Reunindo empresários locais, economistas e entusiastas, o evento da Organização Não-Governamental realizou uma série de atividades: mesas-redondas, workshops e um concurso que premiou o projeto com a proposta mais bem elaborada.
Realizou-se, no passado sábado (2.12), no Hotel Timor, em Díli, a Feira do Empreendedor, evento que reuniu vários cidadãos de Timor-Leste com diferentes ideias de negócio. O evento, que chegou à sua 22ª edição, foi organizado pelo MOVE, uma Organização Não-Governamental (ONG) sediada em Portugal que pretende “capacitar empreendedores para mover o mundo”. A ONG desenvolve atividades em território timorense desde 2011.
A Feira contou com workshops, testemunhos, mesas-redondas, um concurso de apresentação de projetos empresariais e um concerto da banda The Kraken para encerrar.
Com o tema “A importância da Iniciativa Privada”, participaram como oradores na mesa-redonda Rui Maria de Araújo (político e médico), Ana Andrade (diretora-adjunta do banco BNU) e Nina Leong, (artista e empreendedora). Na discussão, mediada pelo jurista João Fernandes Moreira, abordou-se os desafios que o país precisa de superar para que o setor privado contribua para o desenvolvimento nacional de forma mais efetiva. No país, o salário mínimo de 115 dólares não é reajustado desde 2011 e o desemprego atinge 27% da população de 1,3 milhões de habitantes, segundo estudo da ONG La’o Hamutuk, de 2021.
Em sua intervenção, Ana Andrade enfatizou os obstáculos para conseguir capital de investimento sem depender do Governo. “Os empreendedores não vão ter crédito se não tiverem garantia. Normalmente, fazem-nos através de certificados de terreno, mas muitos não mostram um registo completo e seguro”, informou. Além disso, um dos requisitos para conseguirem o empréstimo, e que muitas empresas falham, é a organização da contabilidade da empresa.
Ana Andrade ressaltou que as áreas com potencial de desenvolvimento e que merecem a atenção dos empreendedores são a agricultura, a pesca e o turismo.
O ex-primeiro ministro de Timor-Leste (VI Governo), Rui Araújo, sublinhou que o poder público tem obrigação de criar condições para que a iniciativa privada possa crescer e funcionar de forma mais autónoma, já que, atualmente, “muitas empresas dependem do dinheiro do Estado para efetuar um serviço”.
Rui Araújo acredita que, se Timor-Leste conseguir dinamizar a economia através da iniciativa privada, já não será dependente das receitas do Fundo Petrolífero – que pode esgotar em 2034, conforme o relatório do VIII Governo Constitucional. Quanto aos desafios da organização da contabilidade da empresa e da garantia dos certificados do terreno apontados por Ana Andrade, o médico atribuiu a responsabilidade ao Governo. “A lei da propriedade privada existe desde 2015. O que o Governo deve fazer agora é formalizar o registo”, destacou.
O médico ainda orientou os empreendedores para estarem atentos de modo a conseguir os 30% do Orçamento Geral do Estado (OGE), que o Governo atribui anualmente ao setor privado, competindo assim com empresas estrangeiras. “Todavia, a burocracia dificulta o negócio”, disse. O político observou que, se determinada iniciativa implicar fornecimento ao Estado, o pagamento pode demorar meses ou até anos, interrompendo o fluxo de caixa. “Entretanto, é essencial os empreendedores implementarem as suas ideias e atuar em liberdade e com responsabilidade”, afirmou.
Foi o que fez Nina Leong, que também é sócia do restaurante Mr. Frango, em Díli. A empresária estudou em Coimbra (Portugal), onde aprendeu muito sobre restauração e tomou gosto pelo lado empreendedor.
“Quando chegasse a Timor-Leste queria ter o meu próprio negócio e, em 2015, comecei a realizar esse desejo. Eu queria diferenciar-me de outros empresários da área, então criei as minhas próprias receitas”, explicou.
Nina Leong avançou que os pastéis de nata que faz são o produto preferido dos clientes do seu restaurante, porque, para além de serem bons, são vendidos a um preço acessível: um dólar.
“O negócio vem com os seus riscos. Não tenham medo de começar a empreender. É preciso, porém, procurar ajuda e soluções”, sugeriu a empresária.
Na parte da manhã, decorreu a mesa redonda denominada “Afinal o que é empreendedorismo?” e um workshop conduzido por Derek Chua, diretor da Stamford Medical, hospital privado de referência de Timor-Leste.
Ver as oportunidades
No evento, o empresário Anastácio Madeira, dono da empresa Timor Motorbike Rental & Tour, partilhou sobre como iniciou o negócio do zero em 2017, mesmo sem muitos recursos.
Depois de chegar à idade adulta, em 2015, saiu do orfanato e trabalhou num hotel como empregado de limpeza o dia inteiro. Após dois anos de trabalho duro, foi promovido a guia turístico, pelo mesmo hotel. Na altura, já pensava em alternativas para trabalhar com mais independência.
Anastácio Madeira contou que a ideia para abrir a empresa veio de uma simples pergunta feita por um cliente. “Onde se pode alugar uma mota por aqui?”, questionou o turista. Nesse momento, o jovem percebeu que havia ali um grande potencial a ser explorado.
Decidiu então agir e começou o negócio com a mota que tinha, alugando-a aos clientes. A ideia deu certo e, seis anos depois, a sua empresa opera hoje com 20 motas, além de ter expandido os serviços no ramo da hospedagem, passeios educacionais e roteiros específicos para famílias.
“Para abrir um negócio, tem de ter coragem para enfrentar os riscos e saber o objetivo do que está a fazer ou o que quer atingir. É preciso trabalhar muito e não ficar satisfeito no início”, encorajou.
Concurso de projetos empresariais
No referido concurso, as iniciativas que receberam apoio do MOVE este ano tinham, perante o público e o júri, de demonstrar, de forma objetiva e apelativa, as características do empreendimento e seu respetivo potencial de sucesso.
Entre 11 concorrentes, Jhony Boavida Mota, membro da banda The Kraken, saiu como o grande vencedor, com a ideia da Tulun Malu, uma agência de marketing digital. Como prémios, recebeu uma consultoria gratuita do MOVE no programa MAKE, uma consulta na Stamford Medical e a abertura de uma conta bancária no Banco Nacional Ultramarino em Timor-Leste (BNU) com um depósito de 50 dólares.
“Já tinha dado os primeiros passos com o negócio, mas com a pandemia covid-19, suspendi tudo. Retomei-o no ano passado, quando um dos meus amigos ganhou este concurso na Feira do MOVE e abriu uma empresa de entretenimento, a Nafex Art, de que faço parte”, contou com entusiasmo.
“Aprendi a viver dos meus próprios mãos e pés, sem depender do Governo”
Avançou que, com o apoio do MOVE, conseguiu organizar o plano do empreendimento que tinha em mente, formulando o investimento inicial de 700 dólares, com a previsão de retorno num mês e meio e de 360 dólares de lucro mensal. Para isso, pretende ter 30 clientes, com um custo de serviço de 20 dólares, por mês. A intenção é abrir o negócio nas próximas semanas.
“Desde que terminei os estudos em programação de engenharia eletrónica, juntei-me a amigos e aprendi a viver dos meus próprios mãos e pés, sem depender do Governo”, afirmou.
Para o futuro, Jhony Mota comprometeu-se a realizar a sua iniciativa de marketing digital e, posteriormente, a ajudar outros empreendedores a promover os seus produtos nas redes sociais.
Madalena Olimpia, membro do grupo Uma Fila Liman, que se foca na aquaponia, e Carolina Soares, do grupo Sabor Timor, uma padaria com sala de leitura, em Díli, também participaram na competição.
Madalena Olimpia explicou que o seu projeto é uma atividade agrícola que combina a piscicultura e o cultivo de plantas com uma estrutura bem definida. Esta atividade pretende promover a segurança da água no solo e a proteção ambiental, uma vez que “utiliza apenas dez porcento de água, ao contrário da agricultura convencional que utiliza mais de 90 porcento”.
“Queremos ser uma referência no setor da aquaponia em Timor-Leste, contribuindo para a mitigação da malnutrição e do impacto ambiental. Produzimos peixe, vegetais frescos e nutritivos, com adubos e fertilizantes. Os nossos produtos são baratos e acessíveis a todos”, destacou na sua apresentação.
Por sua vez, Carolina Soares falou sobre a importância de usar os produtos locais para fabricar pão. Reforçou, ao mesmo tempo, a relevância da leitura para os jovens, razão pela qual surgiu a ideia de criar uma biblioteca numa padaria. “No local, os clientes podem do sabor do pão de batata-doce e de abóbora, num espaço relaxante com muitos livros disponíveis, no sentido de incentivar os hábitos de leitura no país”, argumentou.
Todos os participantes do concurso receberam certificados de apreciação.
Espaço para fazer negócios
O evento teve início às 10h e terminou às 20h. Durante esse período, empreendedores de diferentes partes de Timor-Leste (alguns apoiados pelo MOVE) tiveram a oportunidade de expor os seus produtos em 19 bancas de negócio no espaço. Entre eles, estava o grupo Bobometo, que cria e vende Tais e outras mercadorias. Dionísia Tavares, professora, membro da iniciativa desde 2021, mostrou-se contente por participar na Feira. “O nosso produto tem muito sucesso aqui, porque há muitos estrangeiros que gostam dos itens e os compram”, disse.
Contou que, apenas na parte da manhã, arrecadaram mais de 50 dólares pela venda de pulseiras feitas de bolas de madeira e bolsas para guardar o telemóvel. Os dois produtos são os mais baratos, custando apenas um dólar americano. A peça mais cara é o Tais de homem, que é vendido a 75 dólares.
O Bobometo foi fundado em 2002 com o sonho de promover o tais como identidade e riqueza timorense, bem como empregar mulheres de modo a gerar rendimento para as suas famílias. Com o conhecimento que vem das bisavós sobre como tecer Tais, o grupo juntou 18 mulheres de Ermera, Bobonaro e Oecússe. Com sede em Bebonuk, Díli, a iniciativa funciona todos os dias.
Também Eliseu da Costa Pereira, de Ataúro, coordenador do grupo Haburas Cultura, mostrou-se satisfeito com a venda de peças de artesanato, porque conseguiu amealhar mais de 300 dólares num só dia. “Às vezes, na nossa loja, passamos uma semana sem nenhum cliente. E os clientes, tanto aqui, como na loja, são, na maioria, os estrangeiros que querem levar para o seu país lembranças de Timor-Leste”, informou. Os preços variam entre 2,5 dólares, no caso das pequenas decorações de Natal, e 25 dólares, quando se tratam de itens maiores.
“Utilizamos os recursos que encontramos no campo”, explicou. A estátua de madeira original é de pessoas em pé – os ancestrais. Com a sua criatividade, o grupo modificou esta estrutura, acrescentando acessórios como figuras de homens ou mulheres a pegarem em panelas de barro, vara, crianças ou crocodilos – símbolo do país, conforme a lenda.
Para funcionar, o grupo Haburas Cultura teve de superar alguns obstáculos, como a falta de um lugar para produzir e vender as peças, bem como de materiais como serra, faca, cinzel e espada. As matérias-primas são madeira de teca para as decorações de parede e madeira de lalar para as estátuas.
Outra iniciativa que participou na exposição do evento foi o grupo Espaço Infinito, projeto de produção de agricultura hidropónica, apoiado pelo MOVE, desde maio deste ano. “O MOVE, através dos programas SHAKE e MAKE, está a ajudar-nos a aprofundar as nossas ideias e estratégias, de modo a serem viáveis para podermos competir no mundo de negócio”, partilhou Graciano Sávio, membro do Espaço Infinito.
O estudante de Ciências Exatas da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) contou que a ideia de negócio surgiu em 2022, mas só foi implementada este ano por falta de fundos. “Temos trabalhado na procura de investimento para promovermos a nossa ideia, porque o setor privado cria campo de trabalho e dá-nos maior autonomia”, ressaltou o empreendedor.
O que é o MOVE?
O MOVE é uma ONG que pretende promover a criação de iniciativas, formar conceitos de gestão e impulsionar negócios sustentáveis, visando desenvolver “um mundo onde o trabalho e as ideias têm um retorno justo”.
A atual metodologia do MOVE divide-se em três componentes: WAKE, formação “do zero à ideia de negócio”; SHAKE, formação “da ideia de negócio ao modelo de negócio”; e MAKE, consultoria “do modelo de negócio à sustentabilidade”.
Em Timor-Leste, estão a compor a ONG no momento os voluntários Alexandra Freire, Catarina Barros e Vasco Lóios, que desempenham funções a tempo inteiro, além de Sancha Fernandes e Francisco Almoster, que trabalham em part-time.
Relativamente ao apoio dado aos projetos, Alexandra Freire explicou que a ONG proporciona, de forma gratuita, formações e consultorias com foco em finanças, contabilidade, gestão de operações, marketing e estratégia. Na fase MAKE, o apoio passa pelo acompanhamento individual de cada negócio, através de consultoria. Os encontros acontecem semanalmente durante seis meses, com possibilidade de renovação.
Além de Timor-Leste, o MOVE atua na ilha de São Miguel – situada no arquipélago dos Açores, em Portugal – e em São Tomé e Príncipe. Em território timorense, a ONG apoia atualmente oito projetos: o Diligente, o Espaço Infinito, Grow with Purpose Center, Haurema Farm, Jeitu Burguer, Jelicia Araújo, Mehi Kakau e Nafex Art.
Desde que começou a funcionar em Timor-Leste, em 2011, o MOVE trabalhou com vários projetos como a Associação Empresarial das Mulheres de Timor-Leste (AEMTL), a loja Boneca de Ataúro, a companhia de água Bee Lafaek, entre outros. O Kios Matenek e a Mehi Cafetaria são exemplos de negócios que já se tornaram sustentáveis (ex-MAKEs), com empreendedores de sucesso, que a ONG tem muito orgulho em ter acompanhado.
Os interessados no WAKE ou no SHAKE têm de se candidatar aos apoios. Para tal, é aconselhado estarem atentos às redes sociais do MOVE ou entrar em contacto com a equipa para descobrir quais as próximas formações. Os empreendedores que já têm um negócio e procuram o serviço de consultoria MAKE, devem preencher o formulário de inscrição.
Alexandra Freire partilhou que entrou no MOVE porque viu na ONG uma oportunidade de contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade, e considerou que Timor-Leste está numa fase inicial no caminho do empreendedorismo.
“A capacitação em conceitos de gestão e a criação de incubadoras de negócios são fundamentais para o setor privado crescer em poucos anos”, realçou. A voluntária considerou ainda a importância de investir na formação de empreendedorismo nas universidades e noutras instituições.
Alexandra Freire destacou como maiores dificuldades a falta de capital de investimento, a dependência do projeto do Governo e a insuficiência de registos prediais. “A escassez de registo dos bens imóveis, além de trazer vários conflitos, dificulta a concessão de crédito bancário pela falta de garantias colaterais e o excesso de burocracia no país”, observou.
Formada em Direito e Gestão, a voluntária destacou alguns atributos que alguém com espírito empreendedor deve ter. “Para ser um empreendedor é preciso ser uma pessoa atenta aos detalhes, para melhor identificar necessidades de mercado e transformá-las em oportunidades de negócio. Daí, surge também a importância de continuar a aprender sempre mais, até para garantir inovação”, afirmou.
Para além disso, Alexandra Freire acredita que um empreendedor é alguém que corre riscos e, por essa razão, deve procurar ter mais conhecimento, já que uma pessoa mais bem informada tem maior possibilidade de tomar as decisões mais corretas. “Fazendo uso da epígrafe do ‘Ensaio Sobre a Cegueira’, de José Saramago: ‘Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara’”, refletiu.
Acorda, da sinal de vida e mostra aos nossos politicos e ao mundo inteiro que “ITA MOS BELE”! “NO BULL!
O sector privado e a salvacao de qualquer pais. Nao durmam a sombra da bananeira a espera que o governo ou o estrangeiro vos socorra.
DO IT FOR YOURSELF, YOUR FAMILY AND YOUR COUNTRY. INSPIRE OTHERS, BE YOURSELF DONT RELY ON HAND OUTS! just realise I can also write in english, Watch out CAMOES!
Parabéns pela iniciativa, é muito bom ver jovens que se dedicam como voluntários a ajudar outros a terem sucesso através do desenvolvimento das suas competências individuais. Esta partilha de conhecimento dos voluntários da MOVE que reconhecendo a oportunidade que tiveram para estudar e que nem todos a têm, é de louvar por se dedicarem nesta fase da sua vida a ajudar e preparar um melhot futuro para Timor. Obrigado Catarina Barros, Vasco e Alexandra Freire por fazrem a diferença.