Documento do Governo ouviu 330.452 cidadãs. Relatório omite ou ignora qualquer informação ou menção sobre homens que utilizam procedimentos contracetivos.
Em Timor-Leste, apenas 23% das mulheres admitem utilizar algum tipo de método para prevenir a gravidez ou Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST’s), de acordo com um relatório do Governo (Timor-Leste em Números, de 2021, o mais atual). No referido documento, que cita que 330.452 cidadãs (entre 15 e 49 anos) foram ouvidas, o Governo omite ou ignora qualquer informação ou menção sobre homens que utilizam procedimentos contracetivos.
A situação, destacou o Movimento Edukasaun Ba Ema Hotu (MEEH), organização com o objetivo de promover uma educação de qualidade, favorece a ocorrência de gravidez precoce e de transmissão de DST’s, como o vírus da imunodeficiência humana (VIH/SIDA) – sendo uma consequência da falta de programas de educação sexual nas escolas e comunidades, e da ineficácia das políticas de planeamento familiar.
Até maio deste ano, segundo o Ministério da Saúde, havia 1609 portadores de VIH/SIDA e 268 vítimas mortais no país, que tem 1,3 milhões de habitantes.
A respeito da gravidez precoce, um estudo do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, sigla em inglês) revelou que quase 25% das timorenses têm o primeiro filho antes de completar 20 anos de idade.
Na semana passada, o MEEH promoveu um debate virtual sobre a importância da saúde sexual. A decana da Faculdade de Medicina da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), Lídia Gomes, convidada da conversa, defendeu que para diminuir os casos da VIH/SIDA, DST’s e gravidez precoce é importante incluir a disciplina de Educação Sexual no currículo escolar.
“A ausência desta disciplina pode contribuir para o aumento dos casos de gravidez precoce, e, consequentemente, para elevar a taxa de mortalidade materna e infantil”, alertou.
De acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA, em inglês), Timor-Leste tem uma das taxas de mortalidade materna mais elevadas do Sudeste Asiático, com 195 mortes por 100.000 nados-vivos e uma taxa de mortalidade infantil de 30 mortes por 1.000 nados-vivos.
Na sua intervenção, a decana ainda criticou a atitude de autoridades, como a ex-ministra da Saúde Odete Belo, que, em 2021, mandou riscar a expressão “uza preservativu” (escrito em tétum) de cartazes de prevenção do VIH/SIDA.
“Esse tipo de postura pode contribuir para o aumento de casos de VIH/SIDA, gravidez precoce e DSTs”, destacou. Lídia Gomes lembrou que no período da Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste (1999 a 2002), os preservativos estavam disponíveis nos espaços públicos. Depois da restauração da independência, disse a médica, esta iniciativa acabou. “Precisamos de trabalhar juntos para implementar o programa novamente”, sublinhou Lídia.
A recém-licenciada em Direito pela UNTL, Livânia Gomes, confidenciou que grande parte dos jovens tem vergonha de falar sobre sexo ou não sabe onde encontrar informação segura e, por isso, “não toma os cuidados necessários”.
Zeinando Soares, diretor executivo do MEEH, destacou que uma das finalidades do coletivo é fazer com que assuntos considerados tabu, como temas ligados à sexualidade, possam ser tratados com naturalidade e seriedade – por parte dos cidadãos e, sobretudo, das autoridades. “O Movimento pretende sensibilizar o público e fazer com que todos percebam que a saúde pública deve estar em primeiro lugar”, observou.
O Diligente entrou em contacto com a ministra da Saúde, Élia dos Reis Amaral, para a realização de uma entrevista, porém, até a publicação deste artigo não obteve resposta.