Estudantes e professores denunciam perturbação de famílias que vivem nas escolas

Cerca de 26 famílias ocupam a Escola Básica Central 10 de Dezembro/ Foto: Diligen te

Muitos espaços escolares em Díli servem de casa para quem não tem para onde ir. Em alguns lugares, ocupantes montam negócios e criam animais perto das salas de aula. Famílias exigem indemnização do Estado para saírem. Autoridades não conseguem encontrar solução e problema persiste há anos.

Estendais montados em frente às salas, com roupas penduradas a secar. A água dos banhos, de várias famílias, corre por toda a parte e acumula-se ao lado da sala dos professores. A quase cinco metros das turmas do 3.º ano, há uma área com porcos a ser criados. O lixo que se acumula à volta dos edifícios escolares, tornando o ambiente pesado e malcheiroso, chega inevitavelmente às salas de aula da Escola Básica Central 10 de Dezembro, em Comoro. Neste estabelecimento de ensino, 26 famílias vivem e dividem o espaço com 340 alunos.

“Os estudantes precisam de estar num lugar limpo, saudável e agradável. Agora há muitas famílias que ocupam o espaço da escola e chegam a criar animais. O mau cheiro está em todo o lado e o ambiente está nojento”, lamenta Vanessa de Sousa, 15 anos, aluna da escola.

Já em Balide, na Escola Secundária 4 de Setembro, o portão frontal é o único ponto de entrada e saída para os alunos, professores e para os ocupantes que moram lá dentro. Atrás dos escritórios, dentro do recinto da escola, crianças e bebés gritam e choram. Algumas das cinco famílias que lá vivem abriram negócios. O barulho do “entra e sai” de carros e de motas torna o ambiente escolar caótico.

Silvina Soares da Silva, 16 anos, aluna da escola, diz que o espaço não deveria ser ocupado pela comunidade, porque “as movimentações prejudicam os alunos”.

As escolas de 10 de Dezembro e 4 de Setembro, em Comoro e Balide, respetivamente, estão entre os estabelecimentos de ensino públicos que enfrentam o mesmo tipo de problema: há muitos anos, servem de alternativa de habitação para as pessoas que não têm onde viver.

Segundo Martinho Mendes, diretor da Escola Secundária 4 de Setembro, de Balide, os lugares habitados pelas famílias eram as antigas casas de professores, construídas no tempo da ocupação da Indonésia. Em 2000, os espaços ficaram abandonados e os agregados familiares aproveitaram para os ocupar – situação que até hoje persiste e gera desconforto.

“As famílias moram perto das salas de aula e da sala de professores. São numerosas, com muitos filhos. As crianças choram e fazem barulho ou vendem mangas e comida até dentro da sala de aula. Quando não estão a vender, penduram os produtos nas janelas e portas”, diz o diretor.

Conforme Martinho Mendes, a escola já chegou a um acordo com as famílias para abandonarem o espaço. No entanto, ninguém ainda saiu do local. “Parece-me que estão à espera de algum tipo de indemnização. Porém, esta não é nossa responsabilidade. É competência do Governo”, afirma o diretor. A Escola 4 de Setembro tem 56 salas de aula e 3.612 estudantes.

Por sua vez, o diretor da Escola Básica Central 10 de Dezembro, Tomás Soares, relata que, todos os anos, o número de ocupantes no estabelecimento continua a aumentar. “O espaço da escola onde essas pessoas vivem era ocupado pelos professores. Com o passar do tempo, os filhos dos professores, já adultos, ficaram ali, criaram famílias”, argumenta.

Tomás conta que a última conversa com as famílias, para que deixassem o local, aconteceu há dois anos – ocasião que teve a participação do Ministério da Educação. Até hoje, no entanto, nada aconteceu.

Ocupantes dizem-se prontos a sair, mas exigem tratamento digno e indemnização

Os ocupantes das escolas públicas em Díli afirmam que estão prontos para deixar os locais, mas esperam “ser tratados com dignidade pelo Governo”. Abraão Mendonça, 55 anos, que vive na Escola Secundária 4 de Setembro, diz que mora no lugar desde que começou a trabalhar como segurança nesta escola – época da ocupação indonésia.

O pai de sete filhos explica que o Governo já pediu para todos abandonarem o espaço, mas não o fez porque, no seu entendimento, tem direito a uma indemnização – mesmo argumento de outros ocupantes.

“Muitas vezes, os professores confrontam-nos com esta situação. Perguntam quando é que saímos daqui. Somos timorenses e trabalhamos para o país. Tem de ser o Governo a encontrar uma solução”, diz Abrão.

O morador diz que todos os outros residentes têm consciência de que a situação prejudica o funcionamento normal de uma escola e perturba os alunos, porém apela às autoridades “para que tratem as famílias como seres humanos e não como animais”.

“Já tenho um terreno, mas ainda não tenho poder financeiro. Para construir uma casa, necessitamos de muitos materiais. Temos de pagar aos trabalhadores de construção civil. Nada é grátis. Se o Governo puder apoiar com alguns materiais de construção ou dinheiro, então tudo resolvido e podemos deixar o espaço”, afirma.

Marcelino Freitas, professor e morador da Escola 10 de Dezembro, em Comoro, recorda o momento em que passou a viver no local, que remete à instabilidade política em 2006. “Ocupámos este espaço, porque não tínhamos sítio para onde ir”, resume.

O professor esclarece que há mais docentes ali, apesar de existirem outras pessoas sem relação com aquele estabelecimento de ensino.

“Muitas vezes, as pessoas podem pensar que os professores têm dinheiro para comprar um terreno, mas um terreno em Díli agora é muito caro. Como é que vamos dividir o salário para dar resposta às necessidades da família e comprar um terreno?”, questiona.

Marcelino Freitas lamenta ainda que o Ministério da Educação não consiga criar condições para os professores, levando muitos a aproveitar o espaço escolar para construir a sua própria casa. “As casas que estamos a ocupar não foram construídas pelo Governo timorense. Foram criadas durante a ocupação indonésia e já estão danificadas. Por isso, tomámos a iniciativa de comprar chapas de zinco e cimento para as restaurar”, detalha.

Na Escola Básica Central 10 de Dezembro, famílias criam porcos perto das salas de aula/Foto: Diligente
Problema sem solução

O Diretor-Geral da Administração e Gestão das Finanças do Ministério da Educação, Antoninho Pires, ressalta que esta entidade tem informado as pessoas sobre as leis e o património do Estado para que os ocupantes possam deixar voluntariamente os espaços escolares.

“O Ministério da Educação só pode consciencializar as pessoas. Mandar os ocupantes embora é da competência do Ministério da Justiça, através do Secretário de Estado das Terras e Propriedades, que toma medidas segundo a lei em Timor-Leste”, esclarece.

O dirigente, consciente do problema, sabe que a Escola Básica Central 10 de Dezembro e a Escola Secundária 4 de Setembro não são casos isolados.  “A Escola Secundária Sérgio Vieira de Mello tem quatro famílias alojadas e a Escola Básica Filial Duque de Caxias também tem quatro, por exemplo. Sabemos que existem mais situações semelhantes”, relata.

Segundo Antoninho Pires, já houve decisões judiciais no sentido de remover os ocupantes das escolas, mas a execução não foi realizada.

“Por exemplo, na Escola Básica Central de Bidau Akadiruhun, há dois ou três anos, o Tribunal de Díli notificou as famílias para abandonarem o local. Ninguém saiu de lá e não aconteceu nada”, diz.

Questionado sobre a indemnização, o diretor-geral afirmou que o Governo ainda precisa de identificar o modelo de casas que podem ser atribuídas como solução. “Naturalmente, quando mudamos as pessoas para outros lugares, temos de ver as condições das habitações”, justifica.

Em relação aos professores que ainda ocupam o espaço escolar, Antoninho Pires garante que o tratamento vai ser igual ao de outras famílias.

“Quando chegar a ordem de despejo, todas as famílias, incluindo os professores, devem sair e deixar o lugar. Depois o Ministério da Educação decide se vai ser necessário construir casas para os professores ou não”, afirma.

Já o Secretário de Estado das Terras e Propriedades (SETP), Jaime Xavier Lopes, explica que, para agir em determinada escola ocupada indevidamente,  a SETP tem de receber primeiro uma carta com o pedido do Ministério da Educação. O dirigente garante, no entanto, que ainda não recebeu nada.

“O Ministério da Educação enviou o pedido ao antigo Secretário de Estado das Terras e Propriedades, mas, como agora temos um novo Governo, no meu mandato ainda não recebi nenhuma carta com o pedido do Ministério da Educação. Quando receber essa carta, a nossa equipa vai notificar imediatamente os ocupantes”, argumenta.

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