Falta de educação sexual e preconceitos da sociedade contribuem para abandono de bebés no país

Bebés abandonados e encontrados vivos são imediatamente levados para os serviços de urgência dos hospitais/Foto: Diligente

Aliança Nacional de Combate a Crimes de Infanticídio registou, em cinco anos, 60 casos, em Timor-Leste. Especialistas alertam para a falta de políticas públicas que apoiem as mães.

Os preconceitos da sociedade, a moral religiosa e a falta de educação sexual são algumas das causas apontadas pela Aliança Nacional de Combate a Crimes de Infanticídio em Timor-Leste (ANCCI-TL) para o abandono de recém-nascidos no país. A organização registou, desde 2015 até ao momento, nos municípios de Díli, Baucau, Aileu, Manufahi e Viqueque, 60 casos de bebés desassistidos, dos quais 20% foram encontrados com vida. Os referidos municípios são onde a ANCCI-TL atua: nos restantes, não há ainda um levantamento.

Recentemente, em menos de uma semana, duas crianças foram encontradas sem vida em Timor-Leste. O primeiro caso aconteceu na terça-feira (3.10), em Díli, ocasião em que o corpo de um menino foi localizado ao lado da igreja de Motael. O segundo ocorreu no último domingo (8.10), no suco de Fahiria, em Aileu. O bebé, também um menino, estava enrolado num pano, dentro de um plástico, próximo de uma ribeira.

De acordo com o diretor executivo da ANCCI-TL, José Turky, a situação relaciona-se com um contexto de vulnerabilidade social extrema que atinge muitas mulheres do país. “Na sociedade timorense, quando uma mulher está grávida sem o parceiro ou o parceiro é desconhecido, é uma desgraça. A cidadã é excluída e recebe vários tipos de pressão dos familiares e da sociedade. Por esses motivos, as mulheres, desesperadas e sem apoio, renunciam aos filhos”, observou José Turky.

Segundo os dados da Aliança, 50% das timorenses que abandonam bebés são jovens que frequentam o ensino secundário, com idades compreendidas entre os 15 e 18 anos.

Os estigmas sociais, juntamente com normas culturais e religiosas acabam por forçar a mãe a esconder a gravidez ou a tomar a decisão de livrar-se da criança, realçou o psicólogo Alessandro Boarccaech. “A mulher pode ter sido vítima de alguma violência, pode ter algum tipo de transtorno mental, pode ter depressão pós-parto, psicose pós-parto, pode sentir-se sem esperança ou sem saída diante de uma gravidez não planeada. Se elas não recebem apoio podem sentir-se isoladas, entrar em pânico e tomar decisões impulsivas”, argumentou.

O psicólogo aponta ainda que a falta de suporte emocional ou económico também pode levar uma mãe a sentir que não é capaz de cuidar da criança e procurar maneiras extremas para resolver a situação.

Educação sexual ainda distante

A religião católica em Timor-Leste, de acordo com a ANCCI-TL, tem dificultado diretamente o debate sobre educação sexual nas escolas e nos programas de Governo, contribuindo para o desconhecimento da população sobre a importância do planeamento familiar e sobre formas de se prevenir contra gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis.

José Turky lamenta a posição da Igreja Católica timorense em relação à questão. “No mês passado, quando tive um encontro com o Cardeal [Virgílio do Carmo da Silva] sobre o assunto, ele disse que se distribuirmos preservativos à comunidade, estaremos a promover o sexo livre, o que é um erro.”

O diretor executivo ressaltou que num Estado de Direito Democrático e laico, cada pessoa tem autonomia de escolher o que é bom para si. “O uso de preservativo garante a saúde pública, porque para além de evitar a gravidez não planeada, também previne doenças sexualmente transmissíveis”, alertou.

O Diligente enviou cartas para entrevistar o Cardeal sobre o tópico, mas até à data da publicação deste artigo, ainda não obteve resposta. Além disso, o Diligente entrou em contato com a madre Guilhermina Marçal para abordar o tema, mas também não teve retorno até o momento.

A educação sexual, de acordo com o líder da Aliança, consiste em “oferecer condições para que as pessoas assumam o seu corpo e a sua sexualidade com atitudes positivas, livres de medo, preconceitos, culpas, vergonha e tabus. Os pais devem assumir o papel de orientar seus filhos e não devem dificultar o trabalho da escola no que à educação sexual diz respeito.”

Além de promover ações de sensibilização junto da comunidade, a ANCCI-TL também aconselhou o Ministério da Educação a incluir a disciplina de Educação Sexual no currículo escolar, o que continua sem qualquer avanço.

Bebés abandonados e mães: que futuro?

Alguns bebés encontrados ainda com vida pela equipa da ANCCI-TL foram imediatamente transferidos para o hospital a fim de receberem cuidados médicos, sendo, posteriormente entregues à família ou orfanatos, nos casos de recusa por parte dos parentes. Nestas situações, as mulheres acabam por ser submetidas a um processo legal.

O abandono de um recém-nascido é um crime previsto no Código Penal timorense (artigo 143º), que prevê uma pena de 1 a 6 anos de prisão.

Alessandro Boarccaech, contudo, sublinha que deve ser discutida uma melhor forma de oferecer apoio, sem julgamentos, às mulheres que deixaram os filhos desamparados.

“Estas cidadãs podem receber aconselhamento individual de um psicólogo, tratamento para a saúde mental ou participar em grupos psicoterapêuticos. Isto tudo deve estar aliado ao acesso a recursos sociais, como assistência financeira, jurídica, moradia, cuidados de saúde e educação, para as ajudar a entender o que aconteceu e, assim, possam reconstruir as suas vidas.”

O psicólogo recomendou ainda que seja feita uma reavaliação do sistema de valores, dos padrões lógicos e culturais da sociedade. “Um esforço coletivo do Governo e de toda a sociedade para compreender a maneira como as pessoas se relacionam umas com as outras, se não estão a confundir educação com punição, respeito com submissão, valorização da cultura com pensamento acrítico, vantagens pessoais com exploração do outro, individualidade com individualismo e autoridade com autoritarismo”, concluiu.

Ver os comentários para o artigo

  1. Nao deixem morrer a ESPERANCA!

    Ja acabou a guerra e respetiva matanca
    Odios antigos e sua cobranca
    Terra linda, tebedai favorita danca
    O futuro e a nossa ponta de lanca
    A agricultura enchera a panca
    Depois do petroleo passar a ser coisa ransa
    O vento, sol, trarao sopros modernos em tranca
    Oh politicos, menos bajulanca!
    Ponham de lado a ganancia
    Acima de tudo olhem pela crianca
    O alicerce com maior pujanca
    Nao deixem morrer a ESPERANCA!

    Ze da Purificacao Esperanca
    Pueta de TL

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