Falhas na comercialização de eletricidade geram caos e estão ainda por resolver

Fila para comprar eletricidade no centro de venda de Bidau, em Díli, no dia 1 de maio/ Foto: Diligente

Os clientes da Eletricidade de Timor-Leste (EDTL) foram obrigados a aglomerar-se, no início do mês de maio, em filas intermináveis, nos centros de venda de eletricidade de Caicoli, Bidau, Elemloi e Fatuhada, em Díli, devido a falhas nos sistemas de venda dos postos a que habitualmente recorrem para comprar eletricidade. Os responsáveis da EDTL argumentam que a empresa foi alvo de um “ataque informático” e, como forma de compensação, atribuíram cinco dólares de carregamento a todos os clientes da empresa, um “benefício” a que nem todos os utilizadores estão a conseguir aceder. O funcionamento do sistema não voltou ainda à normalidade e há postos de venda que permanecem fechados.

As falhas no sistema de fornecimento de eletricidade por parte da EDTL não são um problema de agora, mas, no início do mês de maio, mais precisamente no dia 1 de maio, as esperas à porta dos postos de venda que tinham pulsa disponível (pulsa é o termo usado pela maioria dos timorenses para se referir aos carregamentos de energia), chegaram mesmo a estender-se por um dia inteiro. O Diligente recolheu relatos de pessoas que se viram obrigadas a esperar das 10h da manhã até à meia-noite e de clientes que tiveram mesmo de se deslocar de outros municípios para comprar eletricidade.

Agostinho das Regras, agricultor, 45 anos, estava, por volta das 21h30 à espera, no posto de venda de Caicoli. Veio de propósito de Same, onde vive, até Díli para comprar pulsa, porque já não tinha eletricidade em casa há quase uma semana. Apesar dos pouco mais de 100 quilómetros que separam Díli de Same, dificilmente se completam em menos de três horas, devido às más condições da estrada. “Os postos da venda de Same não estão a vender pulsa, porque o sistema avariou. Sem luz à noite, os meus filhos não conseguem estudar. Também não podemos carregar o telemóvel e não temos acesso à informação”.

Já Olinda da Costa, professora de 42 anos, residente em Manleuana, Díli, contou ao Diligente, enquanto esperava no centro de venda de Bidau, por volta das 10h da noite, que ela e o marido já tinham procurado “pulsa” desde manhã em todos os centros de venda da capital, mas muitos estavam fechados. “De manhã, às 7h30, vim com o meu marido, de Manleuana para Bidau, mas a fila era enorme, então voltamos para casa. Fomos ao centro de venda mais próximo de casa, mas a resposta foi a mesma: “o sistema avariou”. Fomos a outros pontos de venda em Elemloi, Fatuhada e Becora, mas também não conseguimos comprar, porque as filas eram muito grandes”.

Decidiram voltar para casa e, às 15h, regressaram ao ponto de venda de Bidau. Mesmo assim, “não conseguimos, porque aconteceu a mesma coisa, havia muita gente na fila. Fomos embora, voltamos a Bidau às 18h e estamos à espera até agora, já são 10h da noite”. Até essa hora, o casal não tinha ainda conseguido comprar eletricidade.

Os quatro centros de venda do Bairro Pité, onde vive Fredy Martins, também estiveram fechados, obrigando o homem, de 50 anos, a deixar os dois filhos, ainda crianças, com idades inferiores a 10 anos, sozinhos em casa para poder ir comprar pulsa a Caicoli. Ali, teve de esperar quase quatro horas, na fila apinhada de gente. “Isto afeta muito a vida dos cidadãos. Se continuar assim, a EDTL tem de garantir o fornecimento de energia, independentemente da compra dos carregamentos, até que o sistema funcione. Só assim se evitará que as pessoas sejam obrigadas a esperar em filas durante quatro ou oito horas”.

Rosa Henriques Afonso, 42 anos, veio do bairro de Matadouro até ao posto de venda de Caicoli. “Tivemos de aguardar seis horas na fila. Este problema do sistema já aconteceu muitas vezes, mas a EDTL está a dormir ou faz vista grossa e volta a acontecer”, disse indignada.

Já Emília Alves, 40 anos, veio de Bidau para Caicoli para conseguir “pulsa”, depois de ver no contador que a eletricidade estava quase a terminar. O que seria, partida, uma situação normal do dia a dia, acabou por ficar muito longe disso: “não sabíamos que o sistema estava avariado. A EDTL devia avisar para as pessoas se precaverem”.

Já Liliana Sousa, 18 anos, estudante da Escola Técnico-vocacional de Becora, veio de Becora até ao centro de venda de Kuluhun, onde conseguiu comprar “pulsa” depois de ter estado na fila desde as 7h até às 11h da noite. “Costumo comprar pulsa perto de casa, mas o sistema avariou, então tive de vir aqui e esperar este tempo todo”, lamentou, pouco antes de regressar a casa.

O funcionário do centro de venda de Kuluhun, Diogo Madeira, explicou ao Diligente que a sua loja foi a única, da empresa Betazeta, que funcionou em pleno, entre os dias 1 e 3 de maio, enquanto os outros três centros de venda da mesma empresa, em Aitarak-laran, Manleuana e Tasitolu tiveram dificuldades com o sistema.

“Fomos tentar perceber o que se passa, junto da EDTL, mas não obtivemos explicações. Não sabemos porque é que aqui o sistema funciona e nos outros centros da venda não”, destacou.

O vendedor avançou ainda que, nos dias normais, vendem “entre 300 a 500 dólares de pulsa, mas entre os dias 1 e 2 de maio, como tivemos muitos clientes que vieram das lojas, cujo sistema não estava a funcionar, faturamos cerca de 3000 dólares. Tivemos uma grande afluência de compradores, mas, no dia 3, o sistema deixou de funcionar. Os clientes esperaram até à meia-noite, mas depois nós fechamos e muitos tiveram de regressar a casa sem pulsa”.

Por sua vez, Cesarina Belo, vendedora de eletricidade no centro de Kintal Boot, disse ao Diligente, que nos dias em que o sistema está lento, vende cerca de 300 a 400 dólares, “mas quando o sistema está a funcionar normalmente, conseguimos vender 500 dólares”.

O Diligente tentou entrevistar o comissário executivo técnico da EDTL, Latino Jerónimo, mas este instruiu-nos para consultar a informação que a empresa publicou na página de Facebook. Segundo a informação disponibilizada, o sistema de venda de pulsa já tem mais de 10 anos e, por isso, “não tem capacidade para suportar as operações de mais de 400 centros de venda”. Para além disso, “tivemos ataques informáticos ao sistema, o que também impediu o normal funcionamento do mesmo”, pode ainda ler-se na página da companhia.

Para evitar os ataques informáticos, a EDTL decidiu que a venda de eletricidade só se faria em alguns centros, o que causou filas intermináveis nos restantes centros de venda com pulsa disponível. Também na mesma publicação, a EDTL pede aos clientes que já têm eletricidade para não comprarem mais, para não sobrecarregarem o sistema.

Para recompensar os clientes pelo transtorno causado, diminuir o número de clientes nos pontos de venda e ainda, dar tempo aos técnicos para reparar os problemas no sistema, a EDTL, disponibilizou gratuitamente, no dia 4 de maio, um voucher de carregamento elétrico no valor de 5 dólares, aos clientes domésticos, que poderiam aceder à oferta enviando mensagem com o número do seu contador para o contacto disponibilizado pela companhia, recebendo um código de carregamento como resposta.

No entanto, o Diligente teve acesso a relatos de pessoas que tentaram introduzir o código de pulsa que receberam da operadora, sem que este funcionasse. O contador indicou “código já utilizado” ou “número de contador errado”, mesmo sem que se tenha verificado nenhuma destas duas situações.

Do início do mês à data de hoje, o funcionamento do sistema de comercialização de energia já apresenta algumas melhorias, no entanto, continua lento e instável. Os postos de venda de Audian e Bidau encontram-se fechados. Por sua vez, os centros de comercialização de energia de Becora e Kuluhun encontram-se abertos ao público, mas ainda com falhas, principalmente a determinadas horas, nomeadamente entre as 17h e as 18h em Becora e, entre as 8h e as 9h em Kuluhun, como o Diligente pôde confirmar com vendedores, no local.

Contactado pelo Diligente, o presidente da Associação de Defesa dos Consumidores de Timor-Leste – Tane Consumidor, António Ramos da Silva, destacou que este problema, a par dos cortes frequentes no fornecimento de luz “não só não é de agora, como é recorrente”. Como resposta às queixas regulares dos consumidores relativas aos serviços da EDTL, a Tane Consumidor “apresentou uma proposta de regularização da prestação de serviços da EDTL, sugerindo a celebração obrigatória de contratos entre os clientes e a empresa”, ao invés de existir apenas o sistema pré-pago, o que nunca chegou a acontecer. Esta seria também uma forma de “responsabilizar a EDTL por danos causados aos equipamentos elétricos dos clientes”.

Relativamente ao subsídio compensatório de cinco dólares atribuído pela EDTL a todos os clientes como forma de compensação, António Ramos da Silva sublinha que se trata “apenas de uma solução temporária, ao invés de uma solução viável e eficaz como uma empresa pública deveria assegurar”.

O sistema de fornecimento de eletricidade em Timor-Leste é exclusivo da empresa pública EDTL e funciona apenas em sistema pré-pago. Em várias zonas, as falhas de luz causam também falta de água, já que esta provém, muitas vezes, de poços e depósitos que requerem o funcionamento de bombas elétricas.

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  1. Confesso que as notícias do Diligente são muitos cativantes devido os vocábulos de cores amarelos já deixaram os significados das palavras…

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