Família, tradição e diferenças culturais reprimem relações amorosas em Timor-Leste

Jovens são, muitas vezes, obrigados a namorar às escondidas/Foto: Diligente

Abrigados pela sombra das árvores, em locais turísticos, nos jardins, à beira-mar, na rua, de mãos dadas, entre risos, apaixonados, os namorados passeiam-se sob o calor ardente de Timor-Leste, alheados do que o futuro lhes reserva.

“Um dia, fomos tomar café a um restaurante, em Díli. Foi aí que ele deu o primeiro passo e, no dia seguinte, começámos a namorar”, contou, entre risos, uma jovem que não se quis identificar.

No entanto, disse ao rapaz que tinha medo que a criticassem, pois ele era seminarista. Em Timor-Leste, quando um seminarista desiste da vida religiosa, a culpa é, quase sempre, atribuída à mulher.

Olhos nos olhos, o cheiro do café a envolver o par apaixonado, ele reconfortou-a: “Vai correr tudo bem”, palavras que a acalmaram.

No início do namoro, ele sentiu “medo de a abraçar e de andar de mãos dadas”. Mas, após algum tempo, passou a trocar carinhos com a parceira durante as caminhadas, contou o jovem seminarista, que preferiu não revelar a sua identidade.

Os risos e as mãos dadas rapidamente passaram a “dor de cabeça e aperto no coração”. A intervenção da família no namoro contaminou a relação.

“És louco ou cego? Não sabes que é seminarista e vai ser sacerdote?”, diziam os familiares do jovem. Já a família dela preocupou-se com o facto de a sociedade a julgar: “Iriam dizer que desistiu do seminário por minha causa”, contou ao Diligente.

Assim como Eva que comeu o fruto proibido e condenou o Homem a um mundo de pecado, a culpa da desistência do seminário ser-lhe-ia atribuída, pensava a menina.

Familiares do jovem, porém, não estavam preocupados com a possibilidade de ele abandonar o seminário, apenas não gostavam da mulher que ele tinha escolhido. “Queremos que namores com uma mulher rica ou com a filha de um liurai”, diziam eles. “Mas eu gosto dela. Amo-a muito”, expressava-se o rapaz. O namoro, então, após cinco meses, terminou.

“Fiquei muito agitado e chorei, porque não conseguia verbalizar o que sentia. Acabei por partilhar o meu problema com os meus colegas e com a minha irmã e pedi-lhes conselhos para sair desta situação dolorosa”, confessou o seminarista.

De acordo com o psicólogo Elvis do Rosário, “quando a decisão das famílias não está de acordo com a vontade dos casais, estes podem sofrer algum problema psicológico, sobretudo stress”.

Tradição que gera desconforto

A menina, rejeitada pela família do seminarista, disse estar farta de, em pleno século XXI, a figura da mulher, em Timor-Leste – e em muitos outros lugares –, ser considerada a causadora de todos os males. “Já chega de criticar as mulheres”, diz a jovem, que terminou o namoro por não aguentar a interferência das famílias.

A influência dos familiares nos relacionamentos em Timor-Leste é muito presente devido, em grande parte, a uma tradição ainda bastante enraizada na cultura: o barlaque, dote ou valor atribuído à mulher e que o homem deve pagar para poder casar com ela.

Normalmente, o barlaque é pago em dinheiro, búfalos, cavalos e objetos sagrados e pode ascender a muitos milhares de dólares. Esta negociação, cujo objetivo, segundo a tradição, é valorizar a mulher, muitas vezes provoca conflitos entre as famílias do casal.

“Terminámos e reatámos oito vezes. Fiz de tudo para a nossa relação funcionar, mas a constante intromissão da família e a nossa falta de coragem para a enfrentarmos ditou o fim do nosso amor”, desabafou o jovem, que disse respeitar a decisão da ex-namorada.

O jovem, hoje em dia, encontra-se temporariamente ausente das funções de seminarista e realçou que, no futuro, caso se afaste de forma permanente, “eu é que vou decidir com quem quero viver a minha vida”.

Diferenças culturais

Uma jovem que não quis revelar a sua identidade contou ao Diligente que a separação do pai dos seus dois filhos foi motivada, principalmente, por diferenças culturais.

“Conhecemo-nos num curso, em Díli, e começámos a namorar. Perguntei-lhe sobre a questão cultural, porque a crença dele é patriarcal e a minha é matriarcal. Ele disse-me que isso não importava e que ia correr tudo bem”, conta a mulher, que acreditava em tudo o que o ex-namorado lhe dizia.

“Quando estava grávida do nosso primeiro filho, morava sozinha. Perguntei-lhe se queria viver comigo, mas disse-me que a cultura não o permitia”, diz.

Na cultura do respetivo homem, o marido é considerado o dono da mulher e dos filhos. “A família dele e ele queriam que eu e as crianças pertencêssemos à sua casa sagrada. Não concordei”, relatou a mulher.

A família dela, então, propôs que o filho mais velho do casal fizesse parte da crença do pai e o mais novo, juntamente com a mãe, não pertencesse nem a uma cultura nem a outra. Mais uma vez, não houve acordo.

Para tentar resolver a situação, as duas famílias reuniram-se e impuseram uma condição para a relação continuar: teria de ser em segredo.

“Não podíamos publicar fotografias nas redes sociais e tínhamos de viver um amor à distância. Chorei muito. Às vezes, telefonava à minha mãe ou às minhas amigas para pedir conselhos. Estava cega de amor e não me queria separar dele”, afirmou a mulher. A relação, contudo, chegou ao fim e agora encontram-se apenas por causa dos filhos.

O psicólogo Elvis observa que, em caso de diferenças profundas nas crenças e costumes, entre os pares e familiares, “esquecer a cultura não é a solução”. A saída, avalia, é o diálogo e exercitar a empatia. “Temos de buscar entendimento e não reprimir. É importante deixar os sentimentos serem expressos livremente, tentar colocar-se no lugar do outro”, recomenda.

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  1. O AMOR nao tem limites, religioes, credos, o AMOR e actualmente CEGO, dizem os sabedores na materia!
    Por isso e que o AMOR sempre comeca aos APALPOES!
    Quando comeca a interferencia familiar ou religiosa, o AMOR sofre um “bate cu”.
    Mas nesta vida quando se cai, levanta-se e continua-se a caminhada.
    O AMOR e a coisa mais linda na nossa vida, nao interessa qual tipo de AMOR, pois ha muitos tipos.
    O AMOR de gostar sexualmente de alguem, move fronteiras, deita abaixo barreiras, nao interessa os obstaculos.
    O AMOR so tem 5 letras, acho que as contei bem.
    O AMOR de MAE, contudo e o maior AMOR deste mundo fracticida, horroroso, guloso, invejoso, e o AMOR que a gente quando abre os olhos, ve primeiro.
    O AMOR e um “bichinho” sem nacionalidade, cidadao universal, apolitico, sem entraves, um verdadeiro jogador de futebol. Ele e capaz de meter golos onde o MESSI e o RONALDO falham.
    ELE nao recebe os milhoes dos dois acima mencionados juntos. O AMOR e um jogador de futebol barato, embora as vezes sofra lesoes como o ” hamstring”, rotura de ligamentos.
    O AMOR, nos dias de hoje rumou a certas “modalidades”, dificieis de compreensao para muita gente, sobretudo a “velha guarda”.
    Na minha mais modesta opiniao, acho que ate Deus, nao estaria preparado para tais situacoes.
    Mas ELE diria; quem nao tem telhados de video que atire a primeira pedra!

    Carlos Batista
    Filosofo de TL

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