Falta de condições de casas de banho comunitárias põe em risco saúde pública

Os utentes das casas de banho do mercado de Taibessi têm de levar a própria água/Foto: Diligente

Nos fins de semana, a praia da Areia Branca, em Metiaut, a praia do Cristo Rei e os jardins da cidade enchem-se de pessoas que querem aproveitar o tempo livre. As paisagens paradisíacas e o clima quente convidam ao divertimento e à descontração. Porém, quando as necessidades fisiológicas apertam, o que é um “paraíso”, facilmente se transforma num “inferno”. As casas de banho públicas na cidade ou estão fechadas, ou, quando estão abertas, não reúnem as condições para que sequer se passe perto, tal é o cheiro fétido e a degradação, quanto mais entrar.

Num domingo, Roger (nome fictício) foi à praia da Areia Branca para se refrescar e nadar. Depois de comer, sentiu vontade de ir à casa de banho. Por não haver nenhuma casa de banho pública no local, viu-se obrigado a regressar a casa. Antes de sair da zona da Areia Branca, encontrou uma casa de banho pública. Parou, mas infelizmente, estava fechada. Teve de voltar para a mota e conduzir, com dores de barriga, até casa.

Casa de banho fechada por falta de água

A Areia Branca não é caso único. Os sanitários públicos no mercado de Taibessi encontram-se em péssimas condições: não têm água, estão sujas e um deles está fechada com uma placa de zinco.

Perante isso, as pessoas que ali trabalham ou os compradores, muitas vezes, chegam mesmo a urinar na parede do edifício das casas de banho, o que, com o calor que se faz sentir em Díli, causa um cheiro e ambiente insuportáveis, que põem em causa a saúde das pessoas que ali estacionam as motorizadas e dos vendedores que vendem os seus produtos naquele local.

“Temos de comprar água para abastecer a casa de banho que utilizamos. É inadmissível termos de nos preocupar com algo que deveria ser um direito adquirido

“Quando precisamos de ir à casa de banho, temos de ir a casa. É muito difícil para nós, porque estas casas de banho estão estragadas e as que existem dentro do mercado não têm água”, lamenta Evito Martins, vendedor de pulsa no parque de estacionamento do mercado e morador na zona.

Relativamente ao cheiro putrefacto dos sanitários deteriorados, o jovem diz que já se habituou e que costuma almoçar no lugar onde vende os seus produtos, perto desta casa de banho.

Marcas de urina no exterior das paredes do edifício das casas de banho públicas do mercado de Taibessi/Foto: Diligente

Reconhece que, muitas vezes, quando apenas querem urinar, os homens acabam por o fazer ali mesmo, já as mulheres têm de ir a casa ou aos três sanitários no interior do mercado, que não têm água.

Natércia Guterres, vendedora de vegetais da secção B do mercado, está responsável pela chave da porta de uma das seis latrinas desta secção. Em entrevista ao Diligente, mostrou-se indignada com a falta de água nas casas de banho.

“Nós é que temos de comprar água para abastecer a casa de banho que utilizamos. Todos nós fazemos isso, mas é inadmissível que não possamos trabalhar descansadas, porque temos de nos preocupar com algo que deveria ser um direito adquirido. O descontentamento com esta situação é geral”.

Há cerca de nove anos que o abastecimento de água no mercado de Taibessi falha. Os utilizadores têm de comprar água, um dólar por cinco litros, para manter a casa de banho limpa. Com rendimentos reduzidos, ainda têm de pagar para poderem utilizar, com alguma dignidade, os lavabos públicos.

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A água comprada pelo grupo de Natércia Guterres/Foto: Diligente

O diretor da Água e Saneamento da Autoridade Municipal de Díli (AMD), Hermínio Ribeiro, esclareceu ao Diligente que a falta de água nas casas de banho do mercado “é uma situação pontual, que se deve a problemas com as torneiras”.

Neste momento, a autoridade fornece água em tanques, de acordo com a necessidade dos utilizadores e mediante pedido enviado à AMD. “A última vez que fornecemos água para a casa de banho do mercado de Taibessi foi no mês passado”, informou o diretor, contrariando as queixas dos utentes dos sanitários do mercado.

Casas de banho nos jardins só funcionam durante o horário de trabalho

Nos jardins da capital, há casas de banho limpas e com água suficiente, geridas pela companhia Salina Unipessoal, Lda. Duas no largo de Lecidere, uma no jardim 5 de maio, uma no Cristo Rei, uma em Metiaut e outra no jardim 12 de novembro.

O Governo, através da empresa pública Bee Timor-Leste (BTL), alocou, este ano, 72 mil dólares para esta companhia proceder à manutenção das casas de banho mencionadas. O contrato teve início no ano passado.

No entanto, as necessidades fisiológicas são obrigadas, neste caso, a ter hora marcada e só podem acontecer das 8h às 12h e das 13h às 17h30. “Fora desse horário, os sanitários públicos estão encerrados”, disse ao Diligente um funcionário da companhia Salina.

“As doenças respiratórias e diarreicas continuam a ser as duas principais causas de mortalidade infantil em Timor-Leste, sendo que ambas estão fortemente ligadas ao saneamento”

Já Roberto Varela, gestor interino da operação e manutenção do saneamento na BTL, mostrou-se surpreendido quando o confrontamos com esta informação. “No contrato, está estabelecido que o horário de funcionamento é das 8h às 17h30, sem pausa para o almoço, porque há dois funcionários para trocarem de turno”.

Quanto ao período da noite, Varela teme que as pessoas não tenham consciência e “aproveitem essa altura para vandalizarem as infraestruturas públicas, como tantas vezes se verifica”.

O gestor pondera, no futuro, cobrar dinheiro para a utilização das casas de banho públicas para gerar receitas ao Estado. Equaciona ainda instalar uma sanita, também para utilização mediante pagamento, que se limpa automaticamente e só abre consoante um pré-pagamento.

Porém, “tal investimento ainda está em discussão, porque receamos que a juventude timorense, ainda inconsciente, possa estragar a propriedade pública”.

Ao mesmo tempo em que se considera cobrar dinheiro pela utilização de sanitários púbicos, a maioria dos timorenses luta para sobreviver com o salário mínimo de 115 dólares mensais e para enfrentar uma introdução de impostos no consumo de alguns bens primários.

Investimento do Governo em setor considerado “prioritário” é insuficiente

No programa do VIII Governo constitucional, refere-se que “é inadiável e prioritário” investir no acesso à água potável e ao saneamento básico. O Governo diz-se consciente de que “a ausência destas infraestruturas afeta gravemente a saúde pública e a qualidade de vida das populações, potenciando a propagação de doenças, a mortalidade e o deficiente desenvolvimento das crianças”.

Só a meio do mandato, é que o atual Governo especificou o investimento no setor de saneamento no Orçamento Geral do Estado (OGE), tendo alocado, nos últimos três anos, cerca de 0,03% do orçamento à Autoridade Nacional de Água e Saneamento (ANAS, I.P.), aproximadamente 2,3 milhões de dólares.

“O fundo para a Proteção Social aos Combatentes é quase cinco vezes mais do que o total investido em dez anos, pelo Governo timorense, para o saneamento”

Pode ler-se, no Jornal da República, que “as doenças respiratórias e diarreicas continuam a ser as duas principais causas de mortalidade infantil em Timor-Leste, sendo que ambas estão fortemente ligadas ao saneamento e higiene desadequados. Só a diarreia é responsável por mais de 380 mortes de crianças, por ano, em Timor-Leste”.

Neste documento do Governo, referem-se ainda os impactos negativos do saneamento desadequado para a saúde infantil, bem como a sua relação com uma perda económica de cerca de 16 milhões de dólares por ano. A falta de saneamento básico pode levar à diminuição da resistência das crianças contra “doenças predatórias tais como a pneumonia, malária e sarampo, e a uma menor produtividade na escola e no trabalho, redução das funções cognitivas e redução da capacidade de aprendizagem”.

A média do investimento no setor de saneamento, por ano, durante os últimos dez anos é de 0,1% do financiamento do Estado, o que perfaz um total de quase 22 milhões de dólares americanos, desde 2014.

Em termos comparativos, o fundo para a Proteção Social aos Combatentes, um grupo específico do país, ascende, no espaço de apenas um ano, a 103 milhões de dólares americanos, ou seja, quase cinco vezes mais do que o total investido em dez anos, pelo Governo de Timor-Leste, para o saneamento.

O maior investimento do Governo no setor do saneamento, nos últimos dez anos, é 0,25% do OGE, em 2023, ou seja, 4,5 milhões de dólares. O valor mais baixo foi de 204 mil dólares americanos, em 2020.

Casas de banho públicas em boas condições são essenciais para ajudar a garantir a saúde de todos, que é um direito básico, a par do direito de acesso à água. Porém, em Timor-Leste, é recorrente as pessoas não verem os seus direitos respeitados, mesmo quando isso pode colocar a saúde das pessoas em risco.

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