Acompanhada do defensor público, estudante exige ainda o pagamento de uma indemnização de cinco mil dólares. Comando-Geral da PNTL informa que irá colaborar com órgão judicial.
A estudante de Direito da Universidade de Díli (UNDIL), Ela Variana, 26 anos, interrogada pela Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) a 12 de julho por fazer comentários alegadamente ofensivos sobre um líder nas redes sociais, quer justiça pela atuação da instituição policial. Acompanhada do defensor público Sérgio Dias Quintas, a jovem apresentou queixa no Tribunal de Díli contra os polícias que a detiveram, pedindo também uma indemnização no valor de 5 mil dólares por danos patrimoniais e não patrimoniais.
“Se não fizermos isto, corre-se o risco de a sociedade continuar a ser vítima de atos ilícitos”, afirmou Ela Variana.
A jovem conta que, após o episódio da detenção, em que foi levada para o Comando-Geral da PNTL para ser interrogada, tem ficado receosa em estar nos espaços públicos. Traumatizada, revelou que a situação fez com que fosse alvo de muitos insultos. “Houve muitas pessoas que, lamentavelmente, me humilharam e me dirigiram vários ataques, insultos, entre outras atitudes. Devo dizer que continuo a sentir-me insegura”, afirmou.
A atuação “ilícita” dos membros do Serviço de Investigação Criminal (SIC) da PNTL gerou prejuízos patrimoniais e não patrimoniais à estudante, destacou o defensor público.
“A petição, entregue no Tribunal Judicial de Primeira Instância de Díli, diz respeito à declaração da minha constituinte, porque a atuação dos membros da PNTL fez com que Ela Variana se sentisse incomodada e pressionada, gerando-lhe sentimentos de medo e insegurança, entre outros”, argumentou Sérgio Dias Quintas.
“A situação obrigou a lesada a suspender algumas rotinas diárias, como, por exemplo, a sua atividade de venda, importante para a sua subsistência e a frequência das aulas, dado que teme pela sua segurança nos trajetos que tem de cumprir”, acrescentou.
Sobre o valor exigido, o defensor público informou que a subsecção I (Responsabilidade civil por atos ilícitos), no seu artigo 417.º (Princípio geral) do Código Civil, estipula: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição da lei destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
O interrogatório na PNTL
Na publicação que Ela Variana fez no seu perfil no Facebook, a 11 de julho, pode ler-se: “Se o povo insulta um líder, a PNTL atua de imediato e até recebe os parabéns por isso, mas, se um líder tem um comportamento incorreto com as mulheres, a polícia não faz nada e até normaliza essas ações. A PNTL não tem conhecimento desse comportamento ou tem medo do líder?”. A publicação fazia referência ao interrogatório de outro jovem no dia anterior, John Malic, por ter feito comentários alegadamente depreciativos ao “avô” – interpretado como sendo o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão.
Esta publicação, acompanhada de fotos de John Malic a ser levado para interrogatório, tornou-se viral nas redes sociais, com dezenas de comentários e partilhas. Numa dessas partilhas do estado de Variana, um dos internautas escreveu: “Este malcriado é para matar”, referindo-se a John Malic. Ela Variana comentou essa mesma publicação com uma pergunta: “Matar Xanana que tem atitudes incorretas com as mulheres? Se não tem coragem, não pode apontar o dedo ao povo. Nós exigimos justiça. Qualquer pessoa que cometa um erro tem de ser investigada. Por que motivo o líder está livre de ser investigado?”.
Um dia depois, Ela Variana foi surpreendida de manhã com agentes da PNTL na sua casa, em Manleu, Díli. “Perguntei qual era o motivo da presença deles ali, ainda por cima, sem nenhum documento oficial para apresentar”. Como resposta, um dos dois agentes mostrou-lhe, no ecrã do telemóvel, o comentário da jovem no Facebook.
“Perguntei o que tinha de mal o comentário, mas limitaram-se a responder que estavam a seguir ordens do Comando-Geral”, recorda Variana. Um dos polícias, mais exaltado, apontou-lhe o dedo e mandou-a calar-se, acrescentando: “Se tu fosses um homem, batia-te até gatinhares”.
Levada para o Comando-Geral, a jovem ficou sob responsabilidade da PNTL por quase duas horas, até ser libertada. “Trata-se de uma atuação abusiva e ilegal, uma violação aos direitos humanos”, classificou Sérgio Dias Quintas.
O defensor público avalia que a atuação da polícia desrespeita o artigo 53.º (Identificação de suspeito) do Código de Processo Penal. “Este artigo é essencial para os membros da PNTL, mas carece de uma boa articulação e bom entendimento, porque o que está previsto é que os membros da polícia possam fazer ‘identificação’ de alguém que já cometeu um crime ou que sobre essa pessoa recaia a suspeita fundamentada de que o vá praticar”, explicou.
“A questão que coloco é: qual o crime que Ela Variana fez ou que vai fazer? Eles irão argumentar, provavelmente, que se tratou de um crime de ameaça. Então, eu lanço outra pergunta: Alguém já fez queixa à PNTL para que se possa efetuar a detenção? Porque, no procedimento criminal, a detenção, mesmo para identificação, está dependente de uma queixa apresentada por alguém e só aí é que a polícia pode tomar alguma medida”, argumentou Sérgio.
Questionado sobre a atuação da PNTL no caso e a queixa apresentada pela jovem e defensor no Tribunal, o Comissário-Geral da PNTL, Henrique da Costa, limitou-se a dizer que “todos os cidadãos têm o mesmo direito perante alguma atuação que, segundo o próprio, seja uma atuação ilegal”. “A PNTL está disponível para colaborar com o órgão judicial de forma a responder a qualquer questão perante a lei, que é igual para todos os cidadãos”, acrescentou o Comissário.
Em relação à indemnização, o Comissário-Geral da PNTL relativizou. “O pedido de indemnização, previsto legalmente, não significa que alguém que a peça veja o seu pedido atendido de imediato. Há que analisar através de um processo rigoroso e com sustentação legal”.
O Tribunal de Díli entregou, a 1 de agosto, ao defensor público, na qualidade de mandatário, uma notificação de despacho, na sequência da petição inicial de Ela Variana. O documento entregue prevê um prazo de 30 dias para contestação da presente ação, sob pena de, não o fazendo, se considerarem confessados os factos articulados pela autora.
Ela Variana realçou ainda que, no logótipo da PNTL, pode ler-se “a lei e a ordem” – que na prática, serve para destacar que uma ordem de atuação tem de estar em concordância com a lei. “A meu ver, fui vítima de uma detenção ilícita, porque eles limitaram a minha liberdade, nomeadamente para falar. Por isso, eu queria saber qual a lei que lhes permitiu terem agido daquela forma?”, indagou.