. “No IV Governo Constitucional, foram incorporados cidadãos que trabalhavam em instituições estatais, incluindo no Ministério da Educação, para darem aulas”, relatou.

Na altura, segundo a governante, o Ministério da Educação registou aproximadamente sete mil professores, sendo que mais da metade (quatro mil) não preenchia os critérios para dar aulas. Dulce Soares sublinhou que, mesmo com a criação de leis nos anos anteriores para evitar a contratação de educadores sem qualificação, a questão não foi resolvida. A ministra informou que foi criada uma equipa de trabalho, liderada pelo gabinete de avaliação do desenvolvimento curricular, para prestar apoio didático aos docentes.

Sobre a não renovação de contrato dos 1.484 professores, situação que tem levado muitos educadores à rua em protesto, Dulce Soares não comentou. O Ministério da Educação promete realizar um processo seletivo para a admissão de professores em regime de carreira e que, com isso, os educadores que não tiveram os contratos renovados poderão voltar a trabalhar. Ainda não há uma data oficial para a seleção.

Em maio do ano passado, foi publicado no Jornal da República o decreto-lei nº 31/2023, que define os critérios de entrada no regime de carreira. Aprovada pelo Ministério da Educação, a legislação prevê a comprovação de “possuir as habilitações académicas legalmente exigidas para a docência no nível de ensino e grupo de recrutamento a que se candidata” e a “aprovação em prova de avaliação de conhecimentos e competências”.

De acordo com os dados do Ministério da Educação, em 2023, existiam 10.523 professores efetivos e 5.203 contratados.

Ver os comentários para o artigo

  1. Desde 2007 ainda nenhum ministro da educacao foi capaz de criar cursos de reciclagem para capacitar estes 1.4 mil professores? No tempo portugues todos os anos nas ferias grandes vinham para Dili dezenas de monitores escolares, professores de posto para cursos de aperfeicoamento e reciclagem, onde aprendiam novas regras didaticas, etc….

  2. Exma Sra. Ministra de Educação de Timor leste

    Dulce de jesus Soares

    Venho por este meio solicitar a quem de direito que me possa esclarecer sobre o assunto em questão:

    Critérios de acesso e bolsa de estudo aos candidatos ao ensino superior em Portugal via DGES(Portugal).

    G – Nacionais de Timor-Leste

    São abrangidos pelo regime especial G os candidatos nacionais de Timor-Leste que satisfaçam, cumulativamente, as seguintes condições:
    a.    Sejam titulares de um curso de ensino secundário português ou de habilitação legalmente equivalente, desde que concluídas em Timor-Leste;
    b.    Apresentem a candidatura por via diplomática, através da embaixada do respetivo país em Portugal;
    c.    Tenham idade igual ou inferior a 25 anos em 31 de dezembro do ano em que apresentam a candidatura.

    Não concordo com a alínea a) onde exclui qualquer cidadão timorense que por razões alheias ou circunstancias esteja a fazer o ensino secundário por exemplo em Portugal. Por que razão este cidadão/cidadã timorense é excluído do acesso ao ensino superior se terminar o ensino secundário em Portugal(ex.). Para mim parece haver um equívoco pois colocam o acesso ao ensino superior no mesmo patamar que os bolseiros quando para a mim o acesso deverá ser livre e universal quanto aos bolseiros trata-se de um regime especial que o estado oferece aos candidatos mediante critérios de avaliação de recursos financeiros(rendimento familiar). Mas afinal existem cidadãos de primeira e segunda classe? Que eu saiba os cidadãos timorenses residentes no estrangeiro não perdem os seus direitos só por viverem no estrangeiro(emigrantes) ou só são precisos para ir votar? Vou dar um exemplo: tenho um sobrinho a estudar no Colégio Militar em Lisboa. Os pais e toda a família estão fazer um esforço enorme tanto económico como social para que ele tenha um ensino e educação pautada pelo mérito e qualidade. Faz algum sentido que ele ao fim de sete anos nesta instituição e quando se aproxima o último ano de curso 12º ano de escolaridade tenha que desistir da sua graduação e viagens de finalistas para terminar o 12º ano em Timor Leste? Mas afinal o que é que pretendemos com esta alínea, desde que concluídas em Timor Leste? Na minha opinião esta alínea é discriminatória pois deveria de haver um número mínimo de candidatos(quotas) ou um limite mínimo de permanência para candidatos fora de Timor Leste.
    Sra Ministra acha que esta alínea em terminar o 12 ano em Timor leste é consequentemente correta?
    Atentamente,

    Telmo Godinho

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