Em seis anos, corrupção em Timor-Leste causa prejuízo de quase 25 milhões

CAC aguarda definição de novo Comissário para dar seguimento às investigações de 49 casos/Foto: Diligente

Dados, de 2016 a 2022, são da Comissão Anticorrupção, que contabilizou apenas os processos que tiveram as investigações concluídas e encaminhadas para o Ministério Público.

Quase 25 milhões de dólares americanos de recursos públicos foram desviados em Timor-Leste entre 2016 e 2022. A informação é da Comissão Anticorrupção (CAC), instituição que monitoriza, recebe e encaminha denúncias sobre práticas ilícitas que envolvem o património do Estado.

Segundo a CAC, o referido prejuízo veio apenas das investigações concluídas pela instituição e que tenham chegado ao Ministério Público. Ou seja, o rombo nas contas públicas pode ser maior, pois os valores de casos que ainda estão a ser apurados não foram contabilizados.

Entre as práticas de corrupção que mais se destacam, encontram-se o episódio do fornecimento de fardas para a guarda prisional e da compra de televisões para escolas apoiadas pelo projeto Televisão da Educação, afirmou o Diretor-Geral da CAC, José de Araújo Verdial. No caso das televisões, o Tribunal de Recurso condenou os envolvidos e determinou a devolução de 700 mil dólares americanos aos cofres públicos.

“A CAC só tem competência para investigar os indícios de corrupção. Se houver matéria para acusação, o processo passa para o Ministério Público (MP). Daí para a frente, a responsabilidade é do MP e do Tribunal de Recurso”, explicou o Diretor-Geral.

Desde o início deste ano, a CAC recebeu 73 denúncias. Dessa quantia, 15 foram entregues ao Ministério Público, 49 estão pendentes e o resto, informou José Verdial, não é da competência da instituição.

Falta de Comissário atrapalha investigações

O trabalho de investigação da CAC neste ano está mais lento devido à falta de um novo Comissário, que iria substituir Sérgio Hornai. Com o final do mandato em janeiro, Sérgio Hornai ainda se manteve em funções até 5 de abril, numa tentativa de finalizar o processo de nomeação, por parte do Parlamento Nacional (PN), do novo Comissário – o que ainda não aconteceu.

No mandato do VIII Governo Constitucional, viabilizado pela FRETILIN, o PN não conseguiu chegar a um consenso para a eleição do sucessor de Sérgio Hornai. Na altura, com o argumento do quórum mínimo para a votação, o CNRT, estrategicamente, não participou nas sessões. Atualmente, o IX Governo, liderado pela coligação CNRT – PD, ainda não propôs o seu candidato, apesar da Orgânica do IX Governo Constitucional ter sido publicada, no Decreto-Lei N.º 46/2023, a 28 de julho.

Deste modo, desde o início de abril a CAC segue sem liderança. Por esta razão, algumas investigações, como a da compra do navio Haksolok, foram suspensas parcialmente. Sobre este assunto, o Diretor-Geral da CAC relatou que, ainda assim, têm avançado em algumas frentes de investigação.

“Não temos feito inquéritos, nem ouvido depoimentos e declarações de arguidos e testemunhas. Continuamos a fazer mapeamentos dos intervenientes e da relação entre os factos e os depoimentos”, disse José Verdial.

O contrato que autorizou a construção do navio foi assinado em 2014, com um valor de cerca de 13,7 milhões de euros, passando, posteriormente, para a tutela da Região Administrativa Especial de Oécusse-Ambeno (RAEOA). A embarcação, construída em Portugal, chegou a ser “inaugurada” em 2017 num estaleiro na Figueira da Foz, no país lusitano, ocasião que contou com a presença de figuras do Estado timorense.

Contudo, alegados problemas na empresa responsável pela construção paralisaram as obras. Em 2020, o Parlamento Nacional aprovou mais 14 milhões para finalizar a construção do navio, porém ainda não há previsão de conclusão.

Com capacidade para transportar 377 pessoas e 15 automóveis, o Haksolok deveria melhorar o sistema de logística, com conexões regulares de Dilí a Oécusse, Ataúro, Indonésia e Austrália.

Corrupção e pobreza

Celestino Gusmão Pereira, investigador do setor de economia na Organização Não-Governamental (ONG) La’o Hamutuk, considera que a corrupção contribui para a pobreza em Timor-Leste. “O dinheiro deveria ser encaminhado para a melhoria da vida do povo, principalmente ao investir nos setores-chave, como a água e saneamento, saúde e educação”, salientou.

Para o pesquisador, a falta de investimento na água e saneamento eleva os índices de má nutrição, que impedem uma pessoa de ser um recurso humano forte e inteligente, porque a aprendizagem também sai prejudicada.

“Com isso, no futuro, uma pessoa malnutrida não conseguirá ter um trabalho digno e, consequentemente, não terá poder de compra para garantir uma alimentação e vida saudáveis, bem como o estudo dos seus filhos”, explicando que este é um ciclo que está a acontecer atualmente.

Um relatório divulgado em fevereiro deste ano pelo Ministério da Agricultura e Pescas (MAP) revelou que 300 mil pessoas no país sofrem de insegurança alimentar. A população de Timor-Leste é de 1,3 milhões de habitantes, conforme o censo de 2022.

Celestino Pereira destacou também um outro tipo de corrupção, a que não viola nenhuma legalidade. “Os projetos e investimentos que não correspondem ao interesse público criam problemas estruturais, pois são gastos desnecessários do dinheiro do povo”, sublinhou.

O investigador da ONG timorense classifica como má política e má gestão dos investimentos os projetos do Estado que não são prioritários. “Devemos verificar se um projeto ou investimento é útil para a nossa sociedade. Uma vez aprovados, começam os concursos para orçamentos e é a partir daí que tratamos da sua monitorização, para evitar desvios dos recursos públicos”, detalhou o pesquisador.

Belita dos Santos, estudante de Biologia da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), lamenta as atitudes corruptas dos líderes. “Estas pessoas tiram o que não lhes pertence. E isso impacta muito na vida do povo, que já vive com dificuldades, numa nação rica em recursos naturais”.

A jovem de 30 anos pediu uma maior qualificação dos profissionais que trabalham na monitorização das atividades financeiras do país para poder assegurar o dinheiro do povo.

Por sua vez, Higino Guterres, 26 anos, estudante da UNTL, considera a corrupção como uma atitude destrutiva que leva o povo à decadência, fome, pobreza e morte.

O jovem mostrou-se igualmente descontente pela alta taxa de desemprego, falta de desenvolvimento no setor da agricultura e falta de qualidade nos setores da educação e saúde. “Há muitos casos em que as pessoas morrem devido à falta de medicamentos e muitos jovens timorenses têm uma mentalidade violenta, influenciada pelo fraco sistema educativo”, lamentou.

Para Higino, a corrupção em Timor-Leste já é sistemática e está bem estruturada nas instituições do Estado. “Os líderes desenham instrumentos jurídicos, focados no seu próprio proveito, e tiram também dinheiro através dos projetos”, desabafou.

De acordo com o último ranking (2022) do Índice de Perceção da Corrupção (IPC), Timor-Leste está na 77º posição, com 42 pontos, entre 180 países avaliados. O IPC é um levantamento anual realizado pela ONG Transparência Internacional, considerado o principal indicador de corrupção do mundo. A metodologia do estudo atribui notas em uma escala entre 0 e 100. Quanto maior a nota, maior é a perceção de integridade do país.

Cidadãos devem fazer denúncias

No intuito de aperfeiçoar os trabalhos de combate à corrupção, Celestino Pereira sugeriu uma maior colaboração entre as partes envolvidas, como o Tribunal de Recurso, os agentes policiais e a CAC, além de uma revisão na legislação.

“Deve haver uma investigação profunda e os criminosos devem ser penalizados. Uma pena de prisão efetiva, se for o caso, deve ser aplicada, em vez de se perderem anos em pedidos de recurso. É uma forma de dar conhecer às pessoas que os corruptos não vão ser soltos”, afirmou.

A CAC existe desde 2010, depois de ser aprovada uma lei para a sua criação no ano anterior. A missão da instituição é prevenir e investigar os crimes de corrupção em qualquer forma que esteja consagrada no Código Penal: peculato, abuso de poder, tráfico de influências, entre outros.

O Diretor-Geral contou que a CAC possui uma unidade de informação e segurança, que tem autonomia para apurar ilicitudes diante de suspeitas identificadas, e apelou aos cidadãos para fazerem denúncias. “A corrupção é um crime público que afeta a vida de todos os timorenses. Por isso, todos têm a obrigação de a prevenir”, enfatizou.

As pessoas podem apresentar queixa à CAC diretamente, com carta dirigida ao Comissário da CAC (ou a que estiver interinamente encarregue dessas funções) ou através de telefonema: (+670) 3311447; (+670) 77991550; (+670) 77326599), ou de email: cacinfodial@gmail.com. A queixa pode também ser anónima.

“Uma nação não é (só) estragada pelas más pessoas, mas pelas boas pessoas que decidem ficar caladas”, ressaltou José Verdial.

Array

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?