Em Timor-Leste, apesar das inúmeras dificuldades, a pesca é responsável pelo sustento de milhares de famílias.
Os pescadores timorenses saem para o mar em embarcações desadequadas, enfrentam temporais (sobretudo na época das chuvas), não têm remunerações regulares, não dispõem de legislação que os apoie e sentem que o Governo não incentiva a profissão.
Nos dois primeiros meses deste ano, os ventos mais fortes do que o habitual impediram grande parte dos profissionais de seguir mar adentro. Caso ousassem colocar a pequena embarcação na água, poderiam não mais voltar. A situação fez com que muitos entrassem em desespero.
Rui Pereira, pescador de 50 anos, pai de oito filhos, contou ao Diligente que ficou sem dormir direito por estar preocupado com o pagamento do estudo dos filhos e com o sustento diário da família.
Sem outras formas de rendimento, o habitante de Kampung-Alor, em Díli, foi obrigado a vender doces nas ruas e implorou aos diretores das escolas dos filhos que permitissem o pagamento tardio das propinas.
A filha mais velha, contudo, não pôde continuar a estudar depois de acabar o ensino secundário. Candidatou-se, no início deste ano, a uma bolsa do estudo na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), mas ainda não obteve resposta.
Rui, como outros colegas de profissão, esperavam que, em caso de condições adversas, o Governo os apoiasse para que pudessem sobreviver durante o período em que se veem impedidos de realizar a sua atividade. Timor-Leste, porém, ainda não tem um enquadramento legal que preveja este apoio.
Em entrevista ao Diligente no dia 22 de março, o Ministro da Agricultura e Pescas (MAP), Pedro Reis, mostrou vontade de melhorar a vida dos pescadores, através do planeamento e aprovação de decretos-lei que favorecem a atividade piscatória.
O Governo previu a distribuição de 110 barcos, mais estruturados e com motores mais potentes, para permitir aos pescadores voltarem a trabalhar, mas apenas 40 foram distribuídos. “Pedimos paciência aos pescadores que ainda não receberam os barcos”, solicitou o ministro.
Neste contexto, Rui Pereira contou ao Diligente que é lamentável que alguns colegas seus tenham, alegadamente, recebido dois barcos e vendido um. “Não comprei um motor, porque custa entre 1.600 e 2.500 dólares americanos. Os barcos que o Governo distribuiu são importados da Indonésia, com um motor de porte médio (15 cavalos), que pode custar até cinco mil dólares”.
Relativamente a esta questão, o Secretário de Estado das Pescas, Ilídio de Araújo, ainda não recebeu informação da Comissão Nacional de Aprovisionamento (CNA), responsável pela distribuição dos barcos.
O Diligente contactou a CNA, que apenas informou que esta situação não era da sua competência, contrariando o que o Secretário de Estado das Pescas declarara.
Rui Pereira registou-se cedo para receber o barco a que tem direito, mas, como até hoje isso não aconteceu, é atualmente obrigado a usar um sem motor, com mais de seis anos e que já teve de ser restaurado com a ajuda de familiares e colegas.
Riscos inevitáveis, paciência e esperança
Rivaldo Lay, 34 anos, de Liquiçá, costuma pescar até ao mar de Hera. Reconhece, no entanto, que, mesmo com o motor, é perigoso sair para a atividade quando está mau tempo.
Com 16 anos, a pesca era um passatempo para Rivaldo. Porém, quando percebeu que poderia ser uma fonte de rendimento, o jovem decidiu abandonar os estudos e “mergulhou” no negócio da pesca. Tem um filho e mais sete familiares em casa para sustentar.
Quando o peixe que pesca enche um frigorífico, consegue auferir entre 150 e 300 dólares, “mas é uma questão de sorte. Muitas vezes, não apanho nada”, contou ao Diligente. Com o barco a motor, cada vez que sai para o mar, gasta 35 dólares para combustível, equipamentos e isco. Investimento que, muitas vezes, não compensa.
Rui Pereira, por sua vez, consegue, no máximo, cerca de 20 dólares por dia, que utiliza, normalmente, para comprar um saco de arroz. Este dinheiro ainda tem de ser partilhado com quem o acompanhou no mar. Às vezes, depois de uma noite inteira no mar, não consegue nada.
Para poder pescar, gasta cerca de 10 dólares para os iscos e o fio de pesca. Não usa a cana por ser cara. Dessa forma, magoa nas mãos frequentemente e muitas vezes chega a sangrar, principalmente quando apanha um peixe grande.
Rui e Rivaldo, normalmente, conseguem pescar peixe coco, garoupa, tilápia vermelha e outras espécies. O mais caro é a garoupa. Um peixe grande desta espécie pode valer entre 50 a 70 dólares. Apesar de se magoar nas mãos, Rui fica muito feliz quando consegue apanhar um destes.
A paciência e a esperança são essenciais na atividade. Os pescadores saem para o mar à noite e voltam a terra na manhã seguinte, trazendo o pescado para os consumidores e sustento para a família. Os clientes esperam pelo peixe fresco à beira-mar, na praia dos Coqueiros, ou encontram-no pendurado nas árvores.
Rui não quer exigir nada do Estado, mas tem fé que os governantes, “ao tomarem consciência dos desafios que as famílias dos pescadores enfrentam, mostrem alguma empatia”, ajudando a melhorar as condições de trabalho.
Indústria da pesca
Graças à extensa costa e às águas ricas em nutrientes que cercam a ilha, a pesca é uma importante atividade económica de Timor-Leste, criando emprego e sustento para muitas famílias. Segundo o relatório da Organização Não-Governamental (ONG) La«o Hamutuk, a pesca artesanal contempla cerca de 85% das necessidades domésticas de peixe no território timorense. Desde 2000, a La’o Hamutuk analisa e monitoriza os dados socioeconómicos de Timor-Leste.
Apesar das condições favoráveis, a falta de infraestruturas, incluindo portos e instalações de processamento de peixe, limita a capacidade do país de aproveitar todo o potencial da sua indústria pesqueira.
João Gonçalves, economista e ex-ministro timorense da Economia, considera importante investir nas indústrias, principalmente naquelas para a qual Timor-Leste tem os recursos necessários. “A nação tem bastante peixe e poderia exportá-lo”, observa.
“Não existe uma exportação substancial de recursos marinhos, embora haja recursos que ainda não estão a ser utilizados. Portanto, a pesca comercial e as cadeias de valor do pescado são consideradas áreas de potencial elevado para desenvolvimento”, destaca o relatório da La’o Hamutuk.
Em novembro do ano passado, os Governos de Timor-Leste e da Coreia do Sul assinaram um acordo para a construção de infraestruturas industriais de pesca no posto administrativo de Iliomar, em Lautém. O apoio financeiro sul-coreano deverá rondar os 800 mil dólares, informou o titular do Ministério da Agricultura e Pescas (MAP), Pedro dos Reis.
“Ainda não sabemos em que aldeia serão construídas as infraestruturas, porque ainda está a ser estudada a viabilidade dos terrenos”, argumentou o ministro. Caso seja um terreno privado, o MAP vai negociar com o Ministério de Terras e Propriedades.
O ministro lamenta que, nos mercados do peixe de Timor-Leste, alguns vendedores comercializem peixe congelado de supermercados. Para contornar a situação, sugere que se criem portos de pesca integrados que recebam o peixe capturado, o distribuam pelo país e o exportem até.
Esta sugestão já foi submetida ao Conselho de Ministros e aguarda aprovação. A ideia é que se estabeleçam portos no posto administrativo de Vemasse e em outros locais na parte sul de Baucau. Propôs, contudo, criar primeiro um porto e depois estabelecer os restantes.
Em junho de 2021, foi aprovada a abertura do concurso público para a compra de duas embarcações de 250 toneladas com o objetivo de industrializar o setor pesqueiro. Ambas poderiam ser usadas para várias finalidades, como transporte de carga e pesca comercial. Porém, até ao momento, nada se sabe destes barcos.
A pesca ilegal
Nos últimos anos, o Estado passou a demonstrar mais preocupação com a pesca ilegal no mar de Timor-Leste, quando, em 2020, pelo menos 170 barcos foram encontrados em situação irregular no território, praticando pesca ilegal. Segundo o MAP, o país perdeu ilegalmente 750 toneladas de peixe no período.
Ainda em 2020, os Governos timorense e australiano assinaram um acordo que previa a concessão de dois navios de patrulha, a serem entregues até este ano, para integrarem a componente naval das F-FDTL no patrulhamento da costa sul.
De acordo com o artigo 3.º da lei nº 12/2004 (Crimes Relativos à Pesca), a pesca em Timor-Leste sem a licença específica constitui crime com pena de 2 a 8 anos de prisão, além de multa que pode variar de 25 mil a 1,5 milhões de dólares americanos.
Os pescadores timorenses mostram-se descontentes pelo facto de a pesca ilegal lhes retirar a oportunidade de conseguirem peixe e rendimento. Estão conscientes, no entanto, que algumas espécies têm de ser devolvidas ao mar, como o tubarão bebé, tartarugas e todos os peixes pequenos e venenosos. Rui Pereira, por exemplo, considera tartarugas, golfinhos e outros peixes exóticos “ornamentos do mar”, defendendo que sejam protegidos.
O pescador destaca que esta consciência não se aplica no caso daqueles que exercem atividade ilegal, que contribui para a extinção de espécies aquáticas. “As tartarugas, por exemplo, começam a desaparecer, porque as pessoas as caçam ou as comem”, conta. Antes, as tartarugas depositavam os ovos na Praia dos Coqueiros, “agora emigraram para Lospalos”, lamenta Rui.
Em junho de 2021, os Estados Unidos da América comprometeram-se a apoiar Timor-Leste com 10 milhões de dólares para a reabilitação das infraestruturas do aeroporto de Baucau. Depois da reabilitação, prometeram oferecer um avião de patrulhamento para combater a pesca ilegal. Mais uma promessa que até o momento não se concretizou.
Assinam-se acordos, prometem-se barcos, aviões, reabilitações, mas os pescadores timorenses continuam a ver a profissão desvalorizada e ficam à deriva, sem porto seguro onde atracar.
O peixe que os irmaos pescadores “tem pescado”, nao e o melhor peixe, esse peixe deixa muito a desejar, deixa-os a deriva. Talvez pescar na restinga de Lecidere seja melhor opcao.
Nem tudo que vem a rede e peixe!
Os nossos políticos estao mais precupados com a pensao vitalícia e as subvenção do que com os pescadores.