Diário de bordo: de Díli a Jaco, o ilhéu sagrado no mar de Timor-Leste

Jaco, um dos ilhéus de Timor-Leste/Foto: Lospalos News

Na ponta oriental do país, como se fosse uma gigante folha verde a flutuar sobre águas cristalinas e azuis como o céu, encontra-se o que é, para muitos, um pedaço do paraíso na Terra.

Em Timor-Leste, além do horizonte, no sentido em que o sol nasce, há um pedaço de terra de areias brancas e uma vegetação ainda muito preservada, com diversos tipos de árvores. Sobre águas cristalinas e repletas de corais, a pequena ilha, de beleza tão fascinante, encanta todos os que lá chegam. Para a comunidade local, é um local sagrado. O ilhéu, tido como um pedaço do paraíso na Terra, é Jaco, um dos lugares mais deslumbrantes de todo o território timorense.

Situado a 250 quilómetros de Díli, a ilha é um dos cartões postais do país, sendo muito visitada por turistas. Jaco pertence ao posto administrativo de Tutuala, no município de Lautem. O ilhéu possui uma área de cerca de dez quilómetros quadrados e faz parte do Parque Nacional Konis Santana.

É acessível a todos. Dá para ir de mota, de carro (jipe, preferencialmente) ou até de bicicleta. Há também transportes públicos como os coloridos autocarros (biscota), mas só até Tutuala, ficando a faltar cerca de oito quilómetros para descer até a praia de Valu – de onde partem os barcos para o ilhéu. É em Valu que muitos turistas geralmente pernoitam, nos alojamentos ou em tendas, para seguir logo nas primeiras horas da manhã para Jaco.

O Diligente fez uma viagem para o paraíso timorense a partir de Díli e relata nos parágrafos seguintes os detalhes da experiência.

As belezas do caminho

A jornada da capital até Jaco é longa. Em veículos particulares, dura em média oito horas. Saindo cedo, ainda é possível subir à Pousada de Tutuala, antes de descer para Valu, e ver o pôr do sol num horizonte cheio de paisagens incríveis, como o mar e as montanhas de Com.

Num sábado, o Diligente, acompanhado por um grupo de amigos, faz-se à estrada. Numa anguna (pequena carrinha de caixa aberta), sete pessoas acomodam-se: três à frente e quatro na carroceria. Os restantes decidiram ir de mota. Partimos por volta das 8h.

Na primeira paragem, em Bee Hedan, pouco antes de Manatuto Vila, sentamo-nos à sombra das grandes árvores e da montanha, neste pequeno lugar, entre duas curvas, depois de termos descido o Subaun Bo’ot.

Sente-se o cheiro a ovos cozidos, a pop mie (noodles instantâneos), a fumo de cigarro e ao lixo que se acumula atrás dos quiosques. Entretanto, algumas pessoas rezam a Santo António e outras tomam café e comem bolachas.

Após uma breve pausa, passamos por Manatuto Vila, uma terra plana, dividida em várias partes para a plantação de arrozais e rodeada por três montes. No cume de um deles, é possível ver o Santo António – o Coronel de Manatuto Anan (filhos de Manatuto, em português). No monte mais central estão as ruínas da casa do antigo administrador português de Manatuto.

Mais à frente, chegamos a Laleia, um dos postos administrativos do município de Manatuto. Paramos num café chamado “Bou Ali” (Café dos Irmãos – na língua materna galolen).

Por estar mesmo junto à estrada, com vista para a vila de Laleia e para as planícies, interrompidas pelas montanhas, este lugar serve os muitos viajantes que ali passam, nomeadamente os da parte leste: Baucau, Viqueque e Lospalos.

Ao longo do caminho, encontramos cerca de nove espaços com restaurantes à beira da estrada – Behau, Obrato, Vemasse, Kairabela –, onde há comida típica timorense e bebidas como cerveja, sumos ou tua-mutin (bebida alcoólica transparente feita com palma, apesar da tradução literal – vinho branco – em português).

É numa das barracas em Kairabela que paramos para almoçar. O cheiro forte a ikan saboko (peixe assado em folhas de palmeira), tua-mutin (vinho branco) e katupa (arroz cozido em folhas de coco) abrem o apetite. As barracas, todas muito semelhantes, são feitas de bambu, com quatro mesas retangulares e, em cada uma delas, duas garrafas de molho de tomate e uma de sambal (molho picante em indonésio), pratos e talheres bem arrumados.

“Quanto custa a katupa e o peixe?”, pergunta, numa tentativa de falar tétum, uma turista portuguesa, que também fez parte do grupo. “Quatro katupas são um dólar e cada peixe também custa um dólar”, responde uma menina, sorridente, cabelo bem penteado, ficando um pouco desconfortável ao tentar responder em português.

Saciados, após meia hora de almoço, voltamos à estrada por volta das 13h. A viagem segue até Lautem, com uma pequena paragem no monumento Mártires da Caridade, também conhecido como APIKURO, construído em homenagem aos religiosos que foram mortos por militares indonésios, em 1999.

A partir deste ponto, temos de escolher o melhor caminho para o resto da viagem. O mais indicado é passar por Lautem, e usufruir de toda a beleza de Com (um dos sucos do posto administrativo de Lautem). No local, encontramos uma Casa Sagrada rodeada de terras planas e algumas das praias mais bonitas de Timor-Leste.

Uma Lulik – a Casa Sagrada timorense, em Com /Foto: Diligente

Além destes locais, conseguimos também passar por uma lagoa de água verde, chamada Umun Ira, (em fataluco, língua materna de Lautem, significa: água dos mortos ou água morta). Os habitantes locais contam que estas nascentes de Com são sagradas – acreditam que, quando as pessoas morrem, as almas passam por esta lagoa para tomar banho antes de irem para o céu.

blank
Umun Ira, a água que purifica as almas a caminho do céu, acreditam os habitantes locais/Foto: Diligente

Durante todo o caminho, as câmaras não param de registar memórias. São muitas as publicações que circulam nas redes sociais, como o Facebook e Instagram, de quem passa por esta experiência de atravessar Timor, de Díli para a ponta Leste.

Antes de chegar a Tutuala, há que enfrentar uma parte da estrada muito complicada. Logo depois de passar pela aldeia de Assalaino, as trepidações começam a fazer o veículo – e quem está nele – chocalhar. O trecho, todo esburacado e repleto de pedregulhos, tem cerca de 30 quilómetros e são necessárias perto de três horas para o completar. Obstáculo superado, a sensação de alívio toma conta do grupo.

Com todas as paragens, a chegada a Valu acontece já um pouco tarde, um pouco depois das 20h.

Para quem vai acampar, começa a azáfama de montar as tendas, antes de se passar para o jantar e para alguns momentos de convívio, até que, inevitavelmente, o cansaço e o sono vêm chamar todos os presentes. Antes de dormir, há aqueles que pedem para serem acordados pelos colegas que despertarem primeiro.

Por volta das seis da manhã do dia seguinte, sinto o ar fresco da manhã e levanto-me. Da minha tenda, já ouço o burburinho das pessoas que se preparam para uma travessia de barco para Jaco, que dura pouco mais de 10 minutos. Perto da zona dos barcos, num pedaço de areia branca rodeada de árvores, mais de 50 pessoas aguardam.

Com o sol já a raiar, chego à praia de Valu. Cerca de dez crianças, impacientes, já estão aos mergulhos. “Queremos ser os primeiros a nadar, antes dos outros visitantes”, diz uma menina de cabelo liso, morena, de camisola branca no meio dos seus amigos. “Gosto de vestir roupa branca para combinar com o azul do mar”, explica a menina.

blank
A praia de Valu, com Jaco ao fundo/Foto: Diligente

É fim de semana. Jaco está prestes a encher-se de vida por algumas horas, com crianças, adultos e alguns idosos. Sim, por algumas horas, visto que não se pode pernoitar neste ilhéu sagrado.

Por volta das 8h, entramos no barco. Saem quatro ao mesmo tempo, levando cada um, seis pessoas. A travessia é tranquila. Percebe-se uma atmosfera de muita animação.

No meio deste grupo multicultural que acaba de saltar do barco para as areias de Jaco, encontra-se a Gislene Galvão, enfermeira brasileira a viver em Timor-Leste há quatro meses. A visita ao ilhéu, confessa, é a viagem mais longa que fez no país. “É uma beleza natural, sem mão humana, está como Deus a fez, nela conseguimos ver o Criador”, destaca a enfermeira, de sorriso no rosto, a respeito da paisagem diante dos seus olhos.

Outro turista, Joanico Barreto, natural de Bobonaro, não escondendo a excitação por, finalmente, conhecer aquele lugar de que tanto ouvira falar, partilha também suas primeiras impressões. “Mergulhei num mar muito tranquilo, limpo e belo, como nunca tinha visto na vida. Uma água tão cristalina que ainda estou chocado e só espero poder voltar cá um dia”.

Por sua vez, Jorguino Aparício Savio, natural de Lospalos, atual funcionário da Australian Volunteers International, na embaixada da Austrália, já perdeu a conta às vezes que esteve em Jaco, até porque o ilhéu fica na sua terra natal. Ainda assim, diz que o que encontra neste lugar é incomparável.

“O ambiente é incrível e tão silencioso. Tudo depende também da forma como cada um desfruta deste momento. No meu caso, não tenho muitas palavras para explicar, mas não perco uma oportunidade para passar um dia em Jaco”, conta, com um brilho no olhar.

blank
Os visitantes a chegar a Jaco/Foto: Diligente

O preço da viagem até Jaco e a estadia em Valu

Os visitantes que quiserem dormir num alojamento, devem reservar com alguma antecedência, para garantir um lugar para descansar. Em Valu há dois espaços: um, que é um pouco mais rústico, é gerido por um grupo de uma cooperativa chamada Haburas, desde 2011, e o outro é de uma empresa privada. Contudo, quem pretender um conforto maior, pode ficar na Pousada de Tutuala, sabendo que tem de descer na manhã seguinte até Valu – o trajeto, de carro ou mota, leva, no máximo, 30 minutos.

“Em Valu, como em muitos outros sítios em Timor, ainda não há um sistema para pagamento online, ou com VISA, por isso as pessoas podem reservar alojamento por telefone e pagar com dinheiro à chegada, ou tentar a sorte de encontrar quartos livres. As reservas costumam ser problemáticas, porque muitas vezes, os visitantes marcam o lugar, mas depois não aparecem”, explica Jorguino Aparício Savio.

Os donos da cooperativa cobram 25 dólares por cada quarto, onde cabem duas ou três pessoas. No caso do campismo, as pessoas devem levar todo o material e por cada tenda montada, a cooperativa pede 10 (mas o preço é negociável). “Se a área para o campismo estiver cheia, as pessoas podem ficar aos arredores, não havendo muitas restrições para montar a tenda”, esclarece a dona do local, que preferiu não revelar o nome.

Muitas pessoas preferem levar alimentos já preparados e bebidas, que podem ser compradas no caminho, por exemplo, em Baucau. No espaço em Valu, há uma cozinha. Também se pode encomendar comida aos responsáveis do alojamento, mas, em fins de semana de muito movimento (como este), a comida pode não chegar para as encomendas e em Jaco não se pode cozinhar.

Normalmente, as partidas para o ilhéu começam às 8h00 da manhã e o regresso tem de ser, o mais tardar, às 17h00. O preço de uma ida e volta é de dez dólares. No entanto, para alguns timorenses, nomeadamente estudantes, o preço é negociável, podendo baixar até aos cinco dólares para uma ida e volta.

Em entrevista ao Diligente, Octávio Barros, um dos condutores de barco, afirma que em Valu há 12 embarcações a funcionar diariamente, mas tudo depende do número de visitantes, visto que, de segunda a quinta, não há muitos turistas.

“Nesses dias, no máximo, temos 20 pessoas a visitar a ilha. Então, usamos só quatro barcos. Porém, nos fins de semana, os 12 barcos devem trabalhar, porque podemos chegar aos 500 visitantes”, realça Octávio.

O pescador confessa ainda que, muitas vezes, a maioria dos condutores prefere transportar os turistas estrangeiros em vez dos locais. Com os estrangeiros “não há negociação – 10 dólares e pronto” e assim podem ganhar mais dinheiro.

Condições precárias (mas vale muito a pena visitar)

Apesar de o preço ser razoável para alguns visitantes, surgem, ainda assim, algumas críticas às condições de segurança, como a falta de coletes salva-vidas.

“Os donos dos barcos devem preparar coletes de segurança, para evitar que algum acidente possa pôr em causa a vida dos tripulantes no percurso entre Jaco e Valu. Mesmo que saibamos que o mar é tranquilo, pode haver uma situação inesperada”, ressalta Jorguino Aparício Savio.

Apesar de a travessia ser curta, há muitas correntes e o canal é muito profundo– condições que podem ser fatais especialmente para quem não sabe nadar.

Jaco, no entanto, é para quem sabe nadar e para quem não sabe. As águas limpas e calmas permitem que as pessoas com algum receio do mar consigam, com a ajuda de óculos de mergulho, de um tubo de mergulho – snorkel, em inglês –, e de barbatanas (e de bóias, se for o caso), apreciar os corais em muito bom estado de conservação e os peixes coloridos que não se preocupam com a presença de humanos. A vida marinha no ilhéu é mesmo impressionante: estar debaixo d’água, é como entrar num outro universo, repleto de jardins subaquáticos.

Agapito Santos, um dos visitantes, mostra a sua admiração ao constatar que a comunidade local se esforça por manter tudo limpo e verde, de Lautem até Jaco, e que ninguém tenha cortado as árvores à beira da estrada.

“Os moradores entendem bem a importância em manter o ambiente bem cuidado. Todos ganham com isso”, observa o jovem.

Jorguino Aparício Savio, contudo, aponta que, em determinadas ocasiões, já encontrou lixo na região e deixa o conselho aos turistas, para colocarem qualquer tipo de sujidade nos lugares apropriados. “Tudo seria mais fácil se cada um pegasse no seu lixo e o deixasse no devido lugar. A meu ver, tanto em Valu como em Jaco já se começa a ver lixo espalhado, por falta de consciência das pessoas”.

Em relação às estradas, nota-se em algumas partes, como de Lautem até Com ou da tremedeira da reta de Assalaino até Tutuala, que os trechos estão em más condições. “Isto faz com que percamos muito tempo no caminho. O Governo do país tem de reconstruir a estrada para que o turismo cresça e que não seja algo temporário, em que uma pessoa tem de esperar por um fim de semana longo para vir a Jaco.”, diz Gislene Galvão, que viajou de carro de Díli até Valu.

blank
O condutor junto ao barco: cena clássica do paraíso/Foto: Diligente

Uma ida a Jaco não é só uma ida a Jaco. É uma experiência que, na hora em que voltamos a casa, exaustos, cheios de pó, depois de 8 horas de uma dolorosa viagem de regresso, só nos deixa a pensar na próxima aventura que nos leve de volta ao ilhéu sagrado de Timor-Leste.

Array

Ver os comentários para o artigo

  1. Quando desembarquei em Abril de 1968 em Dili, o meu destino era Lospalos. Porém, por uma questão de serviço, acabei por ficar colocado no QG – Taibesse toda a comissão de serviço. Pela certa que se tivesse ido para Lospalos, teria ido à ilha de Jaco conforme foram muitos camaradas. Como ainda não perdi a esperança de um dia visitar Timor, pela certa que irei a Jaco. Quem sabe.

  2. Diak obrigado ba tempo nebe fo Mai Hau. Diak iha nee Ami viagem Ba Ilha De Jaco, iha new Fatin Diak no mos furak tebes Hau hare buat nebe furak demais depois halo kontenti loss no halo laran hakmatek no mos tasi nbe Moss para mate halo Hau kontenti Liu Tan Hau nia liafuan maka deit obrigado Wain ba Ita Hotu❤️🙏

  3. Apenas para corrigir a data de desembarque em Díli já que foi em finais de Março e não em Abril como escrevi no meu comentário.

  4. Muito bem escrito e muito bem descrita toda a viagem até à ilha “paraíso”… parabéns! Fizeram-me reviver um de muitos bons momentos que vivi em Timor-Leste!

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?