No país, em todo o lado, qualquer jovem com menos de 17 anos consegue comprar tabaco sem ter de mostrar cartão de identificação. Decreto-lei criado em 2016, que proíbe a compra e venda do produto por menores, é inócuo.
Quando tinha dez anos, o então pequeno Benigno Amaral resolveu matar uma curiosidade que tinha, pois via sempre muita gente ao seu redor com o estranho hábito de soltar o fumo de um cigarro pela boca. Achava aquilo engraçado. Certo dia, pediu a um colega fumador, mais velho, que o deixasse experimentar a sensação de “dar uma passa”. Hesitante, porém excitado, levou o cigarro à boca e puxou o ar o com toda a força que tinha. Sentiu a garganta a queimar e o peito a arder para, quase de imediato, tossir como nunca. O colega e mais alguns meninos que acompanhavam a cena soltaram umas gargalhadas. Benigno também acabou por rir e ganhou alguns cumprimentos: naquele momento, sentiu que o estavam a aceitar no grupo. Sete anos depois, o agora adolescente é um, entre tantos jovens timorenses, completamente dependente dos efeitos do tabaco.
Como ainda não trabalha, usa o dinheiro dos pais para manter o vício. “Quando não tenho dinheiro para os cigarros, uso as moedas que a minha mãe ou o meu pai me deram para pagar a microlete e vou a pé para a escola. Quando estou stressado, fumo. Quando estou triste, fumo. Quando acabo de comer, fumo. O cigarro é sempre a solução”, conta o jovem, que é estudante do 10.º ano da Escola Secundária 12 de Novembro, em Díli.
O mesmo acontece com um estudante do 11.º ano numa escola secundária em Ataúro, que preferiu não se identificar. Tendo começado a fumar com 14 anos, em 2020, o jovem avalia o hábito como sendo positivo para a vida, uma vez que, opina, o ajuda a conhecer pessoas. “Tenho muitos colegas. Os cigarros estão presentes sempre que nos unimos. É muito divertido. Se uma pessoa, fumadora ou não, não tiver cigarros e eu tiver, vou chamá-la para fumar e ficamos a conhecer-nos melhor”, relata descontraidamente.
Como não costuma ter dinheiro para comprar cigarros, já que também não trabalha, o adolescente improvisa: empresta o seu telefone a um colega, para que ele possa jogar, durante uma ou duas horas, PUBG (Player Unknown’s Battlegrounds), um jogo ao estilo de Battle Royale (um famoso jogo online do género de último sobrevivente). Recebe então dois ou três dólares em troca, que usa para comprar tabaco. “A cada dia, compro cigarros para fumar, com o dinheiro que tenho. Um cigarro Marlboro custa 25 centavos e três custam 50. Costumo fumar depois de jantar ou almoçar, enquanto tomo café. É uma combinação espetacular”.
Aldo Ximenes (nome fictício) é o mais novo dos três. Tem 15 anos, frequenta o 10.º ano no Centro de Aprendizagem Escolar (CAFE) de Díli. Diz que começou a fumar no ano passado, porque via os seus familiares a fazer o mesmo em casa. “O meu pai e os meus irmãos mandavam-me sempre comprar cigarros no quiosque. Nessa altura, pensava que o cigarro seria uma coisa boa e quis experimentar. Uma, duas vezes, e, à terceira tentativa, comecei a sentir o gosto e uma sensação de tranquilidade. Agora dependo muito de cigarros. Fumo oito a dez cigarros por dia. Quando não fumo, fico muito ansioso”, confessa.
Estes três adolescentes pertencem aos 37% dos jovens timorenses que fumam, segundo o Global Youth Tobacco Survey (GYTS), de 2019, estudo realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os dados colocam Timor-Leste em terceiro lugar no ranking dos países com mais fumadores por número de habitantes, na região do Sudeste Asiático. O relatório indica que quatro em cada 10 estudantes timorenses, com idades entre os 13 e os 15 anos, têm hábitos tabágicos.
Em Timor-Leste, o Regime de Controlo do Tabaco (decreto-lei nº 14/2016), legislação aprovada em 2016, proíbe pessoas com menos de 17 anos de comprar ou vender o produto. A aplicação da lei, contudo, demonstra estar aquém do que seria expectável. À referida falta de rigor, soma-se o desconhecimento das autoridades e dos pais quanto aos efeitos negativos dos cigarros nos jovens e nas gerações vindouras, prejudicando a vida sã e os sonhos de muitos, que ficam presos ao vício da nicotina.
Segundo a OMS, o consumo regular de cigarros pode provocar diversas doenças, como a tuberculose, e contribui para o surgimento de vários tipos de cancro, além de problemas no aparelho respiratório e complicações cardiovasculares. Em 2020, a OMS registou em Timor-Leste uma incidência da tuberculose de 508 casos por 100 mil habitantes – uma das mais altas do mundo.
Comportamento dos pais agrava problema
Segundo Sancho Fernandes, diretor da Aliança Nacional do Controlo de Tabaco (ANCT), a taxa de fumadores infantis mantém-se elevada devido, sobretudo, aos problemas na fiscalização. “As crianças ou adolescentes conseguem facilmente comprar um cigarro por 25 centavos ou 50 centavos, ainda que a legislação de 2016 [Regime de Controlo do Tabaco] proíba essa transação”, destaca o representante da ANCT.
De acordo com o artigo 31.º deste regime, a fiscalização compete aos Serviços de Inspeção da Saúde, Autoridades Sanitárias nos Municípios, Inspeção de Jogos e à Polícia Nacional de Timor-Leste”. Conforme o artigo 26.º da referida legislação, podem ser aplicadas coimas de até mil dólares americanos aos estabelecimentos que vendem cigarros a menores de 17 anos.
O diretor ressalta ainda que as mensagens nas embalagens do tabaco, como “fuma oho ita” ou “fuma kausa impotensia” (“fumar mata-nos” ou “fumar causa impotência” – em português), não são eficazes para convencer as pessoas a deixar de fumar. “Os fumadores dizem não acreditar nas mensagens, porque grande parte deles tem muitos filhos. Aqui, o papel do Ministério da Saúde é muito importante, porque tem a obrigação de informar a população”, observa Sancho Fernandes.
Para o chefe do Departamento das Doenças Não Contagiosas do Ministério de Saúde, Heitor da Costa Pereira, o fator social contribui muito para que uma criança consuma tabaco. “Numa sociedade onde fumar se torna um estilo de vida, em que quase todos na família – pais, irmãos e tios – são fumadores, é quase certo que os mais jovens também vão fumar”, afirma o especialista.
A presidente do Instituto para a Defesa dos Direitos das Crianças (INDICCA) Dinorah Ganadeiro, salienta que, além da falta de força da lei, em muitos casos a família não tem conhecimento dos efeitos do tabaco e, por essa razão, os filhos não recebem uma educação no sentido de entender os riscos do cigarro.
“Muitos pais fumam diante dos filhos, prejudicando-lhes a saúde. Em grande medida, as famílias não compreendem o impacto do tabaco na saúde das crianças. O Estado tem de atuar nesta situação, porque se trata de uma violação dos direitos das crianças”, avaliou Dinorah.
Em Timor-Leste, também há muitos casos em que os pais fumadores, apesar de proibirem os filhos de fumar, lhes pedem para comprar tabaco – comportamento que pode induzir os meninos ou as meninas a pensar que fumar é bom, alertam os especialistas.
O funcionário público Vasco Amaral, 53 anos, pai de cinco filhos, diz que proíbe os três filhos menores de fumar. Os mais velhos já fumam. “Costumo fumar na minha casa, no meio dos filhos e da esposa. Muitas vezes, peço-lhes para comprar cigarros, mas não significa que os deixo fumar [os menores]. Sei, no entanto, que alguns já fumam às escondidas e apercebo-me disso através dos lábios deles, porque também sou fumador. Aí, chamo-os à atenção”, detalhou.
“Não peço cartão de identificação, o importante para mim é o lucro”
Em Timor-Leste, o esforço para sobreviver não depende da idade. Avelino Agosto Elo, 17 anos, é estudante e vendedor ambulante de tabaco na rua de Lecidere. Diz que começou a vender o produto há mais de um ano. Vende maços e cigarros à unidade para poder pagar a escola e sustentar as suas necessidades básicas.
“Vendo de manhã, entre as 9 e as 10 horas, depois vou fazer trabalho doméstico. Às 12h30, vou à escola. À noite, das seis da tarde às onze da noite, continuo a vender. Há dias em que consigo faturar 20 dólares.
Também tenho clientes que são crianças. Vêm comprar cigarros e não peço para mostrarem o cartão de identificação. O importante para mim é o lucro,” disse o jovem do 10.º ano do Ensino Técnico Vocacional de Becora.
Para Armindo Soares, vendedor no quiosque Vonsoar Becora, grande parte da sua clientela é formada por crianças entre 10 e os 15 anos. “Compram cigarros por unidades, mas também por maço. Uma vez, chamei a atenção para não comprarem cigarros, porque ainda são menores e eles responderam que foram os seus pais ou irmãos que pediram para comprar. Tive outros jovens a dizerem que é um direito deles e ainda outros que gozam comigo: ‘O senhor não quer dinheiro?’”.
Questionado sobre se pede ou não identificação às crianças antes de lhes vender tabaco, o vendedor confessa que nunca faz isso. A atitude é criticada pelos especialistas.
“Quando um vendedor vê uma criança a comprar cigarros, tem de pedir cartão de identificação pessoal para confirmar a idade antes de lhe vender este produto. Sabemos, porém, que muitas pessoas não cumprem a lei e continuam a vender tabaco a menores”, afirmou o diretor da ANCT, Sancho Fernandes.
A autoridade adianta que já recomendou ao Ministério da Saúde a adoção de medidas para informar os vendedores acerca do Regime de Controlo do Tabaco, criando programas de formação para que o negócio não seja ilegal. O diretor pede também que a informação chegue “aos pais, porque os jovens até aos 17 anos estão sob o seu controlo”.
A Presidente da INDICCA refere que ainda não há dados concretos quanto aos menores que vendem tabaco. “Na nossa pesquisa, só vimos os miúdos a vender comida. Os que vendem tabaco talvez se tenham escondido, porque sabem que é proibido por lei”.
No artigo 15.º do regime, lê-se: é “proibida a venda de produtos do tabaco: a) A menores de 17 anos de idade; b) Por menores de 17 anos de idade. (…) Os vendedores de produtos do tabaco devem exigir a exibição de documento de identificação previamente ao ato da venda, sempre que existam dúvidas acerca da idade do comprador”.
Alternativas para superar o vício
Sempre que alguém fuma, introduz o fumo do cigarro nos pulmões. Um único cigarro, informa a OMS, contém quase cinco mil substâncias tóxicas. Entre elas, encontra-se a nicotina, responsável por causar o vício. O consumo de tabaco está entre as principais causas de morte, contribuindo também para que 20% delas sejam consideradas prematuras, alerta a organização.
Para a psicóloga Manuela Fontes Tavares Soares, a falta de apoio psicológico é um dos fatores que contribuem para as pessoas não pararem de fumar. “O acompanhamento psicológico é fundamental para avaliar a história do fumador, principalmente para saber a quantidade de tabaco consumida por dia ou por hora, saber o motivo que levou alguém a ser fumador, etc.”.
Manuela Soares propõe alternativas para substituir este vício, como criar novos hábitos físicos e alimentares. “Fazer exercício físico, ter uma alimentação saudável, beber três litros de água por dia são atividades que podem alterar o nosso estado anímico, já que acabam por substituir a nicotina. É um processo que, para estar concluído, para se trabalhar nesse novo neurotransmissor, é preciso ser acompanhado até ao final das sessões. Por isso, o psicólogo compromete-se a criar no paciente outras ferramentas no caso de haver recaídas”.
Heitor da Costa Pereira informou que o Ministério da Saúde já instalou clínicas para fumadores em cinco municípios – Díli, Liquiçá, Ermera, Ainaro e Oecusse. Os espaços têm o objetivo de ajudar os cidadãos a deixar de fumar.
O Diligente visitou uma dessas clínicas e pediu a Eldino de Castro Rangel, médico responsável pelo Serviço Hapara Fuma (SHF), no Centro formosa de Díli, que explicasse o método de aconselhamento usado para quem quer parar de fumar.
“Primeiro, damos um formulário para preencherem para sabermos quais os tipos de cigarro que fumam e quando começaram a fumar. Assim, conseguimos avaliar o grau de dependência. Depois, pedimos a história: se já tentaram parar de fumar, quais os motivos para ter voltado ao vício. E precisamos de saber se os pacientes estão mesmo comprometidos. Aí estabelecemos uma data e iniciamos uma terapia de substituição da nicotina”, detalhou. A terapia, diz o médico, pode durar até um ano.
Enquanto isso, Benigno, Aldo e o estudante do 11.º ano da escola em Ataúro continuarão a fumar: nenhum deles vê, ainda, razões para largar o cigarro.
Eh pa com um PM a dar tao mau exemplo, com aquelas bacoradas de fumo…