Em Timor-Leste, donos são impedidos de transportar animais de estimação de e para o estrangeiro

Há mais de um ano que no país não há transporte de animais de estimação de Timor-Leste para o estrangeiro e vice-versa/Foto: DR

Bali, na Indonésia, impediu a entrada de animais devido ao surto de raiva na ilha, para a Austrália falta o reconhecimento de que Timor-Leste é um país sem a doença e companhias que voam para Singapura não permitem o transporte dos bichos. Sem alternativas, donos deixam os animais em Timor-Leste ou recorrem a soluções mais extremas

“Tentei dá-los para adoção, mas não me senti confortável com esta ideia, porque já vi demasiados gatos a passarem de uma pessoa para outra, acabando desorientados ou ficando completamente abandonados na rua. Tomei uma decisão difícil e fiquei de coração partido quando tive de os ‘adormecer para sempre’”, lamentou Arquimedes Key Bernat Plewe, 49 anos, cidadão australiano que vivia em Díli e que, por não ter como levar os gatos consigo em viagem, se viu forçado a eutanasiar os seus dois gatos, que considerava como membros da família.

O único voo que permitia  o transporte de animais era através da companhia aérea EuroAtlantic Airways, que voava para Lisboa, em Portugal, e deixou de operar em Timor-Leste desde dezembro de 2022. As outras companhias áreas que operam no país deixaram de transportar cães e gatos desde 2020, aquando do início da pandemia de covid-19. Esta situação fez com que os donos de animais domésticos se vissem obrigados a deixá-los ao cuidado de outras pessoas e, em casos extremos, tenham optado por submetê-los à eutanásia, como foi o caso de Arquimedes Plewe.

O problema, segundo o australiano, deixa não só os donos/cuidadores originais – que já saíram do país –, preocupados, mas também as pessoas que adotaram os bichos. Por isso, o Consultor de Desenvolvimento Organizacional, Comunicações e Desenvolvimento da Austrália não quis deixar os felinos num lugar de incerteza.

Para além disso, “uma das gatas era muito tímida e difícil. Teria fugido logo que possível e não teria sobrevivido nas ruas”. “Foi uma decisão muito, muito difícil, senti-me um traidor. Depois desta experiência, não voltarei a ter animais de estimação e concentrar-me-ei nos cuidados com a vida selvagem”, salientou.

Quem também teve de enfrentar a burocracia para tentar levar os animais de estimação consigo em viagem foi o professor José Monteiro. A trabalhar em Díli, o educador português, tem seis gatos. “Quatro tiveram a sorte de ir para Portugal em dezembro de 2022, mas faltam duas gatas, que queria levar em dezembro do ano passado e não consegui por falta de alternativas”, conta. José mostra-se preocupado com a falta de resolução do problema, pois não lhe passa pela cabeça deixar os animais em Timor-Leste, “por serem parte da família e não se deixar a família para trás”.

Em meados do ano passado, José Monteiro soube que a Aero Díli iria assegurar uma nova rota , de Díli a Singapura, e provavelmente permitiria o transporte de animais. “Falei com alguns funcionários da companhia que que me disseram que seria possível em dezembro passado, mas infelizmente não aconteceu e lamento a situação”, disse. A solução foi deixar uma pessoa a cuidar das gatas enquanto estivesse em Portugal. Já de volta a Díli, José partilhou que tudo correu bem, apesar da preocupação durante a estadia fora.

São também frequentes as publicações nas redes sociais de cães e gatos dados para adoção devido ao facto de os donos não poderem transportar os seus companheiros de quatro patas. Queixam-se que fizeram tudo o que estava ao seu alcance para resolver o problema, mas sem sucesso.

Requisitos para transporte de animais de companhia

Para transportar os animais em viagens aéreas internacionais, a veterinária Rachel Castela explica que os donos têm de passar pelo processo que as nações destinatárias exigem. Primeiramente, os bichos devem estar imunizados contra a raiva. “Costumo dar duas doses da vacina da raiva aos animais”, afirmou Rachel. Passadas duas semanas, é recolhido sangue e a amostra é enviada para a Austrália, onde se apura o nível dos anticorpos.

Posteriormente, é inserido o microchip, um dispositivo minúsculo colocado sob a pele do animal, com todos os dados que identificam o tutor e o seu endereço. Toda esta preparação deve ser feita, no máximo, nove meses antes da viagem.

Contudo, segundo o veterinário Antonino do Carmo, que também atua em Díli, alguns países, como é o caso da Austrália, não recebem os cães e gatos de Timor-Leste, mesmo que os donos preencham todos os requisitos. “Isto acontece porque, oficialmente, Timor-Leste ainda não é livre de raiva. Para ser livre do vírus, segundo a Organização Mundial da Saúde do Animal (WOAH, em inglês), as autoridades competentes no país têm de fazer um inquérito durante dois anos para averiguar os casos da raiva e proceder à prevenção, o que ainda não aconteceu em Timor-Leste”, argumentou.

O veterinário acrescentou que é preciso recolher amostras e testar em todo o território timorense. As autoridades têm de relatar à WOAH e depois a organização é que vai declarar a situação do país.

Além disso, para entrar na Austrália, é requisito obrigatório que o animal faça quarentena em uma nação livre de raiva. O animal tem de ser levado a outro estado indicado pelas autoridades australianas, como os Estados Unidos da América ou alguns países europeus, onde deve permanecer durante seis meses em quarentena e só depois pode entrar em território australiano.

Embora a entrada em solo australiano seja problemática, não é o caso de outros países. José Monteiro explica que as dezenas de gatos e cães que viajaram de Díli para Lisboa, em dezembro de 2022, entraram sem problemas em Portugal (pelo voo da EuroAtlantic Airways), apesar da legislação europeia ser rígida. “O importante é ter toda a documentação, inclusive o documento de identificação europeu do animal, as vacinas contra a raiva e a prova laboratorial de que tem anticorpos contra a doença”. E acrescenta: “Outros animais foram para os Estados Unidos e Brasil e nenhum teve problemas em Lisboa ou no país final de destino”. O que falta, diz o professor, são alternativas de voos que permitam o transporte de animais.

Companhias aéreas eximem-se e dizem obedecer às regras de países

Questionado sobre a razão de não transportarem animais, Agung Indra Bakti, gestor de operações terrestres da Aero Díli, a companhia aérea timorense que começou a operar no ano passado com voos diários para Bali, na Indonésia, atribuiu o problema às autoridades balinesas. “De acordo com as regras, é proibido a entrada de quaisquer animais domésticos, como gatos e cães, em Bali. Todas as companhias aéreas têm de obedecer às regras da quarentena dos países com os quais operam”, enfatizou.

O gestor acrescenta ainda que a Aero Díli vai viajar de Timor para Singapura, no próximo dia 24 de fevereiro. “Ainda não sabemos se a quarentena de Singapura permite ou não o transporte de animais domésticos. Se permitir, só vamos receber animais com 32 quilogramas no máximo”, informou.

Já para Fernando da Silva, agente de serviços gerais da Citilink, uma das companhias que também realiza voos diários de Díli para Bali, desde o início da companhia, em 2011, até agora, não disponibilizam o transporte de animais de estimação. “Isto é a decisão dos superiores da empresa em Jacarta. A outra razão é a quarentena em Bali, que proibiu o trânsito de animais aquando do aparecimento de casos de raiva na Indonésia para evitar a transmissão de doenças. Por isso, não podemos violar estas regras”, explicou.

Por sua vez, o chefe do Departamento de Quarentena dos animais no aeroporto de Díli, Mário Francisco Amaral, relatou que todos os bichos podem ser transportados, desde que cumpridas as regras dos países destinatários. “Como documentos básicos, é necessário apresentar o atestado de saúde para comprovar que o animal não apresenta sinais de doenças infectocontagiosas e parasitárias, e depois o certificado ou cartão de vacinação, onde conste a vacina contra a raiva”, salientou.

Em relação à titulação de anticorpos neutralizantes do vírus da raiva , Mário Amaral elucidou que deve ser igual ou superior a 0,5mUl/ml. “Devem também apresentar os documentos sobre os tratamentos antiparasitários. Preenchidos os critérios, fazemos a permissão de exportação”.

No caso da pessoa que pretende trazer animais do estrangeiro para Timor-Leste, tem de submeter os documentos para avaliação das autoridades timorenses. “Por não usarmos a aplicação online dos documentos, alguém em Timor-Leste tem de vir à quarentena para solicitar os requisitos. Se concluirmos que a nação exportadora é afetada pelo vírus da raiva, não podemos aceitar”, avançou.

Quanto ao motivo pelo qual não é possível transportar animais para fora do país, o diretor disse que os donos dos animais é que saberão a resposta. “Depende das nações para onde querem viajar, se estes países não aceitarem a importação dos animais, não podemos fazer nada”, concluiu.

De acordo com os dados da Direção Nacional da Quarentena e Biossegurança, em 2019, Timor-Leste exportou três cães para o Brasil e três gatos para Portugal, Estados Unidos e Japão. Em 2020 e 2021, nenhum animal saiu. Já em 2022, o país voltou a exportar dois cães para o Brasil e nove gatos para Portugal, Estados Unidos, Canadá e Japão. No ano passado, nenhum animal foi transportado para o estrangeiro ou entrou em Timor-Leste.

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