Eduardo Ximenes: “A iniciativa privada voltada para a comunidade é viável e sustentável”

Kiera Zen tem um diário de 30 anos, onde regista sonhos e ideias/Foto: Diligente

Natural de Baucau, o artista, agricultor e empreendedor fala sobre a sua experiência nas respetivas áreas e reflete sobre os principais desafios para o desenvolvimento de Timor-Leste.

Eduardo Ximenes, 53 anos, natural de Baucau, é artista, agricultor, empreendedor – apesar de não se considerar um –, pesquisador e consultor. É fundador do curso de música Berliku Fanu Rai (BFR), em Díli, dono do Natar Rohan Café e Bar e do empreendimento hoteleiro Uma Du’ut Cottage, no município de Maliana.

Mais conhecido como Kiera Zen, nome artístico, foi estudante de Agronomia na Indonésia, na época da ocupação em Timor-Leste. Durante os seus estudos no país vizinho, Eduardo Ximenes apoiou ações de sensibilização para a independência de Timor-Leste.

Quando voltou para a sua nação, em 1998, foi pesquisador no programa Ação Contra a Fome de uma organização francesa e em outros projetos. O trabalho levou-o a desenvolver o gosto pela pesquisa, que o incentivou a começar a sua própria empresa (Insight) em 2002, onde ainda realiza investigação e fornece dados de assuntos da área socioeconómica a instituições públicas e privadas.

Para Kiera Zen, mesmo que a capital concentre a maior parte do dinheiro que circula no país, é possível desenvolver um negócio bem-sucedido nos municípios – o que pode, a seu ver, estimular o progresso em determinada região.

O que o motivou a trabalhar na área do agroturismo?

Em 2005, quando fiz uma pesquisa em Maliana, deparei-me com a dificuldade de encontrar comida. Ou não havia ou não era fresca. O dinheiro em Timor-Leste está concentrado em Díli, onde é fácil irmos a um café para trabalhar, algo que não é possível nos municípios. Vi uma oportunidade de negócio e decidi acumular capital para poder investir. Ao trabalhar junto da comunidade impulsionamos a mudança social, ajudando a sociedade a projetar o seu futuro.

A iniciativa privada voltada para a comunidade é viável e sustentável, porque envolvemos as pessoas que vivem neste lugar e promovemos o progresso nas áreas rurais. Quero mostrar à comunidade que não é caro abrir um negócio de alojamento ou restauração que atrai estrangeiros. Por isso, e por defender a sustentabilidade ambiental, a maior parte dos nossos estabelecimentos foi construída com materiais locais. Criámos também um sistema que armazena água da chuva para as várzeas e estabelecemos uma filtração orgânica para limpar a água de uso doméstico, antes de voltar à terra. Antes, os agricultores não conseguiam trabalhar no campo se não chovesse. E, quando chove, as várzeas ficavam inundadas. Com o armazém de água, resolvemos o problema. Quando chove, o excesso de água vai para o tanque e serve como reservatório para a época seca.

O trabalho na base faz com que a voz da população seja mais ouvida. Um dia, o presidente Ramos-Horta esteve no nosso alojamento e ficou a saber que uma escola no nosso suco precisava de ser reabilitada e acabou por financiar esse projeto. Além do impacto social, a nossa presença muda o pensamento das pessoas nas áreas rurais, fazendo-as conhecer outras realidades e oportunidades.

Vi jovens inspirados com a ideia de voltar aos municípios para os desenvolver através de um negócio comunitário. Um amigo, chamado Alberto Quintão de Oliveira, convidou-me muitas vezes a partilhar ideias de negócio com os jovens. Depois de algum tempo, eu desafiei-o não só a ouvir, mas a implementar. Ele abriu, juntamente com o seu sócio, o café BouAli, em Laleia, Manatuto. Resultou muito bem e, em pouco tempo, tornou-se numa inspiração para outros jovens. O seu trabalho beneficia a sociedade, pois necessita de produtos locais. Estas situações motivam-me a continuar a investir neste setor e continuar a inspirar mais jovens.

Então, viu a oportunidade de abrir um café, mas depois faz várzeas, cria animais e estabelece um alojamento. Conte um pouco como lida com tudo isto?

Comprei um terreno em Maliana em 2007, mas por falta de capital de investimento, só abri um café e bar dez anos depois. Depois de o negócio abrir, vi que havia poucas matérias-primas, como vegetais e carne fresca. Então, decidi desenvolver as várzeas e fazer criação de gado, em 2018, para responder a estas necessidades.

Para proporcionar mais oportunidades de trabalho, e consciente do potencial turístico do município, construímos as cabanas Uma Du’ut em 2020, baseadas em um conceito de sustentabilidade ambiental. São quatro cabanas feitas de madeira e recursos locais, cada uma tem casa de banho, água quente e fria e televisão.

Penso em construir este ano mais seis cabanas, porque a maioria dos nossos clientes é turista e só timorenses de média e alta classes é que conseguem pagar a acomodação. Com novas cabanas, vamos baixar o preço para 30 dólares por noite, permitindo o acesso a mais pessoas.

Queremos melhorar as várzeas e as gaiolas, porque, no ano passado, estudantes australianos do ensino secundário visitaram o nosso lugar para fazerem um estudo, mas as condições não eram boas. Por isso, surgiu esta ideia de criar uma agricultura sustentável, em que as fezes dos animais são transformadas em biogás e adubo orgânico para as várzeas.

Pensei também em estabelecer um jardim de vegetais com um café, onde os cidadãos podem ficar e desfrutar do ambiente, enquanto compram legumes.

As casas são tradicionais, destacando a beleza do ambiente/Foto: Uma Du’ut Cottage

“A arte precisa de grande investimento para sobreviver e prosperar, mas o Governo não dá a devida atenção a este setor. Nem pensa. Até para setores importantes como educação, saúde, agricultura e turismo, não há seriedade, ainda mais para a arte”

Também é artista. Como mudou da arte para os negócios?

Não mudei. Ainda sou músico, mas identifico-me mais como agricultor, não empreendedor. Mesmo que não seja das artes visuais, os meus alojamentos têm sempre aspetos artísticos. Se não tiverem, desmonto e reconstruo.

Fundei o curso gratuito de música BFR em 2009 e agora é gerido por jovens, porque estou focado nos negócios para poder sustentar o curso. Estamos a pensar em abrir uma escola de música, mas não sabemos ainda se vamos conseguir dinheiro para que seja gratuita. Os formadores para este setor são caros. Arranjei-os com o dinheiro que tinha, enquanto tentava encontrar outros fundos. Em 2015, a então Secretaria de Estado da Juventude e Desporto (SEJD) apoiou-nos com um fundo da Agência da Cooperação Internacional da Coreia (KOIKA), o que nos permitiu contratar formadores profissionais do estrangeiro. A ajuda parou em 2018 e totalizou o valor de cerca de 250 mil dólares.

A arte precisa de grande investimento para sobreviver e prosperar, mas o Governo não dá a devida atenção a este setor. Nem pensa. Até para setores importantes como educação, saúde, agricultura e turismo, não há seriedade, ainda mais para a arte. Por isso, esforço-me para sustentar a minha paixão através de negócio, enquanto traz impacto social e ambiental, incentivando uma mudança sustentável.

Quais são as dificuldades?

Recursos humanos são o maior problema, há ligação com a mentalidade e educação das pessoas. É difícil encontrar alguém que quer mesmo trabalhar, acho que devido à mentalidade mendicante que atrapalha boa parte das pessoas, inclusive as que estão nas áreas rurais. E a culpa é dos fundadores do país, os primeiros presidentes de Timor-Leste, que começaram mal, dando dinheiro para tudo e todos: veteranos, idosos, jovens que casam – até para limpar os arredores do local onde vivem se recebe dinheiro. O Estado tornou o povo mimado.

Muitos jovens exigem trabalho, enquanto muitos campos de cultivo estão abandonados. Mas ninguém quer começar, nem os estudantes da área da agricultura. Estudam anos e anos, mas, quando se graduam, ou vão para o estrangeiro ou lamentam a falta de campo de trabalho. O Governo, em vez de dar dinheiro, devia incentivar estes jovens a trabalhar no campo, dando apoio de materiais, fornecendo um bom sistema de drenagem, e até estabelecendo prémios, por exemplo, se conseguirem produzir certas toneladas, o Governo vai comprar.

O sistema educativo também não ajuda. Está fraco. Formandos de um centro vocacional vieram trabalhar connosco e não sabiam mexer no excel, mesmo sendo da área da contabilidade. As escolas não incentivam os alunos para serem críticos e independentes a procurar conhecimento. Eles vão à escola e apenas recebem os conteúdos. Nem todos, porque conheço jovens que, além da escola, aprendem de forma autodidata através da internet ou da frequência em cursos ou formações ou participação em grupos de discussão.

Outro desafio é capital de investimento e o custo de vida em Timor-Leste é caro. A eletricidade representa 15 a 20% do gasto total. A internet é cara. Estes gastos resultam em lucro reduzido.

Como vê a condição económica do país? Os gastos são pertinentes?

De acordo com os desafios que mencionei, o Governo devia investir nos setores que podem substituir o petróleo, como a agricultura e turismo. O Trade Invest, por exemplo, devia incentivar os jovens a abrirem negócios, financiando os custos da eletricidade e da água, por exemplo. Assim, os jovens ficariam mais aliviados e poderiam focar-se em gerir o negócio.

Os gastos para infraestruturas como estradas e pontes também são importantes. Infelizmente, os nossos Governos não constroem melhor do que a Indonésia quando estava aqui. As atuais estradas e pontes não são fortes nem duram. Alguns gastos são desnecessários, como os projetos falhados e as viagens. A falha dos projetos pode acontecer devido a um plano mal traçado e a um sistema de controlo que ou não existe ou está corrupto. A viagem para o Dubai, que se tornou viral, também é um exemplo de gastos desnecessários que os Governos timorenses gostam de fazer.

Esse dinheiro deveria ser direcionado para a educação e saúde. Foi uma sorte a Indonésia não ter desmantelado o Hospital Nacional Guido Valadares, se não o que teríamos? Vamos ao estrangeiro e elogiamos o nosso país, mas as condições do hospital são péssimas, os equipamentos estão enferrujados. Se apostássemos no turismo e na agricultura, seriam fontes de rendimento, poderíamos reduzir a importação de arroz, incentivar os agricultores para serem mais produtivos e financiaríamos a educação, saúde e, até, as infraestruturas.

A falha das infraestruturas na capital deveu-se ao facto de o Governo demorar a fazer planos. Quando os cidadãos construíram em lugares de risco, o Estado ignorou. Agora a cidade está cheia, o Governo desmonta e quer descentralizar, o que implica um maior custo: pagar indemnizações e o aluguer de máquinas. A descentralização é boa, se for feita com ponderação, pouco a pouco. Se fizerem em três municípios de uma vez, os recursos humanos não vão ser suficientes. Sugiro testar primeiro num município, criando apenas alguns departamentos de administração estatal, agricultura e turismo para ver se conseguem gerir o dinheiro.

Quase todos os municípios em Timor-Leste fornecem oportunidades de negócio. Temos um mar lindo, montanhas espetaculares e outras belezas. Não é fácil começar, porque temos muitas coisas para ponderar, mas devemos ter ânimo perante os desafios.

Quer deixar alguma sugestão aos jovens?

Sim. Em vez de gastarem 10 anos e cinco mil dólares para terem um certificado, que nem é considerado pelos empregadores, porque têm de ter mais de dois anos de experiência, usem o dinheiro para investir. Porquê obrigar os pais na montanha a vender todos os animais para depois ficarem desempregados? Quando acabam o secundário, peçam algum dinheiro e abram o seu negócio. Quando tiverem sucesso, podem continuar os estudos com o seu próprio dinheiro.

Se quiserem ser políticos, não serão corruptos, porque já geriram o seu próprio negócio e sabem que a honestidade é a base de tudo. Sem isso, nada tem valor, principalmente nos negócios, porque é preciso uma gestão honesta para ganhar a confiança dos parceiros. Caso contrário, é difícil prosperar.

É errado pensarem que as más condições das estradas impedem os negócios nos municípios. Quando comecei o meu alojamento em Maliana, disseram que ninguém iria lá por causa das más condições das estradas e da falta de eletricidade, mas não foi isso que aconteceu. Por ser um bom estabelecimento, mesmo com dificuldade de acesso, as pessoas sacrificam-se.

A chave é começar com o pouco que se tem, não esperem até ter muito dinheiro ou apoio do Governo, pois isso pode demorar 20 anos. Vão aos municípios para criar negócios e aproximem-se da comunidade para analisar as oportunidades e conseguir uma cooperação. Agarro o conceito de voltar à base, porque é a fonte, o arroz não vem da cidade, vem das áreas rurais.

Não esperem até aos municípios se desenvolverem, porque, até lá, já perderam muitas oportunidades. Os olhos internacionais estão atentos.

Os jovens agora têm muitas opções: a SEFOPE está a realizar um concurso de autoemprego, oferecendo 15 mil dólares como prémio, a UNDP [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em português] também tem uma competição de ideias de negócio, crédito suave, etc.

Se os jovens já tiverem um negócio, podem tentar conseguir fundos das embaixadas para os trabalhos que envolvem a comunidade. Podem começar por ser uma organização comunitária não lucrativa, que desenvolve atividades nas áreas rurais. Depois, pouco a pouco, transformamo-nos em uma empresa social, com interesse económico, contribuindo para o desenvolvimento da sociedade.

Uma dica para ter ideias de negócio é sempre que forem visitar um lugar novo ou virem na internet ou na televisão, observem o que está lá e imaginem se pode ser implementado em Timor-Leste. Tenho um diário de 30 anos, onde registo os meus sonhos e ideias. Timor-Leste é muito grande para 1,3 milhões de população. Ainda há muitos terrenos vazios e muitas ideias.

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  1. Gostei, palavras sabias e uma experiencia de vida como muitos poucos jovens.
    O problema dos jovens e que nao querem trabalho arduo pois trabalhar faz calos.
    Dada kaneta diak ato mate!

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