Exposição retrata unidade de Timor-Leste através de um fato de Tais

Camilio van Lenteren/ Foto:DR

Está em exibição na Fundação Oriente, em Díli, a exposição “UNITED COLORS OF TIMOR-LESTE| Protótipo 001”, da autoria do artista concetual Camilio Van Lenteren. A instalação, composta por um fato e 18 peças de tecido Tais, fabricados por todo o país, procura representar Timor-Leste como um todo numa única peça: um fato de Tais. O autor explica ao Diligente a essência do trabalho “em que estão representadas todas as mulheres que tecem tais e os grupos linguísticos que os representam” e realça que “num país dominado por políticos do sexo masculino, onde os direitos das mulheres, das raparigas e das crianças ainda não estão garantidos, é preciso apelar ao Governo para que faça muito melhor”

Quando chegou a Timor-Leste pela primeira vez e porquê Timor?

Cheguei a Timor-Leste em junho de 2019. Escolhi Timor, porque é a segunda nação mais jovem do mundo, com uma História, cultura e arte muito coloridas. Enquanto artista, queria aprender mais sobre este país, que é muito inspirador para mim. Apaixonei-me por este pedaço do mundo.

No entanto, aprender tétum é muito mais difícil do que eu esperava. Ainda não falo bem, o que é uma desvantagem, porque acredito piamente que para absorver uma cultura deve aprender-se primeiro a língua.

Aprender outros idiomas é difícil para mim, pois sou disléxico, mas isso não me impediu de fazer arte e de ajudar a conceber exposições, nomeadamente como voluntário da Fundação Oriente em Díli, Timor-Leste. Para realizar os meus trabalhos artísticos, comunico de outras formas com os profissionais com quem trabalho, como alfaiates, carpinteiros, artistas, transportadores, donos de lojas de ferragens, cineastas, fotógrafos, entre outros. Assim, consigo na mesma fazer tudo o que preciso.

Que expetativas tinha? A realidade correspondeu às suas expectativas?

Eu não conhecia Timor-Leste, mas já tinha estado na Indonésia antes e apaixonei-me pela arte, pela comida e pelas pessoas e artistas contemporâneos de Yogyakarta, cidade na ilha de Java, Bali, Jakarta e Bandung. Timor-Leste é muito diferente, mas ouvi coisas muito boas sobre o país, sobre a luta do povo, a gentileza das pessoas, a natureza, a comida. De facto, aqui há pessoas fantásticas, gentis e muito acolhedoras, com o sorriso mais bonito, uma grande cultura, e sim, Timor é mais do que eu esperava. Estou impressionado com o excelente café e com os grandes baristas em Díli e fiquei imediatamente rendido à beleza dos Tais, o tecido tradicional, que representa os vários grupos linguísticos do país.

Quais são as suas referências artísticas?

Na minha juventude, íamos frequentemente a museus, a espetáculos de música clássica, ballet, ópera. Acho que foi aí que tudo começou. Também frequentei um sistema escolar bastante criativo, inspirado em Rudolf Steiner. Antes de começar a frequentar a escola de artes em 2000, inspirava-me em David Bowie, um multiartista, e via muitos filmes de arte (franceses espanhóis, italianos, escandinavos, entre outros) e sempre fui, também muito criativo.

Gosto muito dos pintores Willem de Kooning, Piet Mondriaan, do escultor Dan Flavin, dos dadaístas, cubistas, minimalistas, futuristas, pós-minimalistas e grupos de artistas de land art. Agora apercebo-me que estes são quase todos artistas de sucesso e homens brancos. Mais tarde, compreendi que o que estava a ver eram frequentemente resultados manipulados do mundo da arte ocidental, da história da arte ocidental, da venda de arte, do que era considerado a “próxima grande novidade” ou a última moda. Na escola de arte, aprendi História da Arte, mas apercebi-me que precisava de ler muito mais, estudar e aprender sobre arte a nível mundial.

Mais tarde, interessei-me cada vez mais por artistas do continente africano (Yinka Shonibare, (Nigéria), Stacey Gillian Abe (Uganda), da América do Sul (Doris Salcedo, Vik Muniz), da Ásia (Heri Dono, Ninidtyo Adipurnomo, Mella Jaarsma) e do Pacífico, e cada vez mais artistas ativistas, artistas ecológicos e jovens artistas emergentes, uma vez que não são muito influenciados pelo mercado de arte ocidental, que cada vez mais exige obras de arte estéticas e excessivamente polidas, cada vez maiores e cada vez mais parecidas com artigos de luxo e “a próxima grande novidade”. Para ser sincero, acho isso aborrecido.

No seu trabalho, utiliza frequentemente elementos da natureza e explora comportamentos sociais. Isso também acontece nesta exposição?

Nesta instalação, estão representadas todas as mulheres que tecem Tais, que são, muitas vezes, usados por políticos como um fato de negócios, mas não como uma montra de unidade. Num país dominado por políticos do sexo masculino, talvez mais de 85% sejam homens em funções de chefia, onde os direitos das mulheres, das raparigas e das crianças ainda não estão garantidos, é preciso apelar ao Governo para que faça muito melhor, especialmente para servir os municípios e as aldeias mais distantes (longe de Díli e de estradas transitáveis) de maneira a melhorar a educação, os cuidados médicos, a nutrição, a segurança alimentar. Na minha opinião, Timor-Leste não é um país pobre, mas ao que parece a maior parte do dinheiro não sai de Díli.

Para além disso, a natureza nunca está longe em Timor-Leste, os verdadeiros Tais são feitos com algodão cultivado e fiado à mão, colorido naturalmente com ingredientes diretamente do solo, das plantas e das árvores. E os seres humanos também são fenómenos da natureza, muitas vezes tendemos a esquecer-nos disso. Mas, verdade seja dita, esta é uma exposição, uma instalação artística em que a natureza não foi o ponto de partida, como acontece frequentemente nas minhas outras instalações artísticas conceptuais, como os meus Projetos Florestas do Futuro, que podem conhecer no meu site.

Pode falar-nos do processo criativo desta exposição?

A exposição nasceu do amor pelos tecidos em Tais, não pela moda – a moda rápida é sobrevalorizada e um grande poluidor a nível mundial – pelas tecelãs de Tais, pela cultura rica e complexa que está na sua origem. Pelo contexto em que as tecelãs vivem e tecem estes belos padrões complexos. Quando cheguei a Timor-Leste, há quatro anos, descobri que havia uma complexa identidade de grupos linguísticos na dos Tais tradicionais, para além do amor dos timorenses às suas tradições, e dentro delas precisamente o amor aos Tais.

É importante realçar que o Tétum agora é língua oficial de Timor-Leste, mas não devemos esquecer que essas línguas locais são culturalmente muito importantes e que são também expressas através dos Tais. Sem estas línguas locais, Timor-Leste não seria Timor-Leste. Aprendi rapidamente, com as pessoas com quem trabalhei, sobre “futus” (padrões feitos através de coloração e depois tecelagem), “sotis” (fios de seda ou padrões tecidos com fios de algodão), sobre coloração natural e descobri também que os Tais não estão apenas divididos por distritos, mas também estão especialmente ligados a diferentes grupos linguísticos.

Neste sentido, tive a ideia de fazer algo sobre a predominância masculina na política, usando Tais de origem única (muitas vezes modernos, com cores modernas sintéticas e “sotis” ou “futus” estranhos), muitas vezes de apenas um grupo linguístico, num país que é muito jovem e unido por ter sobrevivido a ocupações de dois países e conquistado a independência.

No espaço da exposição, poderão ver o que essa ideia inicial me trouxe hoje, após um longo processo de recolha e aprendizagem. Ainda não está perfeito, ainda há muito mais para aprender, muito caminho para percorrer, mas não estou à procura da perfeição. Mostrar o processo também pode ser bonito.

Instalação pode ser visitada na sala principal da Fundação Oriente até 30 de julho/ Foto: DR

Porquê United Colors of Timor-Leste?

O título desta instalação de arte é: “United Colors of Timor-Leste / protótipo 001”. O fato foi feito depois de ter trabalhado em conjunto com tradutores, quatro alfaiates diferentes para encontrar os tais certos, com a ajuda da Céu Lopes, da Timor-Aid, da mana Agostinha (Mercado de Tais), da costureira Cecília, das conversas com amigos, conversas com os responsáveis da loja Things & Other stories, conversas e informações da Mana Rosa (de Com, município de Lautém), conversas com a “mana” Joana da Fundação Oriente e com artistas e, assim, este trabalho já está a contribuir para a unidade, por tratar-se de um esforço conjunto. O Tais é uma força unificadora, tal como a cultura e as artes, por isso criei um fato para representar essa unidade colorida.

O que é que o Tais branco simboliza?

Estas apresentações, eu vestido de branco, são sobre o meu papel como homem branco heterossexual privilegiado neste mundo da arte, distante do mundo da arte ocidental, do qual estou afastado há nove anos, e ainda bem. Eu expresso isso com roupas brancas, adaptadas ao país em que estou, ao contexto em que me encontro. Com estas roupas brancas, sou esse artista a atuar.

Portanto, é mais uma abordagem artística pessoal, já que, muitas vezes, faço as minhas performances de branco, e também me apresentei na inauguração desta exposição com um fato de Tais branco. É uma autocrítica, o momento em que me olho ao espelho e sei que não sou perfeito. Esta última frase é importante, pois penso que poucas pessoas fazem isto com frequência: olhar para si mesmas ao espelho e refletir antes de criticar os outros. Não estou a dizer que sou bom a fazê-lo (faço o meu melhor), mas estes fatos brancos estão sempre a lembrar-me de tentar fazer melhor.

O fato branco também representa que tenho consciência da minha condição de homem branco, do meu privilégio, que o homem branco domina excessivamente o mundo da arte ocidental, e isso não está certo, de que as pessoas brancas são uma minoria em todo o mundo e devem ser mais humildes, mais acolhedoras, mais disponíveis para ajudar (depois de perguntar se é necessária ajuda e qual tipo de ajuda é desejada).

A unidade na diversidade é possível ou apenas uma utopia?

“Ninguém nasce a odiar outra pessoa por causa da cor da sua pele, ou da sua origem, ou da sua religião. As pessoas devem aprender a odiar, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor vem de forma mais natural ao coração humano do que seu oposto”, para citar Nelson Mandela. Sendo assim, as minhas respostas aqui dependem do que nós – visitantes da exposição e cidadãos do mundo – definimos como diversidade. Eu vejo a humanidade como um todo, vivemos num planeta onde deveríamos partilhar e estar em equilíbrio com a flora e a fauna que nos rodeia, o que definitivamente não acontece neste momento, especialmente desde a industrialização, que começou em 1760. Juntamente com o capitalismo, esta situação só tem vindo a piorar.

Eu acredito que a união é a única forma de salvar este planeta, a natureza, todos os animais, insetos, plantas, flores, árvores, oceanos e, eventualmente, talvez nós mesmos. Se conseguirmos livrar-nos da dominação masculina e do mal da humanidade, talvez possamos transformar as democracias capitalistas consumistas em democracias de economia circular, talvez isso possa ser feito. Mas sim, é um desafio difícil de superar.

O meu sonho e a minha utopia é um mundo verde, onde todos vivamos em sintonia com a mãe Terra, a flora e a fauna e um mundo sem pobreza (é uma questão de partilha e divisão intencionalmente errada de fontes, recursos e dinheiro), sem guerra, com uma educação excelente e gratuita, cuidados de saúde para todos e um rendimento de base para os que quere e precisam, financiado através de um imposto de 95% sobre os super-ricos espalhados por todo o mundo. Isso é uma utopia, embora não seja impossível.

O dinheiro gerado por recursos como o petróleo, o ouro, o diamante, entre outros, deveria pertencer a todos, uma vez que ninguém é dono do mundo e dos seus recursos. Embora existam fronteiras por razões específicas, que infelizmente também tenho de aceitar, muitas vezes, utilizamo-las de forma errada, exigindo recursos que deveriam ser para todos. Cada vez mais tenho a sensação de que desde a invenção da energia atómica, bombas atómicas, a chegada à lua e satélites não evoluímos mais. Não estamos a usar a nossa capacidade cerebral ao máximo, vivemos enevoados pelo dinheiro, riqueza e poder. Claro, a internet parece divertida e os smartphones também, mas para que servem realmente? Ajudam-nos a progredir? Ainda não estou convencido.

Se perguntar especificamente sobre a unidade em Timor-Leste, penso que é um país muito jovem e ainda tem um longo caminho a percorrer, mas ao ver como as pessoas votaram para eleger o Presidente da República no ano passado e um novo Governo este ano, e como estão a trabalhar em conjunto, vejo isso como um sinal muito promissor. Tenho esperança, porque 60% da população tem menos de 25 anos, mas há poucas oportunidades de emprego em Timor-Leste, é preciso ter cuidado para que isso não se torne num problema, uma vez que os jovens precisam de ter boas perspetivas futuras. Para isso são precisos empregos bem remunerados, uma educação de qualidade, cuidados de saúde adequados e uma nação saudável.

Que reações pretende provocar no público com esta exposição?

Espero abrir mais os olhos para o facto de o Tais ser estritamente tecido por mulheres e de, no entanto, estas mulheres, raparigas e crianças estarem, muitas vezes, sob a pressão do domínio masculino ou, por vezes, até mesmo sujeitas a agressão.

Penso que ao orgulharem-se ainda mais do seu património cultural e conhecerem de onde vêm, os timorenses vão tornar-se mais conscientes deste facto. Além disso, os políticos do sexo masculino, que, muitas vezes, usam Tais originário de um único município, estão apenas a representar esse grupo linguístico ou distrito. Por que não representar mais grupos linguísticos ao mesmo tempo e celebrar a cultura e as línguas locais, além de promover Timor-Leste como um país unido e a língua oficial tétum como um símbolo de unidade na diversidade? Espero que agora que o Tais é oficialmente património mundial da UNESCO, desde 2021, em breve seja criado um museu de Tais, e que esta unidade ganhe um impulso ainda mais forte.

Como é que avalia a arte em Timor-Leste?

Com a exposição Hasoru Malu do ano passado (maio de 2022), na qual trabalhei em estreita colaboração com a Fundação Oriente (uma ideia da delegada da Fundação Oriente, Joana Saraiva), com a artista Maria Madeira (curadora principal) e muitos outros, fiquei muito feliz por ver todos estes grandes artistas juntos com grandes obras de arte de alta qualidade. Com 15 artistas, dos quais três eram mulheres, foi um grande sucesso, ainda que eu gostasse de ver mais obras de artistas mulheres em destaque. Dos 15 artistas, 50% deveriam ser mulheres e estamos a trabalhar muito nesse sentido, mas é difícil. Não é fácil encontrar os artistas pois, muitas vezes, trabalham a partir de casa, mesmo os melhores artistas, de que é exemplo a Arte Moris. Timor-Leste ainda não tem um museu de arte ou galerias de arte contemporânea. Faltam também artistas que tenham websites (muitos não têm por ser muito caro), mas é uma ferramenta essencial.

Além disso, fiquei chocado com o tratamento dado à Arte Moris e como muitas obras foram atiradas para o chão e pisadas. A arte é sempre indefesa. Isso foi uma demonstração em grande escala de absoluto desrespeito pelos artistas, que realmente magoou muitos artistas e as pessoas ao seu redor.

A arte está em todo o lado. Sem arte e mentes criativas, a cidade de Díli talvez fosse uma cidade cinzenta e monótona e a única coisa colorida seria a natureza. Não haveria a beleza dos Tais, roupas, boa comida, as grandes esculturas de Ataúro, as incríveis espadas feitas à mão, todos os ótimos logótipos de café, camisas, barcos de pesca coloridos e muitos mais. Espero que, em breve, abram galerias de arte contemporânea e, quem sabe, até mesmo um museu de arte contemporânea, o que também seria ótimo para o turismo.

Quais são os seus próximos projetos?

BHAVISHY (Future) Forest India. Terminei, muito recentemente, o meu crowdfunding (campanha de angariação de fundos) para cumprir esse projeto, em que vou plantar uma floresta biodiversa com a palavra FUTURE (BHAVISHY em Hindie, futuro em português) no Rajastão, Índia. Continuo a fazer voluntariado e a ajudar a montar exposições na Fundação Oriente, a trabalhar na extenção do meu projeto artístico “patterns of a normal live” (padrões de uma vida normal, em português, que ainda pode ser visitado na Fundação Oriente e, mais recentemente, no restaurante Pro-Ema) e a tentar encontrar galerias de arte para este projeto em todo o mundo. Estou também a trabalhar no meu site, através do qual quero ajudar, com os meus conhecimentos, jovens artistas em início e meio de carreira, em todo o mundo.

(A instalação “UNITED COLORS OF TIMOR-LESTE|Protótipo 001”, inaugurada no dia 21 de junho está em exposição, na sala principal da Fundação Oriente, até dia 30 de julho, entre as 9h e as 18h. A entrada é gratuita.)

Array

Ver os comentários para o artigo

  1. “Muito pesado” em minha opiniao.
    “Retalhos fragmentados da vida de um Maubere”
    O tais e melhor utilizado quando incorporado com outro tecido neste caso e em fardamento para escolas ou funcionarios publicos.
    A ideia de utilizar o tais e magnifica mas nem tanto a terra, nem tanto ao mar.
    E preciso um “balanco” assim como tudo na vida.
    Nao matem a “galinha de ovos de ouro”!

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?