Falta de condições nos edifícios escolares, vias públicas e insuficiência de materiais didáticos são desafios que essas pessoas enfrentam, apesar de o Estado se ter comprometido com a Convenção da ONU e aprovado o plano nacional – ambos voltados para assuntos que promovam os direitos de pessoas com deficiência.
Celebra-se hoje, dia 4 de janeiro, o Dia Mundial do Braille, assinalado pela Organização das Nações Unidas (ONU), desde 2019, a propósito da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em 2006. A data visa consciencializar os cidadãos para a importância da realização plena dos direitos humanos de pessoas com problemas de visão.
O braille, sistema de escrita tátil utilizado por pessoas cegas ou com limitações de visão, foi concebido por Louís Braille, em 1829, sendo considerado um importante instrumento para a educação, reabilitação e inserção socioprofissional dos deficientes visuais.
Em Timor-Leste, de acordo com o censo de 2022, existem 6.665 deficientes visuais, dos quais 3.103 são homens e 3.563 mulheres. A população do país é de aproximadamente 1,3 milhões de habitantes.
Entre aqueles com problemas de visão no território timorense está Luciano Borges, 32 anos, gestor do programa da Associação Halibur Deficiência Matan Timor-Leste (AHDMTL). O jovem queixou-se do facto de o governo de Timor-Leste reconhecer (na Constituição e em documentos) a necessidade de promover os direitos das pessoas com deficiência, mas não implementar as medidas.
“Infelizmente ainda não temos condições suficientes. Nem há infraestruturas básicas, como sinalética nas estradas, nos edifícios públicos e privados que garantam o acesso aos deficientes visuais. Quando há eleições, as pessoas que têm problemas de visão são obrigadas a estarem acompanhadas por alguém que possa ver e, por isso, não podem exercer o seu direito de voto de forma secreta e autónoma, já que não há boletins em braille”, argumentou Luciano Borges.
O gestor do programa ainda disse que não há documentos públicos em braille em Timor-Leste, apesar dos pedidos feitos aos órgãos competentes. Luciano Borges perdeu a visão em 2011, quando caiu de uma árvore. “Usei medicamentos tradicionais, os meus olhos ficaram cada vez piores. Entre 2011 e 2013, estava sempre em casa. Perdi toda a esperança, pensei que já não tinha futuro”, confidenciou.
No entanto, em 2014, o jovem soube, através da Rádio Comunidade que os deficientes visuais podiam ter acesso à escola. Nesse mesmo ano, entrou para a AHDMTL, onde teve oportunidade de frequentar formações de português, inglês e de braille durante três anos. Conseguiu terminar o 3º ciclo em 2019. No caminho, contudo, sofreu bullying. Existem outros dois centros de formação em braille em Timor-Leste.
Por sua vez, Geovania Mendonça da Silva, 17 anos, estudante do ensino secundário e deficiente visual, avançou que a falta de materiais didáticos no sistema de escrita tátil prejudica bastante os seus estudos, já que, em muitas ocasiões, não consegue ouvir bem, porque a sua turma tem muitos alunos.
Questionada sobre como faz os exames, a adolescente explicou que os formadores voluntários da AHDMTL a ajudam. “Leem para mim, eu respondo e depois os formadores preenchem a ficha”, informou.
Governo manifesta-se
José da Silva Monteiro, chefe do departamento da Educação Inclusiva do Ministério da Educação, afirmou que o órgão está a trabalhar em parceria com as outras pastas para garantir o acesso aos cidadãos com deficiência. Para isso, o departamento está a distribuir materiais em braille para os três centros de formação.
Quanto à questão das infraestruturas escolares, José Monteiro reconhece que há falhas. No entanto, a autoridade recomenda que a Direção Nacional Parque Escolar, vinculada ao Ministério da Educação, reconstrua os edifícios, de modo a adaptá-los às necessidades dos discentes com necessidades educativas especiais.
“Estamos a trabalhar em parceria para que cada ministério faça a sua parte, garantindo as condições necessárias para os alunos com deficiência”, explicando que estão a formar 100 professores, que posteriormente irão dar formação sobre o uso do braille a outros docentes.
Para além disso, o chefe da Educação Inclusiva acrescentou que o referido Ministério já adquiriu cerca de 10 mil equipamentos em braille “Vamos distribuí-los ainda este ano para os três centros de formação”, concluiu José da Silva Monteiro.
Conforme o artigo 21º da Constituição (sobre os portadores de necessidades especiais), “o cidadão portador de deficiência goza dos mesmos direitos e está sujeito aos mesmos deveres dos demais cidadãos, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontre impossibilitado em razão da deficiência”. Pode ler-se ainda na alínea 2, “o Estado, dentro das suas possibilidades, promove a proteção aos cidadãos portadores de deficiência, nos termos da lei”.
O Governo timorense também aprovou o Plano de Ação Nacional da Deficiência, no sentido de assegurar a promoção dos direitos dos cidadãos com necessidades especiais num período de dez anos – 2021 e 2030 – e ratificou, em 2022, a convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência.