Episódios recentes de violência colocam em causa o funcionamento de grupos de artes marciais e rituais, mais uma vez

Encontro do grupo de arte marcial PSHT/Foto: DR

Confrontos entre elementos de coletivos rivais têm gerado instabilidade social e levaram o primeiro-ministro a pedir a proibição da atividade de clubes. Grupos já ficaram impedidos de operar entre 2011 e 2020.

Na última década, episódios de violência envolvendo elementos de grupos de artes marciais e rituais têm sido uma das principais questões a causar instabilidade social em Timor-Leste. Entre outubro e novembro deste ano, foram registados confrontos em Baucau, Ainaro, Ermera e Bobonaro, que resultaram em casas incendiadas, dezenas de pessoas feridas e mortes (quatro) – cenário semelhante aos meses anteriores.

Neste contexto, o primeiro-ministro Xanana Gusmão declarou, na visita ao Comando da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), em Caicoli, no último sábado (4.11), que vai apresentar um pedido de encerramento das atividades dos grupos de artes marciais e rituais ao Conselho de Ministros, de modo a prevenir conflitos no país.

Na reunião do Conselho de Ministros na passada quarta-feira (8.11), discutiu-se o assunto, sobretudo o que aconteceu no dia seguinte aos Finados, em Bobonaro, mais precisamente no suco de Lourba, em que elementos de clubes da localidade e de Carabau entraram em confronto. O Governo ainda não tomou nenhuma decisão e vai continuar a discussão na próxima reunião.

Casa destruída em Lourba/Foto: DR

Face a esta questão, o diretor-executivo da Fundação Mahein (FM), Nelson Belo, considera que a proposta de proibir o funcionamento de grupos de artes marciais e rituais não vai solucionar o problema da violência.

“O sétimo Governo tomou a mesma medida, mas os conflitos continuaram a acontecer. Depois, o oitavo Governo reativou e a situação manteve-se. O que o nono Governo quer fazer não vai funcionar, porque não está a ir às causas dos problemas. O Governo precisa de investir mais na educação para que haja uma mudança de mentalidade”, afirmou.

Neste sentido, o dirigente recomenda ao atual Governo que seja realizado um estudo mais profundo para identificar os fatores que levam os jovens a se envolverem em confrontos. “É necessário perceber quais são as raízes do problema, não podemos apenas atribuir a culpa aos grupos de artes marciais e rituais”, observou Nelson Belo.

O Presidente da Comissão Reguladora de Artes Marciais (CRAM), Octaviano da Conceição, sublinhou que os recentes casos nos municípios devem ser investigados pela PNTL.

“Todos vemos que os jovens se envolvem em confrontos independentemente de pertencerem ou não a grupos de artes marciais. No entanto, o público relaciona os problemas com estas organizações. O mais sensato é aguardarmos pelo resultado da investigação do comando da PNTL”, alertou.

Questionado a respeito do serviço da CRAM no controlo das atividades dos coletivos, Octaviano da Conceição disse que a entidade continua a fazer o seu trabalho de acordo com as responsabilidades que o Governo lhe atribuiu através da lei nº 5/2017. “Fechar os grupos é competência do Governo e o CRAM apenas executa as decisões”, resumiu.

De acordo com a referida legislação, é de atribuição da Comissão “receber e dar parecer sobre os pedidos de autorização para a constituição de centros, clubes ou escolas destinados à prática de artes marciais e remetê-los à apreciação do membro do Governo responsável pela área do desporto para decisão”. Estão registados na CRAM 18 grupos.

Consulta pública

O porta-voz do Fórum da Organização Não Governamental Timor-Leste (FONGTIL), Feliciano da Costa Araújo, avalia que os confrontos entre os jovens são uma das grandes preocupações da sociedade, uma vez que impedem a liberdade de movimentação da população e causa danos a residências. A organização sugere que o Governo realize uma consulta pública antes de encerrar a atividade dos referidos grupos.

“Estamos preocupados com os recentes incidentes violentos e com o facto de os políticos sempre associarem estas situações aos grupos de artes marciais e rituais. Queremos, por isso, apelar a todas as entidades no sentido de procurarem soluções que contribuam para a paz e a estabilidade”, relatou.

Feliciano Araújo acrescentou que se o Governo acabar com a atividades destes clubes, precisa de procurar alternativas para corresponder às necessidades dos jovens timorenses. “Muitos estão desempregados, por isso o Governo deve prestar atenção a esta situação para criar campo de trabalho para os nossos cidadãos”. Afirmou ainda que a Secretaria de Estado da Formação Profissional precisa de criar uma política para capacitar pessoas não só para trabalhar no estrangeiro, mas também dentro do país.

O porta-voz pede à PNTL que faça um apuramento rigoroso, imparcial e independente para descobrir as causas dos conflitos, e ao Governo que investigue se membros da PNTL  e das FALINTIL – Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), pertencentes a grupos de artes marciais e rituais, tiveram envolvimento em algum dos confrontos.

O Ministro do Interior, Francisco Guterres, informou que já foi enviado um despacho ao Comando da PNTL a solicitar que se identifiquem os elementos da entidade que integram os coletivos para que façam juramento pela bandeira de Timor-Leste. “Ainda não temos certeza sobre o número de membros, mas em princípio vão fazer juramento no dia 28 de novembro para serem leais ao Estado e não aos seus grupos”.

Relativamente às causas dos conflitos e ao facto de alguns membros da PNTL terem disparado tiros contra os jovens durante os confrontos em Bobonaro, Francisco Guterres informou que o processo de investigação ainda não foi concluído.

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