Falta de investimento na formação de professores limita a aprendizagem da língua portuguesa em Timor-Leste

Mesa-redonda sobre a importância do ensino do português pelo mundo/Foto: Diligente

Mesmo sendo língua oficial e de aprendizagem em Timor-Leste desde os primeiros anos escolares, grande parte dos cidadãos chega ao ensino superior sem dominar o português. O IILP pretende apoiar iniciativas que promovam o idioma no país.

Desde a restauração da independência, a 20 de maio de 2002, quando o português se tornou língua oficial de Timor-Leste a par do tétum, que os timorenses têm dificuldades em usar o idioma lusófono no dia a dia. Entre os fatores que contribuem para este problema, está a falta de formação linguística e científica dos professores, de acordo com Paulo Henriques, formador e tradutor no Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ).

Para o profissional, mesmo que os cidadãos comecem a aprender português no ensino básico, “muitos acabam o ensino superior com um domínio mínimo da língua”. A intervenção de Paulo Henriques aconteceu no âmbito da mesa-redonda subordinada ao tema “A importância do ensino do português pelo mundo”, evento organizado pelo Programa de Pós-graduação e Pesquisa da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), que teve lugar no Centro Cultural Português Jorge Sampaio, na Embaixada de Portugal, ontem, segunda-feira (29.01).

“O problema está na formação dos quadros de professores, que deve ser mais séria e intensiva. Sem o domínio da língua e, consequentemente, da ciência por parte dos docentes – pois os manuais estão em português e a língua é veículo de transmissão de conhecimento -, os estudantes não conseguem entender o que está a ser transmitido”, analisou o academista.

Paulo Henriques avaliou que, para superar este problema, deve haver um investimento na formação de professores desde o pré-escolar até ao secundário. Com profissionais qualificados, argumentou, os alunos podem aprender bem a língua e as ciências básicas antes de concluírem o ensino secundário, para que, no ensino superior, só tenham de se focar na aprendizagem da área que escolherem. “Sem recursos humanos qualificados, não haveria juízes, médicos, advogados ou engenheiros habilitados, os professores são a base de tudo”, ressaltou.

Outro obstáculo abordado pelo academista foi o facto de os alunos não utilizarem a língua portuguesa em casa e, durante as aulas de português na escola, os professores falarem tétum. “A culpa não é dos estudantes, mas do mecanismo utilizado e que o Governo deve reavaliar, criando uma política consistente e séria”, observou. Apresentou ainda como entrave o facto de a língua de Camões ter sido banida durante os 24 anos de ocupação indonésia.

Já o professor e vice-diretor do departamento de Formação dos professores do Ensino Básico na UNTL, Marcelo Caetano de Sousa, reconheceu que a desadequada formação de professores prejudica a aprendizagem da língua portuguesa. No entanto, considerou que a falta de vontade de aprender o idioma de forma autodidata, por parte dos alunos, também contribui para a lenta difusão do português no país.

Em Timor-Leste, segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas de 2022, 40% da população domina a língua portuguesa.

Pluricêntrico

Além de ser o quarto idioma mais falado no mundo, o português é pluricêntrico, como referiram os oradores da mesa-redonda. Benjamim Corte-Real, docente nas Faculdades de Direito, Educação e no Mestrado em Ensino da Língua Portuguesa no contexto de Timor-Leste, na UNTL, destacou a importância do idioma no território timorense – o que diferencia o país das outras nações do Sudeste Asiático.

“Com a língua portuguesa, Timor-Leste é sempre visto de forma diferente e com curiosidade. Quando o país faz uma crítica diplomática ao Myanmar, podemos ser alvo de censura, mas vão ter em conta que somos diferentes”, analisou Benjamim Corte-Real, referindo-se ao facto de Timor-Leste não ter pena de morte – um princípio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

“Sendo uma língua pluricêntrica, Timor-Leste não pode prescindir da responsabilidade para com o idioma”, afirmou.

Acrescentou ainda que, devido à interação com os blocos regionais, como a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), a União Europeia (EU) e a CPLP, Timor-Leste vai desempenhar um papel importante na geopolítica.

“Os universitários devem ter isso em consideração. É preferível aumentarmos a nossa capacidade linguística para podermos ser embaixadores da língua no futuro”, sugeriu.

O peso da CPLP na economia mundial é destacado pelo Diretor Executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), João Neves, presente no evento. Segundo o Diretor, os países membros da CPLP são responsáveis por 3,6% da riqueza global.

Para João Neves, cada língua é portadora de um conjunto de valores: económico, cultural, científico, simbólico ou herdeiro. Enfatizou que, com estes valores, as línguas são mais potentes, sendo instrumento de poder. Avançou que os falantes de línguas estrangeiras são beneficiados por esta realidade, pois “falar outras línguas é experimentar outras formas de organizar o pensamento e de se conectar com o mundo”.

No evento, teve lugar uma apresentação subordinada ao ensino do português como língua não materna em Portugal. Isabel Duarte, professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), informou que muitos estrangeiros vão para Portugal sem muito ou até nenhum conhecimento da língua.

Metade destas comunidades teve aulas de português em Portugal e, entre elas, a chinesa está no topo da lista. A professora de linguística contou que há uma grande quantidade de chineses que fala fluentemente português, tanto na China como em Portugal.

Disseminar a língua em Timor-Leste

Com o objetivo de contribuir para a disseminação da língua portuguesa em Timor-Leste, João Neves e os representantes da Comissão Nacional do IILP no país, Benjamin Corte-Real e Roque Rodrigues, avaliam possibilidades.

“Queremos resolver os pequenos problemas de Timor-Leste, porque acredito que estes pequenos desafios têm grande impacto na difusão da língua aqui”, destacou João Neves.

Neste sentido, está a ser feita uma análise para analisar como o IILP pode colaborar com os responsáveis pela educação em Timor-Leste. “Sendo uma instituição multilateral, que procura servir os países membros da CPLP, queremos responder de forma concreta às necessidades que as autoridades timorenses tenham identificado”, informou.

Com sede em Cabo Verde, o IILP foi criado em 1989 (antes da CPLP, em 1996) e reúne os contributos, projetos, iniciativas, expetativas e ideias dos países que têm o português como idioma oficial, tendo em consideração a possibilidade de projetos de um país poderem ser aplicáveis em outros.

No evento, foi lançada ainda a edição especial da revista Mozaiku, elaborada pelo PPGP. O vice-reitor do PPGP, Afonso Almeida, destacou que a revista publica artigos científicos de professores timorenses do Programa, de modo a incentivá-los a escrever mais.

Por sua vez, o reitor da UNTL, João Martins, afirmou que sem a escrita contínua, “os professores podem esquecer o que aprenderam durante as aulas no PPGP”.

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  1. Parabéns há oradores da mesa redonda que tinha boa vontade de fazer uma apresentação de conferência de cultura e língua português. Claro que Timor-Leste a parte da comunidade dos países CPLP tem dever obrigatório e fazer o que melhor na qualidade de formação da língua Camões como língua oficial do país. Contando com apoio de Instituto Internacional de Língua Portuguesa do universo. É certo que a nova geração de Timor-Leste é diferente de tudo bem com a própria língua e cultura multilingue.

  2. TL esta tao atrasado na “efectividade” da lingua portuguesa que agora e necessario, respira-la, dormir com ela, sonhar com ela, amantiza-la, e se houvesse uma vacina da lingua portuguesa, sugeria que fossem todos vacinados. Mas nao e so a lingua, as mulheres sao cidadas de segunda classe.

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